quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Tributo à Minha Mãe - Parte II




Os dois irmãos

Vou contar a estória de uma família muito pobre: pai, mãe e dois filhos. Viviam numa serra e os terrenos eram muito pobres: semeavam, trabalhavam a terra, mas o que recolhiam dela era muito pouco.
Certo dia aconteceu uma desgraça àquela família: a mãe morreu. Vendo-se sozinho o pai disse para os filhos:
- Agora que a vossa mãe faltou, vocês já são dois homens; está na altura de vocês partirem em busca de uma vida melhor. Isto aqui não é futuro para ninguém.  
Acontece que os dois rapazes eram completamente diferentes: um era bom, tinha bom coração. Se alguém lhe pedisse qualquer coisa que ele tivesse, dava-a logo. O outro, pelo contrário, era muito egoísta. Tudo queria para ele e tirava tudo o que podia dos outros.
Quando chegou o dia de partirem o pai disse-lhes:
- Bem, filhos, tenho muito pouca coisa para vos dar. Por isso dou-vos a minha bênção e alguma coisa para comerem pelo caminho. Agora digam o que querem.
O mau pediu logo a comida e tudo o que era bom; o filho bom pediu a bênção e um farnel a cada um para a longa caminhada, mas o que era mau recusou a bênção. Assim partiram os dois pelo mundo fora.
A certa altura o irmão bom já se sentia muito cansado e com muita fome e pediu ao irmão que parassem para descansar um pouco e comer qualquer coisa. O irmão mau disse que ainda era muito cedo e continuou sempre a andar. Lá continuaram até que o irmão bom disse:
- Já não posso mais!
Então o irmão mau propôs o seguinte:
- Então vamos fazer uma coisa. Agora comemos o teu farnel e mais tarde comeremos o meu.
O outro irmão porque era bom e confiava, concordou. Puseram-se os dois a comer e depois de saciados, descansaram. O irmão bom ficou sem comida. Mais tarde puseram-se a caminho. Foram andando, andando. Já havia um dia inteiro que caminhavam e o irmão bom disse para o outro que já tinha fome, então o irmão mau respondeu-lhe:
- Se queres comer, tens de me deixar cegar-te uma vista.

