sábado, 6 de abril de 2013

Meu trabalho "Terapia Familiar"


Venho partilhar convosco este meu trabalho escrito durante o ano de 2003. Este é um tema que sempre me interessou e continua a interessar. Espero que gostem e possam aproveitar algo!
Eu que gastei o meu tempo sem ter conta, quero hoje fazer conta e falta-me tempo. Se os que contam com o seu tempo, fizessem desse tempo alguma coisa, não chorariam como eu agora por não ter tempo.” Poeta Drummond de Andrade

Fazer terapia não é resolver problemas ou corrigir erros, mas mergulhar no mistério das famílias e do encontro.” de Ausloos in Competências das Famílias (1996)

Prefácio

Desde que me conheço que a minha preocupação e o meu interesse são os seres humanos. Desde criança que ajudo os outros e ponho-os em primeiro lugar em detrimento da minha pessoa. A minha família foi o berço de toda esta minha actividade.
Na adolescência, quando dei por mim, estava a trabalhar para toda a gente. Toda a gente queria aproveitar-se de mim "Faz! Fica sempre tão bem feito!" e por outro lado, tinham uma grande raiva de precisarem de mim e detestavam-me por isso. Eu incomodava-lhes a consciência, mas não me deixavam viver a minha vida porque sabiam que, comigo longe, a vida seria muito mais difícil. Então eu revoltei-me porque sempre os tinha ajudado de toda a maneira e era grande a falta de amor deles por mim. Tudo isto se passava dentro de casa e também fora, com os colegas.
Hoje compreendo que, apesar de perceber que este ou aquele vai mal, decide mal, faz mal; pois que faça o seu caminho. Bata com a cabeça na parede as vezes que quiser e precisar. Não é problema meu! A única coisa que devo fazer é dar o alerta e deixar. Afinal eu também tenho dificuldades e encontro bastantes problemas e obstáculos na minha vida e não há outra solução senão enfrentá-los e fazer caminho. A cada um o seu livre arbítrio. Só que esta peregrinação, meu percurso de vida deu-me muita dor de cabeça, muita preocupação, muito sofrimento, muita carência afectiva.
Desde os primeiros anos de estudos que tenho frequentado a biblioteca de Lagos. Primeiro a Biblioteca Calouste Gulbenkian; depois da revolução do 25 de Abril, a Biblioteca de Lagos no mesmo lugar e depois a Biblioteca Júlio Dantas na Rua Júlio Dantas. Lia todos os contos infantis e hoje acho interessante a semelhança entre os dons que as fadas boas ou más davam aos príncipes e princesas com os Dons do Espírito que Deus nos vai entregando ao longo da nossa vida.
Adolescente li todos os livros de Psicologia, Sociologia, Filosofia que a biblioteca tinha. Gostava tanto!
Mais tarde, tanto no curso de Economia como em Recursos Humanos e no secundário voltei a estudar estes assuntos e agora estou a elaborar este trabalho sobre Terapia Familiar. Tudo isto me é interessante. Tudo o que se relaciona com o ser do ser humano sempre me fascinou! Lagos, Abril de 2003


PARTE I


1. Introdução ao tema

Freud considerava que é na linguagem que o inconsciente em pessoa se manifesta. Através das associações livres e das interpretações, o psicoterapeuta e o paciente vêem surgir progressivamente as linhas de força da personalidade. Estas, na patologia, estão em conflito com as realidades da vida consciente. A doença e os sintomas são emanação deste conflito.
Se o médico pode abordar os elementos da sua ciência permanecendo um observador imparcial; o psicoterapeuta torna-se, a um certo nível, o objecto da sua própria pesquisa com a qual interfere. Enquanto indivíduo humano, inscreve-se num dado conjunto sociocultural, numa determinada óptica filosófica e mesmo em traços patológicos precisos que tornam, por vezes, difícil, frequentemente sem que ele se aperceba, as virtudes de objectividade que a sua pesquisa reclama.
Numa versão simples e esquemática a relação terapêutica é, no início, uma colaboração entre duas pessoas que trazem dados susceptíveis, pela sua ordem e complementaridade, de fornecer uma solução ao problema posto pelo paciente.
No início é essencial obter informação bastante completa e o mais concreta possível sobre o problema posto, mas também sobre aquele que põe o problema. Nenhum psicoterapeuta pode passar sem um inventário detalhado dos comportamentos, um relatório preciso dos traços de personalidade do paciente.
Antes de falar sobre o caso ao paciente, o psicoterapeuta deve ajudar o paciente propondo-lhe alguns temas que sabe que, com alguma probabilidade, podem interferir na perturbação daquele. Esta pesquisa a dois de correlações possíveis com a perturbação e da sua actualização crítica fornece, muito frequentemente, factos numerosos e precisos que permitem ao terapeuta orientar rapidamente as suas questões de um modo mais específico.
A tarefa do psicoterapeuta é precisar progressivamente as situações-problema através das informações dadas pelo paciente. Ele sabe que o conflito familiar latente que o paciente descreve banalizando-o pode ser mais destrutivo do que ele admite. Esta descoberta de uma ligação causal entre os sintomas e os acontecimentos do meio é o ponto crucial do qual dependerão todas as etapas posteriores.
A análise do problema nos seus diferentes aspectos e a organização dos dados num modelo teórico terminariam finalmente numa táctica. Quais os objectivos do terapeuta?
Resolver um problema específico ao paciente?
Orientá-lo para outra especialidade?
Dar ao paciente a possibilidade de modificar os seus aspectos negativos?
As respostas dadas às questões que antecedem a decisão de que táctica utilizar são mesmo necessárias. A táctica ou plano de acção que se estabelece deve ser tão preciso quanto possível. Só o seguimento de um programa claro e detalhado permite uma reprodução fiel da táctica em situações semelhantes e a partir daí uma avaliação objectiva da eficácia da especificidade dos meios utilizados. Só esta precisão é capaz de regular o difícil problema das comparações entre terapeutas. O estudo comparado de planos de acção de várias teorias permite uma aproximação construtiva e um enriquecimento de técnicas.

2. Dimensão de grupalidade no indivíduo

Meu EU, quem és tu que tantas vezes não me reconheço?”

Bion no seu livro Experiences in groups (1969) postula e caracteriza a existência no indivíduo de uma dimensão de grupalidade. Esta entidade pretende denotar a parte da vida psíquica da pessoa que é incessantemente estimulada e activada pela experiência da interacção familiar. Trata-se de uma parte que, no indivíduo, continua a ser o aspecto da sua identidade que o determina a nível interno e como membro participante de uma dada família. Numa situação de relativo isolamento, a grupalidade do indivíduo permanece latente sem se manifestar ou afirmar; mas o contexto familiar faz com que esses aspectos venham à superfície como se revelassem no indivíduo a natureza da sua personalidade enquanto membro de uma família.
Teoricamente podemos distinguir três níveis de operações inconscientes:

Eu (da vida natural – corpo físico) ® podemos estudar-nos através dos outros animais. São-nos transmitidas características geneticamente tanto físicas como psíquicas relacionadas com os instintos. A sobrevivência e relacionada com ela a busca do alimento e a posse, a autodefesa, a competição, a procriação e relacionada com ela a sedução, o apelo e o desejo sexual, o abrigo, a protecção, o prazer, a relação de domínio–sujeição, a manha. Esta vida tem a ver com as sensações; é táctil, existe à flor da pele. A vida tem a duração da vida do corpo físico. Com a morte do corpo físico tudo desaparece.

Eu (da alma com identidade única como o corpo natural) ® este Eu é aquele das emoções. É o corpo imaterial que coabita com o nosso corpo físico no interior da pele. É o mundo dos afectos, dos sentimentos: o amor do coração nas suas várias tonalidades e precisa do outro e de Deus para se sentir inteiro; precisa da família, dos amigos para se sentir feliz. A família realiza-o completamente ou destrói-o, se não corresponde a relações de afectos, mas união de seres egoístas usando-se uns aos outros. A felicidade é conceito da alma e dos corpos celestes humanos.

