Vou
contar a estória de uma família muito pobre: pai, mãe e dois filhos. Viviam
numa serra e os terrenos eram muito pobres: semeavam, trabalhavam a terra, mas
o que recolhiam dela era muito pouco.
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- Agora
que a vossa mãe faltou, vocês já são dois homens; está na altura de vocês
partirem em busca de uma vida melhor. Isto aqui não é futuro para ninguém.
Acontece que
os dois rapazes eram completamente diferentes: um era bom, tinha bom coração.
Se alguém lhe pedisse qualquer coisa que ele tivesse, dava-a logo. O outro,
pelo contrário, era muito egoísta. Tudo queria para ele e tirava tudo o que
podia dos outros.
Quando chegou
o dia de partirem o pai disse-lhes:
- Bem,
filhos, tenho muito pouca coisa para vos dar. Por isso dou-vos a minha bênção e
alguma coisa para comerem pelo caminho. Agora digam o que querem.
O mau pediu
logo a comida e tudo o que era bom; o filho bom pediu a bênção e um farnel a
cada um para a longa caminhada, mas o que era mau recusou a bênção. Assim
partiram os dois pelo mundo fora.
A certa altura
o irmão bom já se sentia muito cansado e com muita fome e pediu ao irmão que
parassem para descansar um pouco e comer qualquer coisa. O irmão mau disse que
ainda era muito cedo e continuou sempre a andar. Lá continuaram até que o irmão
bom disse:
- Já não
posso mais!
Então o irmão
mau propôs o seguinte:
- Então
vamos fazer uma coisa. Agora comemos o teu farnel e mais tarde comeremos o meu.
O outro irmão
porque era bom e confiava, concordou. Puseram-se os dois a comer e depois de
saciados, descansaram. O irmão bom ficou sem comida. Mais tarde puseram-se a
caminho. Foram andando, andando. Já havia um dia inteiro que caminhavam e o
irmão bom disse para o outro que já tinha fome, então o irmão mau
respondeu-lhe:
- Se queres comer, tens de me deixar cegar-te uma
vista.
O irmão bom
ficou sem palavras quando ouviu esta proposta e como o irmão não parasse, lá o
foi seguindo. Mas chegou um momento em que o irmão bom já não aguentava mais,
então disse ao irmão:
- Está bem, eu aceito.
O irmão mau
cegou-lhe uma vista e deu-lhe um bocado de comida e lá continuou sempre a andar
e o irmão bom seguia-o. Já havia tanto tempo que caminhavam e a fome voltou a
apertar. O irmão bom que estava cheio de dores e muito cansado volta a pedir ao
irmão:
- Já tenho tanta fome e estou tão cansado, dá-me
alguma comida!
O irmão mau
respondeu-lhe:
- Se queres mais comida, tenho de te cegar a outra
vista.
O irmão bom
como não aguentava mais, concordou. Ora o outro bem o disse, melhor o fez.
Acontece que já era noite, mas eles ainda estavam um pouco longe de qualquer
povoado. Assim que o irmão mau pôs o seu irmão completamente cego, abandonou-o
no meio daquele campo.
Havia ali
perto uma árvore. O rapaz bom tinha medo de ficar no chão por causa dos bichos
que andam pelos campos durante a noite e lá se pôs a andar com os braços
estendidos, às apalpadelas para ver se conseguia encontrar uma árvore e ia
pedindo a Jesus Cristo que o guiasse. Foi andando, andando até que conseguiu
encontrar uma árvore. Assim que a sentiu, subiu para os seus ramos, procurou
uma posição mais ou menos confortável e lá passou a noite.
Acontece que
aquela árvore era o ponto de referência de uma quadrilha de ladrões que tinha
arranjado um buraco e um esconderijo debaixo do chão. Lá pela noite fora começa
o rapaz a ouvir muitas falas de homens e ele apercebeu-se que eles se dirigiam
para aquela árvore; então todo receoso aconchegou-se mais à árvore e ficou,
todo caladinho, à espera.