O irmão bom ficou sem palavras quando ouviu esta proposta e como o irmão não parasse, lá o foi seguindo. Mas chegou um momento em que o irmão bom já não aguentava mais, então disse ao irmão:
- Está bem, eu aceito.
O irmão mau cegou-lhe uma vista e deu-lhe um bocado de comida e lá continuou sempre a andar e o irmão bom seguia-o. Já havia tanto tempo que caminhavam e a fome voltou a apertar. O irmão bom que estava cheio de dores e muito cansado volta a pedir ao irmão:
- Já tenho tanta fome e estou tão cansado, dá-me alguma comida!
O irmão mau respondeu-lhe:
- Se queres mais comida, tenho de te cegar a outra vista.
O irmão bom como não aguentava mais, concordou. Ora o outro bem o disse, melhor o fez. Acontece que já era noite, mas eles ainda estavam um pouco longe de qualquer povoado. Assim que o irmão mau pôs o seu irmão completamente cego, abandonou-o no meio daquele campo.
Havia ali perto uma árvore. O rapaz bom tinha medo de ficar no chão por causa dos bichos que andam pelos campos durante a noite e lá se pôs a andar com os braços estendidos, às apalpadelas para ver se conseguia encontrar uma árvore e ia pedindo a Jesus Cristo que o guiasse. Foi andando, andando até que conseguiu encontrar uma árvore. Assim que a sentiu, subiu para os seus ramos, procurou uma posição mais ou menos confortável e lá passou a noite.
Acontece que aquela árvore era o ponto de referência de uma quadrilha de ladrões que tinha arranjado um buraco e um esconderijo debaixo do chão. Lá pela noite fora começa o rapaz a ouvir muitas falas de homens e ele apercebeu-se que eles se dirigiam para aquela árvore; então todo receoso aconchegou-se mais à árvore e ficou, todo caladinho, à espera.
Os homens chegaram à árvore, sentaram-se ao pé, bem debaixo do rapaz e começaram a contar o que tinham roubado, como tudo tinha acontecido, o que tinham feito durante o dia ao mesmo tempo que contavam o dinheiro todo, produto dos roubos que fizeram.
Depois começaram a contar as novidades uns aos outros, cada um contava a sua. Um contou que tinha sabido que o rei tinha uma filha cega e tinha mandado apregoar que daria a sua filha em casamento a quem a curasse da cegueira. Também lhe daria uma cidade para governar e os terrenos à volta dela. Outro disse que tinha ouvido uma novidade boa sobre aquela cidade vizinha onde havia muita falta de água. A verdade é que passava um grande caudal de água mesmo debaixo do palácio, sob uma grande laje.
Entretanto perguntaram ao primeiro que falou sobre a cegueira da princesa se ele sabia de alguma coisa que lhe desse a cura. Ele respondeu que sim; bastava apanhar algumas folhas daquela mesma árvore onde eles estavam; pôr a água a ferver, deitar lá dentro as folhas, esperar um quarto de hora e depois lavar os olhos com essa água e a princesa ficaria curada.
O rapaz bom estava escutando tudo em cima da árvore e ficou muito contente ao saber disto. Os ladrões contaram mais algumas novidades e depois levantaram uma laje e desapareceram já ia amanhecendo.
Quando tudo ficou silencioso o rapaz pôs-se a apanhar muitas folhas da árvore e a metê-las dentro da camisa para ninguém as ver. Depois desceu da árvore e pôs-se a andar às apalpadelas para não bater em nada.
De repente ouve-se um tiro e ele pensou que deveria andar por ali perto um caçador; então pôs-se a chamá-lo. O homem ouviu e veio ter com ele. O rapaz pediu-lhe que o levasse à aldeia ou cidade mais próxima e o caçador concordou. No entanto pediu ao rapaz para esperar um pouco, pois ele precisava de apanhar uma peça de caça, pelo menos, para levar para casa.
Assim o rapaz ficou ali à espera e o caçador partiu, mas passado um bocado, regressou e lá foram os dois a caminho da cidade.
O caçador deixou o rapaz numa taberna que é uma casa onde se juntam muitos homens a conversar, comer e beber. O rapaz dirigiu-se à dona da casa e pediu-lhe se poderia pôr a água a ferver e deitar lá dentro as folhas que ele lhe estava a dar para pô-las de infusão. A senhora assim fez. Ele depois pediu-lhe uma casa para ele se poder lavar com aquela água. A dona da casa indicou-lhe o quarto; ele lavou-se com aquela água e daí a pouco já estava a ver. Ficou muito contente por ter acreditado no que ouviu dos ladrões.
Então decidiu levar a cura à princesa que estava no palácio e lá se pôs a caminho do palácio com todo o desembaraço de quem está feliz e quer fazer outros felizes.