Eu (dons do espírito) ® Estes podem chegar a ser sete e o indivíduo é um sobredotado. São do mundo do espírito. Percorrem várias vidas e acumulam conhecimentos. São a nossa criatividade, a nossa capacidade de fazer, a nossa curiosidade, a nossa razão, ... levam-nos à solidão porque nos levam ao isolamento para conhecer mais e mais sem limites.

Assim o indivíduo situa-se numa família numa relação de sinergia para uma maior protecção, defesa e possibilidade de maior concretização de objectivos e/ou para uma rede de relações de afectos.
Na minha opinião de pessoa leiga nesta matéria, apesar de muito interessada, penso que os especialistas e investigadores em doenças mentais têm de estudar e investigar muito mais do que os efeitos dos alimentos no indivíduo (apesar de estes contribuírem muito para as doenças nas pessoas), mas as doenças mentais vão muito para além disso. É já aceite que comportamentos do indivíduo em relação aos outros e a Deus originam muitas doenças. Daí concluo que é importantíssimo também essa área passar a ser estudada, analisada, comparada e após, trabalhar na mudança de atitudes e comportamentos para recuperar o que é possível recuperar.
Se realmente se quer compreender melhor as doenças mentais e se quer ajudar os indivíduos com estas doenças, temos de aceitar tudo isto e também a humildade; pois nada é desvendado sem o consentimento de Deus. É urgente investir no estudo de comportamentos, atitudes, caracteres e relacioná-los com as doenças e com o outro que nos rodeia e faz-nos adoecer por dentro, só porque existimos. Tudo passa muito mais por aqui. É necessário mudar a maneira de ser e de estar na vida e o relacionamento com Deus e a Sua Família e os outros para que as doenças diminuam drasticamente e todos vivam muito mais felizes. Assim o queiram!
Cada um dos membros da família tem um determinado conceito de família que concretiza no dia-a-dia com exigências, mas também com prestações aos restantes membros da família. São nas alturas de crise que o conceito de família de cada um vem ao-de-cima e também as decepções em relação às expectativas de cada um que não foram correspondidas. É bom ter uma família e quem não a tem, aspira a tê-la. No entanto, quem tem uma família aspira a ser família. Então estes dois conceitos “ter uma família” e “ser uma família” são importantíssimos tanto no tratamento de doenças mentais como de outras doenças que muitas vezes resultam de a família não conseguir ser família para o subconsciente de cada um dos seus membros ou para algum deles. Ser família implica relações de amizade entre todos os membros da família e cada um deles e o amor é amor, protecção, cooperação, compreensão, apoio, solidariedade, compromisso,... Muitas pessoas constituem família, mas são egoístas e cada um utiliza o outro em seu próprio benefício e aqueles que querem ser família naquela família, a certa altura ficam esgotados, revoltados, desiludidos, agressivos, ...
Uma vez assisti a um casamento em que o bispo colocou a mão direita dele sobre a mão direita dela e a sua por cima das duas e disse:

“ – Construam-se um ao outro!”

Achei lindo e muito verdadeiro e necessário para ser família. Talvez fosse necessário o psicoterapeuta dizer à família:

- Construam-se uns aos outros!

É este o objectivo primeiro e fundamental de qualquer família em que cada um dos seus membros é único e diferente de todos os outros e com expectativas e aspirações completamente diferentes, mas todos estão unidos pelos fortes vínculos do Amor e da Amizade e o Amor-Comunhão vai moldando-os de maneira a que todos se enriqueçam e sejam burilados de modo a ficarem cada vez mais humanos e, portanto mais adequados à sua condição de seres humanos perdoando e perdoando e chamando a atenção, tentando-se corrigir para que o ser família se mantenha sempre até à eternidade. Não há nenhum indivíduo que não aspire a isto, pois isto é a sua essência.

Construam-se uns aos outros!

Eis a divisa a ensinar aos outros e a nós próprios, pois cada um de nós tem uma família a construir.

3. Dinâmica familiar

A comunicação no seio da família faz-se através de um permanente jogo de interacção recíproca tendente a um equilíbrio. É sobretudo a partir dos anos quarenta do século passado que diversos autores começam a utilizar a dinâmica familiar com fins terapêuticos. Se há famílias que têm tendência a resolver no seu seio as dificuldades do dia-a-dia, outras existem que recorrem a pessoas, fora do agregado familiar, para as conseguir resolver.
A partir de certa altura, os terapeutas não só começaram a sentir-se mais à vontade para convidarem determinadas pessoas a virem à terapia na sua qualidade de família, como se tornaram mais conscientes de que o paciente passara a ser a própria unidade familiar. Em si própria, a família pode ser considerada como ponto de encontro dos modos de funcionamento individual, grupal e institucional. A família, à semelhança de uma instituição, tem uma vitalidade própria que precede e ultrapassa o período de duração da terapia. Na família enquanto grupo, a dinâmica específica da interacção dos seus membros constitui o centro de interesse do terapeuta
A família é a primeira comunidade, comunidade nuclear e contém em si todas as regras de bom funcionamento para qualquer comunidade ou instituição e, apesar de pequena, muitas vezes é um foco de problemas superiores aos de comunidades maiores porque cada vez mais é uma comunidade de afectos e cada elemento manifesta e sente de maneira diferente e aceita ou rejeita as projecções que lhe querem incutir. São relações de domínio e sujeição em mudança para relações de cooperação e libertação; são relações de formador – formando em mudança para relações em que todos são formandos; são relações de protecção paternal em mudança para relações de protecção de Deus e a Sua Família a toda a família. Esta mudança constante é muito difícil de ser aceite pelos membros da comunidade familiar que lutam constantemente pela manutenção do status quo ou contra ele. Isto traz como consequência muitas vezes, a necessidade de apoio exterior ao indivíduo mais afectado e à família que não se consegue consciencializar da origem e verdadeira causa do problema. Por outro lado, se o problema é de um dos membros da família e as causas são exteriores à família podendo vir do próprio indivíduo ou a causa ser exterior ao indivíduo e à família; a família toma sempre a causa como sua e o problema como seu duplicando-lhe o problema que este seu membro lhe traz.
É devido ao facto de o indivíduo crescer numa família e de esse acontecimento criar e recriar a família que as relações familiares constituem a experiência central da continuidade da vida, da infância à adolescência e idade adulta, mas na idade adulta é possível reexperienciar os mesmos acontecimentos numa perspectiva inversa: cada filho constrói a sua própria família criando os seus filhos e assim um novo núcleo familiar se inicia.
O ponto central na compreensão da dinâmica da interacção familiar é a noção de um conflito intrapsíquico que se desloca para a relação entre os membros da comunidade familiar. A identificação projectiva é uma operação inconsciente por meio da qual uma parte do mundo interno de um indivíduo se desliga dele próprio e, através da projecção, vai localizar-se noutro membro da família. Como consequência, o indivíduo fica privado dessa parte de si que sempre sonhou e não conseguiu realizar e experiencia no outro membro da família tudo aquilo que gostaria ele próprio de ter experienciado. Isto pode-se verificar a nível do cônjuge ou da relação paterna para um dos filhos ou outro elemento familiar. De um ponto de vista operacional o indivíduo interage com a parte de si próprio que foi projectada no outro do mesmo modo que agiria se essa parte fizesse parte de si próprio. Assim há todo um esforço do indivíduo no seio da família para que o receptor da projecção se torne cúmplice da operação e se conforme e aceite esse papel. Quando esta situação não se coaduna com o receptor e finalmente o receptor toma consciência da situação e rejeita-a; dá-se uma enorme surpresa no indivíduo-emissor e a relação afectiva-positiva passa a ser uma relação de conflito e o objecto da projecção passa de competentíssimo a falhado, desastrado, sem personalidade. Desequilibra-se o equilíbrio familiar e os restantes membros da família não conseguem perceber nem restabelecer o equilíbrio familiar.
Para dar ao indivíduo a sua liberdade como ser e restabelecer o equilíbrio familiar surge o terapeuta que vai observar as interacções familiares em vista à descoberta de uma rede oculta de identificações projectivas. Dada a natureza deste trabalho o terapeuta coloca-se na mesma situação em que se encontra qualquer um dos membros da família. Está presente para se deixar impregnar pelas identificações projectivas.
Por fim todos os processos se somam chegando ao ponto em que o terapeuta passa a ter completamente a confiança da família. Neste ponto o terapeuta, para além de reconhecer o que as pessoas daquela família estão a fazer umas às outras, deve esclarecer em particular o aspecto projectivo, isto é, o que a família está a fazer com ele e a ansiedade que a move. Trata-se de um aspecto extremamente difícil do trabalho, uma vez que o terapeuta entra na situação como alguém estranho e inexperiente perante um hábil grupo de fiéis de longa data – a família do paciente identificado.
O terapeuta poderá sentir a tentação de devolver a incomodidade da situação à família, a um dos seus membros ou sentir-se inclinado a apresentar as suas interpretações de modo a bombardeá-los no mesmo sentido em que ele próprio está a ser bombardeado pela família. No entanto, se for capaz de aguentar e de conter-se, terá a possibilidade de transformar o seu mal-estar em qualquer coisa potencialmente significativa e útil à interacção daquela família em particular.