Os homens
chegaram à árvore, sentaram-se ao pé, bem debaixo do rapaz e começaram a contar
o que tinham roubado, como tudo tinha acontecido, o que tinham feito durante o
dia ao mesmo tempo que contavam o dinheiro todo, produto dos roubos que
fizeram.
Depois
começaram a contar as novidades uns aos outros, cada um contava a sua. Um
contou que tinha sabido que o rei tinha uma filha cega e tinha mandado apregoar
que daria a sua filha em casamento a quem a curasse da cegueira. Também lhe
daria uma cidade para governar e os terrenos à volta dela. Outro disse que
tinha ouvido uma novidade boa sobre aquela cidade vizinha onde havia muita
falta de água. A verdade é que passava um grande caudal de água mesmo debaixo
do palácio, sob uma grande laje.
Entretanto
perguntaram ao primeiro que falou sobre a cegueira da princesa se ele sabia de
alguma coisa que lhe desse a cura. Ele respondeu que sim; bastava apanhar
algumas folhas daquela mesma árvore onde eles estavam; pôr a água a ferver,
deitar lá dentro as folhas, esperar um quarto de hora e depois lavar os olhos
com essa água e a princesa ficaria curada.
O rapaz bom
estava escutando tudo em cima da árvore e ficou muito contente ao saber disto.
Os ladrões contaram mais algumas novidades e depois levantaram uma laje e
desapareceram já ia amanhecendo.
Quando tudo
ficou silencioso o rapaz pôs-se a apanhar muitas folhas da árvore e a metê-las
dentro da camisa para ninguém as ver. Depois desceu da árvore e pôs-se a andar
às apalpadelas para não bater em nada.
De repente
ouve-se um tiro e ele pensou que deveria andar por ali perto um caçador; então
pôs-se a chamá-lo. O homem ouviu e veio ter com ele. O rapaz pediu-lhe que o
levasse à aldeia ou cidade mais próxima e o caçador concordou. No entanto pediu
ao rapaz para esperar um pouco, pois ele precisava de apanhar uma peça de caça,
pelo menos, para levar para casa.
Assim o rapaz
ficou ali à espera e o caçador partiu, mas passado um bocado, regressou e lá
foram os dois a caminho da cidade.
O caçador
deixou o rapaz numa taberna que é uma casa onde se juntam muitos homens a
conversar, comer e beber. O rapaz dirigiu-se à dona da casa e pediu-lhe se
poderia pôr a água a ferver e deitar lá dentro as folhas que ele lhe estava a
dar para pô-las de infusão. A senhora assim fez. Ele depois pediu-lhe uma casa
para ele se poder lavar com aquela água. A dona da casa indicou-lhe o quarto;
ele lavou-se com aquela água e daí a pouco já estava a ver. Ficou muito
contente por ter acreditado no que ouviu dos ladrões.
Então decidiu
levar a cura à princesa que estava no palácio e lá se pôs a caminho do palácio
com todo o desembaraço de quem está feliz e quer fazer outros felizes.
O guarda
estava de sentinela ao portão de entrada e o rapaz disse que trazia uma boa notícia
para o rei. Levaram-no então à presença do rei. Ele esclareceu o rei de que
tinha tomado conhecimento de que o rei tinha uma filha cega e ele sabia como
curá-la. Só precisava de estar a sós com ela e que lhe dessem uma vasilha com água a ferver. O rei concordou, pois
desejava muito que a sua filha voltasse a ver.
Quando o
rapaz ficou a sós com a princesa no quarto, ele fez uma infusão e pôs-se a
lavar os olhos à princesa com muito cuidado. Aconteceu que, passado pouco
tempo, a princesa começou a ver. Ficaram os dois muito felizes e o rei cumpriu
a sua promessa, pois “palavra de rei não volta atrás” e houve uma grande festa
de casamento, tanto dentro do palácio como por todas as redondezas. O povo
pulou, cantou, festejou o casamento real; tudo oferecido pelo rei.