O guarda estava de sentinela ao portão de entrada e o rapaz disse que trazia uma boa notícia para o rei. Levaram-no então à presença do rei. Ele esclareceu o rei de que tinha tomado conhecimento de que o rei tinha uma filha cega e ele sabia como curá-la. Só precisava de estar a sós com ela e que lhe dessem uma vasilha  com água a ferver. O rei concordou, pois desejava muito que a sua filha voltasse a ver.
Quando o rapaz ficou a sós com a princesa no quarto, ele fez uma infusão e pôs-se a lavar os olhos à princesa com muito cuidado. Aconteceu que, passado pouco tempo, a princesa começou a ver. Ficaram os dois muito felizes e o rei cumpriu a sua promessa, pois “palavra de rei não volta atrás” e houve uma grande festa de casamento, tanto dentro do palácio como por todas as redondezas. O povo pulou, cantou, festejou o casamento real; tudo oferecido pelo rei.
Durante a lua-de-mel o rapaz bom verificou que havia falta de água e lembrou-se da outra história dos ladrões que ouviu quando estava em cima da árvore: “ Naquele reino há muita falta de água, mas debaixo do palácio corre um grande caudal de água.” Assim que os noivos regressaram ao palácio o rapaz foi logo dar a novidade ao rei e este ficou muito contente e disse-lhe:
- Se isso for verdade, meu filho, dar-te-ei um ducado para tu governares e viveres dos seus rendimentos.
O rei mandou averiguar e os conselheiros do rei encontraram a laje e quando a levantaram, viram um grande caudal de água. O rei pulava de contente. Mandou fazer os editais da entrega do ducado ao genro e filha e estes foram viver para o palácio que estava situado na capital daquela região. Ambos eram muito amigos um do outro e viviam felizes.
Certo dia estava o príncipe e a princesa à janela do seu palácio quando ouviram e viram um cauteleiro a vender cautelas. Então o príncipe reconheceu no cauteleiro o seu irmão que o tinha cegado e abandonado na floresta.
O príncipe chamou o cauteleiro e comprou-lhe várias cautelas e então perguntou-lhe:
- Então, não me conheces?
O cauteleiro como julgava o irmão tinha morrido, comido pelas feras ou à fome, olhou para o príncipe e disse-lhe que não o conhecia.
Então o príncipe pediu ao cauteleiro para esperar um pouco e foi para dentro do palácio. Vestiu a roupa que trazia quando o irmão o cegou e voltou à presença do cauteleiro:
- Agora ainda não me conheces?
O cauteleiro respondeu-lhe:
- Agora conheço-te, mas não acredito no que vejo, pois não podes ser o meu irmão. Eu deixei-o no meio da floresta, cego. Como vieste aqui parar?
O príncipe, porque era bom, contou-lhe resumidamente o que se tinha passado e convidou-o a ficar na sua casa. O cauteleiro disse logo que sim. No entanto todos os dias, (porque era mau), perguntava ao irmão como é que ele tinha arranjado aquela fortuna. O príncipe começou a pensar que, mais dia menos dia, o irmão o mataria. Então pensou o seguinte: “Eu sei que, quando os ladrões souberem que alguém ouviu a conversa que eles tiveram naquela noite debaixo da árvore, o matarão; pois eles juraram que assim o fariam, se apanhassem essa pessoa.”
Assim o príncipe disse ao irmão:
- Se quiseres ficar rico, deves ir para cima daquela árvore perto do lugar onde me cegaste e me abandonaste. Quando os ladrões estiverem a conversar sobre este assunto, tu dizes que foste tu que ouviste a conversa e os ladrões dar-te-ão uma fortuna.
O cauteleiro, como era muito ambicioso, partiu logo para aquele local e lá ficou à espera em cima de uma árvore. Noite alta apareceram os ladrões e sentaram-se em círculo junto à árvore a contar o dinheiro, a contar as novidades e a conversar até que disseram:
- Mas quem terá sido que se aproveitou da nossa conversa? Só pode ter sido um de vocês.
Então o irmão mau, muito feliz, disse logo:
- Fui eu.
Ora os ladrões puxaram-no logo da árvore e mataram-no.
Assim o irmão bom viu-se livre do irmão mau, sempre pronto a lhe fazer muito mal por mais bem que o outro lhe fizesse.
O irmão bom, agora príncipe, teve sempre a mão de Deus sobre ele e viveu sempre feliz com a família e amigos e nunca lhe faltou nada, nem a quem ele soubesse que estava em necessidade.
É sempre assim: não vale a pena as pessoas serem más, terem inveja daqueles que são bons; Deus ajuda e protege sempre as pessoas de bom coração.


                                   FIM

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