4. Terapia familiar de orientação psicanalítica

Uma terapia familiar de orientação psicanalítica deve identificar qual o modo de dependência que se encontra em acção no padrão da interacção familiar. Esta última poderá definir-se por relações de dependência que, uma vez elaboradas, conduzirão à individualização dos seus membros e ao estabelecimento por estes de novas famílias nucleares. No entanto, a interacção pode também estar organizada de modo a negar a existência de necessidades de dependência, de forma a negar a necessidade de se estabelecerem relações interdependentes e de maneira a que a dependência seja usada como meio de controlo e de apropriação do outro.
Os padrões interactivos manifestar-se-ão na transferência e tenderão a impugnar as relações próprias do campo terapêutico. O terapeuta poderá ser sentido como (ou ser encurralado na posição de) líder dependente, destinado a fornecer todos os tipos de solução omnipotente. O terapeuta é quem tem a palavra, quem representa o conhecimento a ser seguido. Por outro lado, o terapeuta pode ser sentido como o provedor cuja oferta deverá ser recusada por levar à tomada de consciência e ao contacto com as necessidades e carências das partes em conflito que a família se esforça por não reconhecer.
Este esforço por ignorar a dependência é um elemento que tece tanto no indivíduo como no grupo familiar, isto é, tem tanto uma dimensão social como psicológica.
Se considerarmos que a família que chega à terapia está geralmente organizada em maior ou menor grau, será mais fácil compreender porque o terapeuta tem tanta dificuldade em se fazer participante na família e com isso provoca sempre um alto nível de turbulência. Isto deve-se ao facto de as intervenções do terapeuta se dirigirem a um campo emocional saturado por um alto grau de defesas psicóticas. Uma vez abordadas estas defesas libertarão imediatamente quantidades consideráveis de ansiedade psicótica criando um tipo psicótico de transferência.

4.1 – A personalidade narcísica

Segundo Rosenfeld (1971) a organização psíquica da personalidade narcísica pode ser extrapolada para o terreno da terapia familiar a fim de nos facilitar a compreensão do campo emocional que caracteriza certos tipos de interacção familiar. Os trabalhos de Rosenfeld mostram que o narcisismo destrutivo destes pacientes parece muitas vezes altamente organizado como se estivéssemos a lidar com um gang poderoso dominado por um líder que controla todos os membros do grupo a fim de se certificar de que estes se auxiliam mutuamente tornando o trabalho destrutivo ainda mais eficiente. O narcisismo tem um objectivo defensivo que é o de se conservar no poder e conservar o status quo visando manter o grupo afastado da necessidade de investigar a sua realidade psíquica. Há um controlo mútuo visando impedir que qualquer membro proceda a contribuições diferentes dos que alimentam o fundo comum. Todos os participantes devem estar em uníssono com o líder e a sua maneira de ser família que orienta todas as suas acções.
A percepção da existência de obstáculos que poderiam pôr em perigo a realização da tarefa e levar o grupo à necessidade de receber uma ou outra forma de ajuda, é sentida pelos participantes do grupo como uma ameaça à sua autoestima. Em tais circunstâncias, a atitude científica é substituída pelo modo de proceder mágico. Este último nega a ameaça permitindo assim ao grupo manter a sua autoimagem idealizada. Os membros familiares continuam a tratar-se uns aos outros não como pessoas completas, mas como exteriorizações parciais do(a) líder. Os membros da família esforçam-se por manter o sentimento de unidade a fim de defenderem o status quo simbiótico. Qualquer iniciativa de um dos membros para modificar a situação ou qualquer contributo estranho ao fundo comum da organização ou qualquer tentativa de um dos membros de se separar da família para recuperar a sua liberdade é vivida como ataque à família enquanto grupo e também como traição aos princípios familiares.
A observação do padrão da interacção familiar revela que o tipo de conflito entre narcisismo e dependência descrito por Rosenfeld, ao nível do indivíduo, poderá estar também presente ao nível da organização familiar. As oscilações deste conflito e a natureza da sua resolução determinam o padrão final adoptado pela família e o resultado da tarefa que os seus membros se impuseram.
Uma das tarefas da família é reconhecer e prover às necessidades dos seus membros dependentes. O modo como estes recebem cuidados e o modo pelo qual lhes é prestada assistência desempenham um papel importante na determinação da capacidade que esses membros virão a ter de criarem, no devido tempo, as suas próprias famílias nucleares. É portanto de esperar que as relações de dependência no interior da família contenham, no modo por que se estruturam, as próprias sementes da futura independência que germina a partir de tais sementes e que sejam de um tipo capaz de reconhecer e lidar tanto com as necessidades e sentimentos dependentes do sujeito como com os daquele sobre quem recai a sua projecção ou domínio.
Se a capacidade de tolerar a dependência for predominante, os membros da família organizarão um padrão de interacções que permitirá a existência de um espaço disponível para o estabelecimento das relações entre o sujeito e as suas projecções. Trata-se de um espaço onde estes se podem encontrar e separar, isto é, onde a reciprocidade das relações objectais é reconhecida pelos diferentes participantes do vínculo. Neste tipo de organização, cada uma das partes na família reconhece a presença, a individualidade e a singularidade da outra parte. Por outro lado, o reconhecimento e a aceitação da importância das relações na família, das suas próprias necessidades dependentes são facilitadas pela atitude do provedor que exprime e transmite a iniciativa de auxílio enquanto elemento de uma relação interdependente.
Quando a forma de organização narcísica predomina na família, o padrão das interacções resultantes estruturar-se-á de tal modo que se assemelhará ao funcionamento do pressuposto fundamental, tendo os seguintes objectivos:
  1. negar as necessidades dependentes e/ou escolher um dos membros da família para agir essas necessidades clivadas, afastadas e projectadas no membro em questão;
  2. roubar ao objecto os seus atributos que motivam necessidade, desejo e admiração (identificação narcísica);
3) impedir o objecto de formar e conquistar a sua identidade (controlo omnipotente).