Durante a
lua-de-mel o rapaz bom verificou que havia falta de água e lembrou-se da outra
história dos ladrões que ouviu quando estava em cima da árvore: “ Naquele reino há muita falta de água, mas
debaixo do palácio corre um grande caudal de água.” Assim que os noivos
regressaram ao palácio o rapaz foi logo dar a novidade ao rei e este ficou
muito contente e disse-lhe:
- Se isso for
verdade, meu filho, dar-te-ei um ducado para tu governares e viveres dos seus
rendimentos.
O rei mandou
averiguar e os conselheiros do rei encontraram a laje e quando a levantaram,
viram um grande caudal de água. O rei pulava de contente. Mandou fazer os
editais da entrega do ducado ao genro e filha e estes foram viver para o
palácio que estava situado na capital daquela região. Ambos eram muito amigos
um do outro e viviam felizes.
Certo dia
estava o príncipe e a princesa à janela do seu palácio quando ouviram e viram
um cauteleiro a vender cautelas. Então o príncipe reconheceu no cauteleiro o
seu irmão que o tinha cegado e abandonado na floresta.
O príncipe
chamou o cauteleiro e comprou-lhe várias cautelas e então perguntou-lhe:
- Então, não me conheces?
O cauteleiro
como julgava o irmão tinha morrido, comido pelas feras ou à fome, olhou para o
príncipe e disse-lhe que não o conhecia.
Então o
príncipe pediu ao cauteleiro para esperar um pouco e foi para dentro do
palácio. Vestiu a roupa que trazia quando o irmão o cegou e voltou à presença
do cauteleiro:
- Agora ainda não me conheces?
O cauteleiro
respondeu-lhe:
- Agora conheço-te, mas não acredito no que vejo,
pois não podes ser o meu irmão. Eu deixei-o no meio da floresta, cego. Como
vieste aqui parar?
O príncipe,
porque era bom, contou-lhe resumidamente o que se tinha passado e convidou-o a
ficar na sua casa. O cauteleiro disse logo que sim. No entanto todos os dias,
(porque era mau), perguntava ao irmão como é que ele tinha arranjado aquela
fortuna. O príncipe começou a pensar que, mais dia menos dia, o irmão o
mataria. Então pensou o seguinte: “Eu sei que, quando os ladrões souberem que
alguém ouviu a conversa que eles tiveram naquela noite debaixo da árvore, o
matarão; pois eles juraram que assim o fariam, se apanhassem essa pessoa.”
Assim o
príncipe disse ao irmão:
- Se quiseres ficar rico, deves ir para cima daquela
árvore perto do lugar onde me cegaste e me abandonaste. Quando os ladrões
estiverem a conversar sobre este assunto, tu dizes que foste tu que ouviste a
conversa e os ladrões dar-te-ão uma fortuna.
O cauteleiro,
como era muito ambicioso, partiu logo para aquele local e lá ficou à espera em
cima de uma árvore. Noite alta apareceram os ladrões e sentaram-se em círculo
junto à árvore a contar o dinheiro, a contar as novidades e a conversar até que
disseram:
- Mas quem terá sido que se aproveitou da nossa
conversa? Só pode ter sido um de vocês.
Então o irmão
mau, muito feliz, disse logo:
- Fui eu.
Ora os
ladrões puxaram-no logo da árvore e mataram-no.
Assim o irmão
bom viu-se livre do irmão mau, sempre pronto a lhe fazer muito mal por mais bem
que o outro lhe fizesse.
O irmão bom,
agora príncipe, teve sempre a mão de Deus sobre ele e viveu sempre feliz com a
família e amigos e nunca lhe faltou nada, nem a quem ele soubesse que estava em
necessidade.
É sempre
assim: não vale a pena as pessoas serem más, terem inveja daqueles que são
bons; Deus ajuda e protege sempre as pessoas de bom coração.
FIM
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