O objecto (elemento da família-alvo) torna-se o espaço de realização do outro elemento (sujeito) proporcionando a este satisfação às suas necessidades narcísicas (projectadas). No entanto, a interacção familiar poderá organizar-se de modo a negar a existência de qualquer necessidade de dependência no seu interior. O funcionamento global das interacções visa a preservação da crença dos seus participantes, segundo a qual tudo o que tiver sido alcançado na família resulta exclusivamente da sua própria criatividade, tendo-se formado sem a menor ajuda por parte do terapeuta. O simples reconhecimento da sua ajuda já é considerado uma derrota por parte da família. Neste tipo de organização familiar, a dependência não é considerada um meio de crescimento e desenvolvimento. Pelo contrário, vê-se associada à privação e à submissão. Deste modo, a interacção deverá funcionar como uma reafirmação constante da autossuficiência dos membros da família. São contidas as manifestações de sentimentos dependentes tendendo estes a serem clivados e projectados quer num outro grupo (que a família tratará com um desprezo triunfante) quer num dos membros da própria família. Este último irá tornar-se então a expressão viva, a incarnação em pessoa do fracasso temido. O mesmo membro da família (o paciente identificado) funcionará também como o espaço do fundo dos contributos que todos os outros membros querem afastar de si próprios.
O comportamento aparente destes membros da família, quando abordados na terapia, revela-se uma expressão de falsas identidades que desenvolveram no intuito de encobrirem a existência em si próprios de necessidades infantis profundamente enraizadas e de uma intensa rivalidade infantil. O trabalho terapêutico poderá determinar uma tomada de consciência de que existe na interacção um modelo defensivo de comportamento organizado pelas partes com mais fortes laços familiares. Esta tomada de consciência poderá dar origem entretanto a angústias persecutórias ligadas ao medo de que a descoberta dos sentimentos rejeitados transforme os membros da família em figuras ridículas tornando-os, uns perante os outros, fracos e impotentes.
Quando a interacção familiar se encontra impregnada de exigências narcísicas cedendo às pressões das mesmas, o terapeuta perde a capacidade de realizar uma das suas principais tarefas: a de funcionar como elemento correctivo que possa confrontar a família e os seus laços familiares com as suas próprias limitações indicando também, entre estas, as que a realidade e a necessidade determinam. Tal atitude poderá incitar os membros da família a comportarem-se entre si de modo a provocarem invejas recíprocas. Uma vez que a inveja geralmente causa ansiedade, a família unir-se-á em termos defensivos formando um grupo compacto em torno de um líder. As atitudes deste último destinam-se a preservar a ilusão de que a família já conquistou tudo e de que são alvo de inveja e de que são os seus próprios membros da família o objecto invejável. Trata-se de um tipo de família que, em geral, procura a terapia por causa de uma crise, geralmente provocada por um adolescente que, tentando desesperadamente afirmar a sua própria identidade, se revoltou contra as normas familiares. Nestas famílias, a abordagem que o terapeuta faz do sistema rígido de defesas não só faz com que os seus membros se sintam perseguidos como também considerem o terapeuta um aliado do paciente identificado. Os membros da família confrontam-se na sessão com intervenções que visam elucidar o uso que o líder faz da interacção de modo a conservar a imagem idealizada da família. Assim a família tenta fixar o terapeuta na posição do inimigo que inveja a bondade da família (idealizada).
A interacção familiar poderá organizar-se no sentido de privar um dos elementos da família de qualquer sentimento de realização. A realização torna-se propriedade de qualquer outro elemento da família. Por outro lado, a interacção estimula igualmente a vítima a lutar pela sua própria realização, já que o resultado representa uma fonte de satisfação narcísica para todos os membros da família acabando estes por incorporar o contributo correspondente. O crescimento e o desenvolvimento concretos do visado nunca chegam a ser verdadeiramente reconhecidos, uma vez que o reconhecimento acabaria por provocar no visado uma tomada de consciência das suas próprias potencialidades de independência. Habitualmente o visado é mantido na situação de dependência por meio de ameaças de abandono. Estas ameaças procuram instilar no visado o sentimento de estar permanentemente em dívida para com a família. Trata-se de um padrão que pode ser descoberto em famílias que procuram a terapia porque os filhos não vão bem nos estudos ou porque decidiram abandonar a família.

4.2 – A família em terapia

Por muito diferentes que possam ser as famílias encaminhadas para a terapia familiar, todas elas parecem trazer consigo um padrão interactivo que se centra no pressuposto de que alguma coisa de mal se passa com o paciente identificado. Neste sentido, o pedido que é feito à família de comparecer como família, apesar de inesperado, é aceite através da antecipação de que o objectivo do terapeuta será corrigir o que está mal, localizando-se isso numa dada pessoa. A família tenderá a considerar que não vem realmente para uma terapia, mas apenas trazer/acompanhar à terapia o paciente identificado e em tratamento.
A tomada de consciência por parte dos membros da família terá em grande medida origem no modo como o terapeuta trata o material trazido pela família. O terapeuta empenhar-se-á em retirar o foco da atenção do paciente identificado deslocando-o no sentido da interacção familiar de modo a abranger todos os membros da família. O terapeuta sente a necessidade de forçar nos membros da família a compreensão de que a família tanto como o paciente identificado se encontram em terapia. Por vezes passam-se alguns meses até a família reconhecer isto.

Virgínia Satir (1967) escreve que deseja “... fazer com que a família se dê conta de que estão a trabalhar com um sistema familiar para o qual cada elemento traz a sua contribuição.” Tecnicamente o terapeuta tentará abordar todas as contribuições sem fixar uma hierarquia no que se refere à origem da contribuição. Assim o material fornecido pelo paciente identificado a respeito dos outros membros da família e a observação da interacção entre estes passam a ser o foco de interesse principal. Esta perspectiva tenderá a aliviar a pressão exercida sobre o paciente identificado e equilibrará o valor das informações que a este se referem. Don Jackson (1967) diz-se disposto a afirmar durante a sessão: “Não vou acreditar necessariamente no que for dito contra si (paciente identificado). Se os seus pais não o compreendem e vice-versa, talvez a culpa não seja só sua.” Com esta atitude e outras Don Jackson tenta pôr todos ao mesmo nível.

Karl Whitaker (1967) considera que o problema é de ordem estratégica. Dada a necessidade de um enfoque diferente desviando a atenção do paciente identificado na direcção da família como um todo, a terapia familiar está destinada a fazer surgir o confronto. O terapeuta sente a necessidade de impor regras e condições para a terapia fixando, por exemplo, quem deve estar presente e quais os requisitos obrigatórios para a realização da sessão. Usa o seu poder não só para controlar os membros da família, mas também para os motivar a aceitarem os encontros na sessão como meio de tratamento de todo o grupo familiar. Tecnicamente o terapeuta entra em relação primeiro com um dos membros, depois com outro. Procede por pares e nos termos das qualidades interactivas recíprocas desta ... Em seguida dessas díades passa ao todo ... Insiste em manter sempre o todo como alvo ... o modo como aborda o todo verifica-se através deste movimento de um membro da família para outro ...
A maior parte das terapias familiares começa por uma longa lista de queixas a respeito do paciente identificado; queixas, em geral, apresentadas pelos pais. Deste modo, é difícil para o terapeuta iniciar o diálogo com a família sem o centrar numa ou noutra das acusações que lhe são transmitidas (ainda que pretenda apenas esclarecer a natureza destas.) Frank Pitman III e colaboradores (1967) reconhecem este problema e preferem não começar pelo paciente identificado porque isso iria colocá-lo, logo de início, na posição de ser ele o problema. Pitman actua de forma a compensar a pressão que a família exerce no sentido de se concentrar apenas no paciente identificado. Primeiro, devemos focar a atenção na pessoa que pareça menos disposta a reconhecer a sua implicação. Esta parece ser a maneira mais proveitosa de abalar o quadro que os membros da família apresentam. A mudança de foco da atenção é o passo decisivo no que se refere à caracterização e à organização da terapia familiar. Espera-se que a mudança de enfoque crie um movimento orientado para a observação da interacção familiar tanto por parte do terapeuta como por parte dos próprios membros da família. Esta mudança está destinada a gerar um confronto entre a família e o terapeuta.
Num quadro de referência psicanalítico, o conflito poderá tornar-se uma rica fonte de esclarecimento e de inteligibilidade quanto à natureza dos dois aspectos das relações familiares – como objecto e como estrutura. Isto implica examinar os mecanismos de defesa inconscientes que actuam na organização da interacção e este exame representa uma pressão no sentido da mudança que fará com que a família viva o confronto terapêutico como um ataque e uma perseguição. Todas as atitudes defensivas inconscientes dos membros da família ordenam-se de modo a manter o paciente identificado na qualidade de único campo emocional para o qual o terapeuta deveria dirigir naturalmente as suas intervenções. A ameaça que o deslocamento do enfoque representa, intensifica-se pela importância que o terapeuta dá à interacção. Isto causa uma certa estranheza às famílias porque estas nunca se puseram em causa enquanto famílias; não é a preocupação da família consigo própria, enquanto família, que a faz comparecer às sessões. A pouco e pouco os membros da família compreendem que esta significação não é evidente por si mesma e que terá de ser descoberta. A seguir, começam a tomar certa consciência de que existe um dado padrão nas suas relações familiares. Esta descoberta dos vários aspectos da interacção e do modo como esses aspectos se ligam às diferentes partes das relações familiares dá origem a toda a espécie de emoções perturbadoras e de sentimentos dolorosos, mas o movimento global poderá, apesar de tudo, progredir de tal modo que estimule a tomada de consciência de que constituem um grupo. Apercebem-se de que possuem uma identidade enquanto membros de uma família e que esta não pode ser dissociada do modo como a interacção se foi desenvolvendo. Todos estes factores se somam fazendo com que a família se sinta cada vez mais ameaçada. O seu campo emocional fica impregnado de uma ansiedade persecutória a que a família reage defensivamente. Então os membros da família irão renovar o pedido de terapia individual tentando quebrar a terapia familiar. Tentarão negar as descobertas realizadas acerca do modo como se relacionam entre si visando evitar qualquer modificação das características da interacção a que se habituaram. Esforçam-se por manter o paciente identificado como único alvo da terapia. A interpretação destas defesas poderá esclarecer, perante os membros da família, os aspectos interactivos e as relações familiares entre si que estão a evitar ter em conta. Isso poderá pô-los em contacto com as ansiedades dolorosas que levaram à formação das referidas defesas. Tal contacto, por seu lado, poderá levar à organização de novo padrão defensivo: à escolha de outros membros da família como paciente identificado. A interpretação do sentido desta nova organização expõe de novo os membros da família à ansiedade que queriam evitar e faz com que, uma vez mais, se sintam perseguidos. Este sentimento de perseguição é exacerbado pela consciência de que os membros da família estão a tomar o papel que desempenham na manutenção da posição fixa do paciente identificado. Uma vez implicados na terapia, os membros da família descobrem também a sua responsabilidade psicológica, além da responsabilidade social, relativamente ao paciente e começam a dar-se conta de que toda a família está mergulhada até ao pescoço numa situação que foram eles próprios a construir em conjunto. Assim o facto de iniciar a terapia torna a família consciente de certo número de elementos inesperados que actuam na sua interacção. Estes elementos provocam emoções poderosas e, como reacção, a família sente que tais elementos devem ser mantidos fora do campo terapêutico, resguardados, sem serem postos em causa, formando fortalezas, aspectos clivados em torno dos quais e para defesa dos quais se edificam defesas alargadas. A aceitação e o reconhecimento destes elementos poderá representar no entanto, o primeiro passo no sentido da tomada de consciência da existência do tipo de relações familiares existentes nesta família. Este reconhecimento poderá dar depois lugar à percepção dos modos de funcionamento destas relações e à necessidade de alguma transformação nas relações familiares existentes e isto é doloroso e constitui uma fonte de ansiedade.
Portanto o início de uma terapia familiar de orientação psicanalítica torna-se um acontecimento doloroso e dramático. Trata-se talvez do momento mais difícil e perigoso porque é a altura em que a maior parte das famílias abandona o tratamento, enquanto o terapeuta tenderá a deixar de lado o quadro psicanalítico de referências, comprometendo-se com uma forma de comportamento determinada. Nesta altura, a família terá já obtido um maior conhecimento da terapia enquanto processo. Todos estes factores funcionarão como salvaguarda susceptível de conter as crises eminentes.
Durante todo o primeiro tempo o terapeuta trabalhará no sentido de conter a ansiedade crescente recebendo/absorvendo e funcionando como esponja e não no sentido de desviar. O terapeuta deve saber que a sua presença está na raiz do processo persecutório e que a sua técnica será alvo de críticas de toda a espécie. Tentará digerir os conteúdos nele projectados e interpretar na transparência os determinantes emocionais da interacção. Há uma enorme pressão no sentido de fazer o terapeuta agir, de o fazer controlar a interacção, em vez de se limitar a orientar os conteúdos apresentados. A família quer que ele resolva os conflitos que a atormentam, em vez de promover a intraanálise de cada um sobre a natureza dos mesmos. Os membros da família sentem que a proposta de perspectivas alternativas de exame do modo de ser que é o seu constitui uma ameaça à hierarquia dos valores que foram construindo ao longo do seu desenvolvimento. É difícil para a família confiar no terapeuta porque isso implicaria também a aceitação das descobertas por ele proporcionadas. A falta de confiança gera ansiedades persecutórias e sentimentos paranóides. A capacidade do terapeuta de conter as projecções de tais sentimentos poderá levar a família a reagir na direcção oposta, empenhando-se numa idealização excessiva do terapeuta e da terapia. Este tipo de defesa faz com que a família se torne extremamente dependente e regressiva e, neste caso, qualquer experiência de frustração renovará os sentimentos persecutórios. O campo emocional organizado pela presença e pela actividade analítica do terapeuta representa um meio de reduzir o bloqueamento, de estabelecer a mobilização, de atenuar as cisões e de intensificar a integração.
As comunicações feitas durante a sessão – a interacção familiar e a interpretação do terapeuta – são operadas publicamente na presença de todos os participantes. Este facto pode ser vivido como uma exposição, uma quebra de sigilo, o que pode causar uma turbulência emocional correspondente. Com o progresso da privacidade foi traçada uma linha de demarcação nítida entre as esferas pública e privada que originou uma mudança evidente nas relações entre a família e a continuidade circundante e a família actual reflecte essa transformação e representa-a nas suas formas de interacção. Tal não significa que a função de utilidade da família tenha mudado. Ainda se espera que a família desempenhe a função fundamental da vida humana em termos sociais:

A função sexual e reprodutiva que promove a conservação da espécie;
  • A função económica que promove a sua subsistência e progresso espiritual, social, cultural, biológico, grupal;
  • A função educativa que preserva os valores, o progresso técnico e a criatividade;
  • A função afectiva que é essência da família e que preserva o ser como ser humano.
A importância da família nuclear deriva do facto de ela ser actualmente a unidade social mínima responsável pela preservação de um sistema de valores fundamentais da sociedade. Que sentido assume a terapia familiar de orientação psicanalítica no quadro de um sistema de valores em que a privacidade conquistou tamanha importância?
Há dois aspectos a ter em consideração:

1º - O terapeuta, um estranho, invade a interacção familiar. Não é apenas a privacidade de um grupo que está a ser invadida, mas a privacidade dentro da família que foi criada entre os seus diferentes membros. A experiência da terapia familiar pode pôr a descoberto alguns dos aspectos mais complexos adquiridos pela privacidade dentro do padrão da interacção familiar. No entanto, a privacidade tem vindo a ser utilizada para reduzir o contacto entre os membros da família. Há algumas famílias que declaram que a terapia foi a única oportunidade que tiveram de se encontrar e estar juntos.

2º - É sabido que tende a haver confronto entre a família e o terapeuta quando uma e outro se encontram. Uma das razões do conflito liga-se ao facto de a situação terapêutica pressionar de certo modo os membros da família no sentido de intensificarem o seu contacto uns com os outros.

As intervenções do terapeuta afectam a privacidade familiar nos seus diferentes níveis:
  • A sua privacidade enquanto grupo;
  • A privacidade dos seus membros enquanto indivíduos dentro de um grupo;
  • A privacidade da família perante a sociedade.
O terapeuta pode ser considerado pela família como excessivamente crítico cuja tarefa e interesse se orientam fundamentalmente para a descoberta, na interacção familiar, das suas falhas e defeitos.
Na terapia familiar de orientação psicanalítica, espera-se que o terapeuta aborde a situação trabalhando sobre a transferência, tentando conter e transformar os sentimentos paranóides e tentando suportar os ataques que a família lhe dirige. O terapeuta tem ainda de estar consciente da pressão exercida pela família que tenta fazê-lo identificar-se com uma imagem idealizada projectada. A terapia convida os membros da família a examinarem o modo como têm vindo a usar a privacidade. O profissional assume o controlo da cisão que está a operar tanto entre a vida pública e a vida privada da família como no interior da interacção familiar. O terapeuta desvia o foco do paciente identificado para a família; mas em seguida aplaca a ansiedade despertada por meio do fornecimento de uma série de regras, de instruções e tarefas cuja finalidade é indicar à família como deve passar a ser a interacção e como deve esta desenrolar-se. Esta negociação significa que o terapeuta terá optado por actuar como fonte que põe em questão o tipo de relações desenvolvidas pela família.
O terapeuta que opta por um referencial teórico de orientação psicanalítica decide-se por um tipo diverso de intervenção. O seu objectivo não será a modificação do comportamento. A tarefa que se propõe é a instalação de um quadro que torne possível a revelação e o desdobramento das características das partes das relações recíprocas na família.
A terapia familiar é uma prática peculiar e perturbadora que estimula no terapeuta sentimentos muito contraditórios. Perante cada acontecimento, o terapeuta vê-se atraído nas mais diversas direcções em resultado das características das relações recíprocas dentro da família em análise e dos conceitos-padrões que o terapeuta não pode deixar de não ter. A sua margem de acção é muito limitada. A menos que saiba bem no que está a implicar-se, o terapeuta poderá achar-se perdido no meio da turbulência da situação e actuar de modo selvagem e indiscriminado.


PARTE II
A terapia familiar descobriu que é imperioso juntar dois irmãos solidariamente, até à data muitas vezes desavindos: o saber-fazer e o saber-pensar. Além disso, é urgente também pedir a ajuda e orientação do terceiro irmão – o saber-dialogar. Este é o caminho para alcançar a maturidade que deseja que nunca venha a ser completamente alcançada ... para não cair na tentação de se acomodar e acreditar que já sabe tudo.”

Ana Paula Relvas in Por detrás do espelho

5. A História da Terapia Familiar

A terapia familiar desenvolve-se nos Estados Unidos a partir dos anos cinquenta do século passado num contexto de mudança de paradigma do pensamento analítico ao pensamento sistémico, inerente à complexidade (Morin, 1988). Como modelo de acesso à compreensão da complexidade e ao conhecimento do real como um todo, tem como corolário que é preciso reunir para compreender. É então inevitável a colocação do acento tónico no estudo das relações e interacções, pelo que a causalidade linear perde sentido sendo substituída pela causalidade circular. Em consequência, é impossível isolar o indivíduo do seu meio: ambos evoluem simultaneamente e mudam reciprocamente. Assim a importância do contexto torna-se mais clara; a noção de coevolução é determinante. (Bateson, 1987)
No estudo da interacção, toma forma a teoria ecossistémica da comunicação. Dá-se a migração de conceitos de outras áreas do conhecimento para a psicologia e psiquiatria, (Gameiro, 1992) concretamente da teoria geral dos sistemas, (L. von Bertalanffy) da cibernética (N. Wiener, H. von Foerster) e da teoria da comunicação humana (vertente pragmática, G. Bateson e Grupo de Palo Alto, EUA). Na integração desses conceitos encontra-se a primeira matriz unificadora do movimento científicoclínico denominado terapia familiar, o qual se assumia como representante do novo paradigma.
A outra matriz unificadora desse movimento é a importância atribuída à família como micromeio primário natural do indivíduo. As teorias da psicologia individual, particularmente a psicanálise, começam a considerar esse aspecto. Em síntese, a terapia familiar constitui-se reunindo estas duas matrizes. A família é o seu objecto. Vai buscar à teoria geral dos sistemas a sua noção básica, isto é, a noção de sistema que aplica tanto à compreensão da família como ao próprio processo terapêutico. Da cibernética retira os conceitos explicativos da regulação, funcionamento e evolução do sistema familiar (mecanismos de homeostase/feedback negativo e de morfogénese/feedback positivo) tanto no sentido da explicação da normalidade como da patologia. Isto implica que não haja diferença qualitativa entre normal e patológico. Finalmente às teorias da comunicação, nomeadamente à vertente pragmática ecossistémica, vai buscar a grelha de análise para a compreensão e intervenção sobre o que se passa na família em termos de interacção, ou seja, nas relações entre os membros do sistema e deste com a sociedade.
Os pioneiros da terapia familiar foram:

Milton Erickson (1901-1980) – psiquiatra americano com importante carreira universitária, desenvolveu a hipnose clínica e terapia assente numa invulgar intuição terapêutica.

Gregory Bateson (1904-1980) – inglês com formação tradicional académica em biologia, especializou-se em antropologia e etnologia. Desenvolveu um interesse especial pela cibernética, especializando-se em sistemas e mecanismos de retroacção. Em 1959, iniciou as investigações sobre metacomunicação e dedicou-se à etologia.

Grupo de Palo Alto nos EUA – Jay Haley, John Weakland, Bateson, Don Jackson, Virginia Satir, Paul Watzlawick. Podemos encontrar três orientações básicas na investigação conduzida por este grupo:

1. A partir de 1949 - estudo da comunicação humana centrado nos trabalhos e autores referidos;

2. Em 1959 - Don Jackson funda Mental Research Institute (MRI) consagrado à investigação, formação de terapeutas e prática do trabalho clínico com famílias;

3. Em 1967 - é criado por R. Fish, J. Weakland e P. Watzlawick o Brief Therapy Center para investigação das ideias estratégicas ericksonianas. Em 1962, Bateson abandona Palo Alto e em 1968, Jackson morre e o grupo foi perdendo o seu dinamismo.

Salvador Minuchin apresenta a obra de Celia Falicov com a seguinte parábola sobre o nascimento e primeira infância da terapia familiar:

A Terapia Familiar nasceu nos fins da década de 1950. Como todo o nascimento humano foi produto da união de duas famílias. Famílias muito distintas na verdade: diferiam geograficamente assim como nas suas tradições, rituais, linguagens, mitos e estilos cognitivos.
Uma delas – a materna? – tinha velhas raízes no Nordeste. Era uma família numerosa com muitas tias, tios e primos quase todos eles vinculados ao meio universitário e indubitavelmente ao establishment. Os seus nomes formavam uma legião: Ackerman, Bowen, Whitaker, Wynne, Fleck, Bell, Auerswald, Minuchin. As crenças desta família constituíam uma continuação dos sistemas de crenças psicodinâmicos, é claro que com modificações, conflitos e desafios; mas o diálogo e a sua linhagem não davam lugar a dúvidas: a influência do passado sobre o presente; a importância de dominar certas experiências em determinadas etapas para alcançar um domínio conseguido e harmonioso das seguintes ... Poder-se-ia dizer que os conceitos evolutivos influenciavam o pensamento e crenças de todos os seus membros por intermédio de Freud, Sullivan, Erickson ou mesmo Piaget, tios-avós cujos retratos se podiam ver ainda nos seus gabinetes. Este ramo da família acreditava, de resto, na importância das emoções, dos processos inconscientes ou involuntários e em acontecimentos cataclísmicos como o nascimento, a morte, a cólera assassina, o sexo e o incesto, a razão e a sem razão. Às vezes todas estas crenças misturavam-se de formas estranhas e desconcertantes.
Além disto, tinham um modo de pensar minucioso: centravam a atenção nos detalhes explicando sempre a raíz e a causa dos factos; buscavam geralmente as suas causas no passado. Era certo sentirem-se esmagados por todas estas crenças e indagações minuciosas e estavam dispostos a acolher novas ideias, novas linguagens e novos mitos. Na realidade, iniciaram a sua própria busca, mas os velhos sistemas de crença permaneceram ali submersos, mas influentes; umas vezes apareciam à luz do dia e outras vezes conservavam-se como parte da bagagem guardada na despensa.
A família da costa Oeste era diferente. Era constituída por rebeldes e revolucionários. Antes de mais, rejeitavam a sua linhagem e declaravam ter nascido já completos do ventre de Bertalanffy, Weiner, Bertrand Russell ... Seleccionaram para pais linguistas, teóricos da comunicação, místicos e filósofos enquanto apedrejavam psicólogos e psiquiatras antiquados e queimavam os seus templos como castigo pelos seus velhos pecados.
O primeiro a incorporar-se por eleição absoluta foi Bateson, o avô e líder do bando de jovens turcos. Com ele vieram os outros membros da família mais chegada: Jay Haley, Weakland, Jackson, Virginia Satir. Outros se lhes juntaram: Watzlawick, Fish,... Tinham a vantagem de viver todos juntos num grande castelo em Palo Alto. A partir daí empreenderam o seu bem sucedido ataque contra a verdade estabelecida, proclamaram a relatividade de toda a verdade e iniciaram a construção de um novo sistema de crenças que teria a vantagem de não estar enraizado em questões sociais.
Elaborou-se uma linguagem diferente: homeostase, entropia, mudança de primeira e de segunda ordem, laço de realimentação recursiva, duplo vínculo. Com ela escreveram-se novos conceitos. Entusiasmada com o som desta nova linguagem, a família desejava que a família humana se organizasse, adaptando-se às suas harmonias.
Assim nasceu a Terapia Familiar. No momento do seu nascimento, os membros de ambas as famílias sorriram – como fazem todas as famílias nestas ocasiões – e formularam votos de que a recém-nascida fosse um motivo de orgulho para eles. É claro que, quando nasce o primeiro neto, sempre há rivalidades e competição entre as famílias. Jay Haley convidou Milton para o baptismo; era um convidado bastante estranho que pertencia a ambas as famílias sem, no entanto, pertencer a nenhuma. Milton sorriu com ar de mistério.
A Terapia Familiar mamou de ambos os peitos e cresceu dividida. À medida que se foi desenvolvendo coligou-se por vezes com a família da costa Oeste e outras com a família da costa Nordeste como costumam fazer as crianças. Com cada coligação adquiria maior competência nalguns campos e, em igual proporção, tornava-se mais incompetente noutros. Além disso, começou a conhecer e a diferenciar tias e tios e descobriu que esse grupo, que ao princípio lhe havia parecido uma família homogénea, era na realidade um conglomerado, um fundo alegre e turbulento de parentes estreitamente unidos e, algumas vezes, renitentes nas suas opiniões. (...) Em ambos os ramos abundam alianças, coligações e paradoxos ... como em qualquer família.
Quando a Terapia Familiar começou a ir à escola, algumas vezes utilizava a linguagem da costa Oeste tão rica em termos universais e outras vezes a linguagem da costa Nordeste, tão enraizada em termos particulares. Claro que muitas vezes se gerava confusão. Umas vezes quando dizia neutralidade parecia significar algo diferente; tal como quando a tia Mara diz aos pais para irem ao cinema juntos, mas para não contarem aos filhos o conteúdo do filme. E quando a Terapia Familiar se divertia a repetir o termo provocazione, uma palavra frequentemente usada pelo primo Maurizio (que vive em Itália, mas não em Milão) por vezes queria dizer simplesmente provocação enquadrada num campo de aceitação, o que parecia significar a mesma coisa que neutralidade, mas talvez fosse diferente em Milão. E a Terapia Familiar foi aprendendo cada vez mais palavras e cada vez ficava mais entusiasmada com a sua sonoridade.
À medida que se ia aproximando da adolescência começou a descobrir que as duas famílias tinham aprendido uma com a outra, embora se recusassem a admiti-lo. Por isso davam nomes diferentes a conceitos que tinham aprendido com o outro ramo da família. As novas etiquetas eram geralmente mais complexas do que os velhos conceitos, pois os seus novos donos ainda não estavam familiarizados com eles como os velhos. E a Terapia Familiar, tal como fazem os adolescentes mais velhos e os jovens adultos, cansou-se desta disputa familiar, pois sabia que as famílias fazem simplesmente aquilo que têm de fazer. Também sabia que o processo de integração vai estar nas mãos dos filhos que sabem que os avós são simpáticos, mas não compreendem o mundo.
Já adulta, a Terapia Familiar avaliou o seu património e descobriu que era rica em teoria dos sistemas e na terminologia que não parava de aumentar; também tinha um repertório muito rico de técnicas de mudança das famílias, técnicas que estavam agora disponíveis para todos os membros da família no Oeste e no Nordeste, Canadá, Europa, Roma, Milão, América do Sul e mesmo Japão. Descobriu que o que a apaixonava agora era observar os contextos familiares – o sistema social, o hospital, o tribunal, o sistema de segurança social – e compreendeu que sempre tinha querido dedicar-se à política.
Uma coisa preocupava a Terapia Familiar. Apesar de ter todo este conhecimento e todos estes sonhos, não conhecia realmente as famílias. Ela própria se tinha desenvolvido numa família entusiasmada com o novo e, neste processo, a trabalhosa exploração detalhada das particularidades das famílias tinha-lhe escapado. E assim, com a calma que caracteriza a maturidade, (...) as diferentes visões do mundo são por ela bem recebidas na busca de um objectivo comum que transcenda as escolas particulares. (Minuchin in Falicov, 1988)
Na década de setenta do século passado, a terapia familiar é introduzida em Portugal: em 1977, Pina Prata promove o I Encontro de Terapia Familiar e em 1979, é criada a Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar com objectivos de formação, investigação e prática clínica.
Saliente-se porém, que a expansão da terapia familiar não se limitou ao âmbito geográfico. Verificou-se também no âmbito das temáticas de investigação e intervenção, ultrapassando a focagem na família para se interessar por outros sistemas sociais e suas inter-relações. O estudo das relações família/escola e dos grandes sistemas ou organizações numa perspectiva sistémica são exemplos do que se acabou de afirmar.
Hoje em dia, a terapia familiar pode ser caracterizada assim: “integra uma epistemologia, um corpo teórico e uma abordagem terapêutica. A epistemologia é circular, não causalista e sistémica. Estipula que os problemas humanos não têm só um sentido, mas têm também uma função no contexto mais alargado em que ocorrem. (...) Nesta perspectiva, seria mais adequado falar de análise (nível teórico) ou de terapia sistémica (nível terapêutico) do que de terapia familiar, uma vez que a família é um sistema de sistemas (...) O terapeuta pontua o sistema em que tem necessidade de intervir em função do contexto em que o sintoma surge. Isto permite diferenciar a terapia familiar sistémica de outras terapias familiares não sistémicas.” (Benoit e col.,1988:514)

6. Terapia familiar na abordagem sistémica

Com o desenvolvimento da terapia familiar foram surgindo diversas escolas e modelos de intervenção. Enraizando-se mais profundamente nos contributos da teoria geral dos sistemas e nos conceitos a partir dela desenvolvidos tais como as noções de sistema, finalidade do sistema, hierarquia sistémica, regulação do sistema; a escola estrutural de Salvador Minuchin enfatiza a ideia de organização estrutural do sistema familiar e sublinha a necessidade de reestruturação do sistema através da realização de operações de reestruturação da sua estrutura. A escola estrutural chama claramente a nossa atenção para a importância de considerarmos a etapa de desenvolvimento familiar na avaliação da funcionalidade familiar (Minuchin, 1979; Minuchin e Fishman, 1988).
A família é um sistema aberto e, portanto não pode ser estático. São as ideias de Maturana e Varela que vão dar um contributo decisivo para a compreensão de como é que os sistemas se transformam (mudam) mantendo, no entanto, a sua identidade. A nova sistémica está a construir um diálogo diferente sobre o indivíduo, sobre a relação entre os indivíduos e sobre os processos mentais. É uma outra história (de entre várias possíveis) aquela que a sistémica agora conta a propósito das relações que se tecem entre os indivíduos, as famílias e os outros sistemas. A realidade, passada ou presente, não existe enquanto tal, não é uma sucessão de factos objectivamente relatáveis, mas é sobretudo um conjunto de significados em implícita interacção consigo próprio e com os outros, isto é, com os significados deles. Assim o presente não é uma dedução lógica do passado e outros significados e outras construções podem ser realizadas. Esta é, sem dúvida, uma das funções do outro na nossa vida: a de nos abrir a novos significados, a novas construções. Só a diferença produz informação (Bateson, 1987), isto é, só da diferença (relativa) surgem as flutuações que nos podem conduzir a um novo significado, a uma nova história. São as várias histórias, nossas e dos outros, que vão criando a nossa História; como é ela também que nos permite criar as nossas. Na sua intervenção, um terapeuta não pode então negar a dimensão histórica do sistema que está a conhecer e com o qual vai trabalhar seja a nível individual, familiar ou institucional, mas também não pode olhar para a história do sistema como a explicação da sua configuração actual, das suas competências e das suas dificuldades porque esta é uma das histórias possíveis. Uma família sintomática é uma família cuja História está congelada, desvitalizada: a história oficial que esta família conta está impedindo a evolução do sistema, o crescimento dos elementos da família. O terapeuta não pode apropriar-se dessa história para modificá-la. Tem apenas de ocupar um lugar a partir do qual possa abrir espaços para a emergência de novas narrações a construir pela família (Droeven e Najmanovich, 1997). A sua função não é, pois descobrir-sintetizar-prescrever (a mudança), mas antes investigar–sugerir–reorganizar–sugerir de novo... até que uma nova história apareça. Nem o terapeuta nem a família podem vangloriar-se da autoria dessa emergência: ela produziu-se nos interstícios que ambos conseguiram criar...

À terapia familiar podem ser atribuídas as seguintes características:
  • Uma posição observante que inclui o terapeuta e o seu contexto;
  • Uma estrutura colaborativa e não uma estrutura hierárquica;
  • Objectivos centrados na mudança de contextos mais do que em mudanças específicas comportamentais e estruturais;
  • Limitações à instrumentalidade técnica do terapeuta;
  • Uma compreensão circular do problema;
  • Um ponto de vista sobre o problema que implica ausência de juízos de valor.
Pode-se ainda e complementarmente, redefinir alguns conceitos (Baños et al., s/d):

Resolver vs. Situar. Na terapia, em primeiro lugar, deve-se formular o problema, isto é, situá-lo num quadro de referência. Para isso aceita-se como ponto de partida a informação que o sistema oferece prosseguindo com a sua transformação e redefinição sem procurar resolver o quer que seja.

Instruir vs. Conversar. Os sistemas são máquinas não-triviais (von Foerster), pelo que não faz sentido preparar estratégias ou instruções com objectivos, mas sim estabelecer um diálogo ou conversação que será utilizado para que o sistema se transforme a si mesmo. Não pode haver pressa ou prazo na mudança.

Actuar vs. Reflectir. Reflectir é aceitar o que o sistema oferece para desenvolver hipóteses que explicam diferenças e criam distinções através de sucessivas perturbações (reflexibilidade).

Localizar vs. Globalizar. A avaliação dos sistemas deve estender-se das relações locais a contextos mais amplos (sistema significante) no respeito pela ecologia do problema.

Planear vs. Potenciar. Atendendo à imprevisibilidade da mudança é necessário definir uma posição em que se potencializem as capacidades autocurativas do sistema, (possibilidade de enfrentar qualquer alternativa) evitando os desencadeamentos que, na opinião do terapeuta, possam ser prejudiciais e promovendo os que podem vir a ser utilizados de modo eficaz pelo sistema.

Morin (1987) definiu organização como a disposição de relações entre indivíduos que produz uma unidade complexa ou sistema, dotada de qualidades desconhecidas ao nível dos indivíduos, isto é, a organização é o que garante solidez e durabilidade às inter-relações dentro do sistema, apesar de todas as perturbações aleatórias que o mesmo possa sofrer. A organização, ao criar uma unidade (sistema) a partir da diversidade (elementos do sistema), cria ordem onde há desordem; mas origina também rápidas desordens (entropias), já que toda a organização supõe a desorganização como correlativa e a sua reorganização (neguentropia). Para Morin o todo não é mais do que a soma das partes, mas sim é, ao mesmo tempo, mais e menos do que a soma das partes; pois toda a organização implica o aparecimento de propriedades emergentes no todo e nas partes (propriedades que não estão presentes em cada um dos elementos considerados isoladamente), também ela obriga a constrangimentos, a perdas no grau de liberdade das partes, à inibição de certas potencialidades (pelo que a relação constrange alguma propriedade de cada elemento).

Podemos entender família como um sistema autoorganizado que aceita um conjunto finito de transformações estruturais conservando sempre a sua organização. As dificuldades das famílias face às crises e os pedidos de intervenção surgem quando aquela sente ameaçada a sua organização. As implicações práticas desta nova formulação são extraordinárias, pois permitem compreender as razões pelas quais as famílias não aceitam todas as propostas de transformação mesmo que elas pareçam adequadas à sua própria evolução.
Assim a família é um espaço privilegiado para a elaboração e aprendizagem de dimensões significativas da interacção: os contactos corporais, a linguagem, a comunicação, as relações interpessoais. A família é ainda um espaço de vivência de relações afectivas profundas: a filiação, a fraternidade, o amor, a sexualidade ... numa trama de emoções e afectos positivos e negativos que, na sua elaboração, vão dando corpo ao sentimento de sermos quem somos e de pertencermos àquela e não a outra qualquer família. A família é também um grupo institucionalizado, relativamente estável e que constitui uma importante base da vida social. Gameiro (1992) afirma que “a família é uma rede complexa de relações e emoções na qual se passam sentimentos e comportamentos que não são possíveis de ser pensados com os instrumentos criados pelo estudo dos indivíduos isolados. Conceitos importantes como o de personalidade não são aplicáveis ao estudo da família. A simples descrição dos elementos de uma família não serve para transmitir a riqueza e a complexidade relacional desta estrutura”.
A família pode ser considerada como um sistema, pois tal como qualquer outro também ela:
  1. é composta por objectos e respectivos atributos e relações;
  2. contém subsistemas e é contida por diversos outros sistemas ou suprassistemas, todos eles ligados de forma hierarquicamente organizada;
  3. possui limites ou fronteiras que a distinguem do seu meio.
O que define (ou caracteriza) e delimita todos estes sistemas (família(s), escola, trabalho dos pais, comunidade) e subsistemas são os papéis e funções, as normas e os estatutos ocupados pelos indivíduos. A clara delimitação destes limites interaccionais permite a cada um, em cada momento e em cada espaço saber o que pode ele esperar dos restantes e isto com a margem de variação que a complexidade e a tolerância humanas permitem.
A vida da família é algo mais do que a soma das vidas individuais dos seus objectos, pelo que tem sentido observar a interacção e equacionar o seu desenvolvimento como sistema total. Podemos aplicar à família vários corolários:
  1. corolário da não-somatividade – não podemos reduzir a família à soma dos seus elementos nem das suas características;
  2. corolário da impossibilidade de estabelecimento de relações unilaterais – o comportamento de cada um dos seus membros é indissociável do comportamento dos restantes e aquilo que lhe acontece afecta a família no seu conjunto tanto ao nível dos indivíduos como das relações do sistema.
Dadas as trocas que a família estabelece com o exterior, ela é um sistema aberto: do exterior recebe um conjunto de influências ao mesmo tempo que influencia o exterior. Na sua evolução, porém o sistema familiar vai regulando esta abertura ao exterior ora fechando-se ora abrindo-se de acordo com as suas necessidades e as suas características. É importante compreender que, apesar do sistema familiar ser autónomo, não despreza a relação que tem relativamente aos restantes sistemas. Como diz Morin (1992): “A noção de autonomia humana é complexa, pois ela depende de condições culturais e sociais. Para sermos nós próprios é necessário que aprendamos uma língua, uma cultura, um saber e é necessário que essa cultura seja variada para que possamos fazer uma escolha no stock das ideias existentes e para que possamos reflectir de forma autónoma. Esta autonomia alimenta-se, pois de dependência. A inteligibilidade do sistema deve ser encontrada não apenas no próprio sistema, mas também na sua relação com o meio ambiente sendo que, esta relação não é uma simples dependência, mas é constitutiva do próprio sistema”.
Também no interior da família existem totalidades – os subsistemas – elas próprias partes do todo familiar. É na medida em que cada unidade sistémica é simultaneamente parte e todo que podemos trabalhar sistemicamente apenas com uma pessoa e fazer terapia familiar apenas com um dos seus elementos, tendo como objectivo ajudar o próprio a compreender o que de si está no todo e o que do todo está em si, bem como pensar com ele de que forma é que esse circuito de interacções lhe permite ou não desenvolver-se de forma gratificante e nutriente.
As interacções que se desenvolvem entre os vários elementos de uma família organizam-se em sequências repetitivas de trocas verbais e não verbais que se vão construindo no dia-a-dia familiar como resultado de adaptações recíprocas, implícitas e explícitas entre os seus elementos.
Dois sistemas de forças revelam-se importantes para a organização e manutenção destas interacções:
  • 1º sistema compreende as regras universais de organização da família (por exemplo: a hierarquia de poder e a autoridade pais-filhos, a complementaridade entre marido e esposa);
  • 2º sistema compreende as expectativas específicas de cada sistema familiar cuja origem se perde em anos de negociações explícitas e implícitas, muitas vezes já esquecidas. 
A este modelo de relações Minuchin (1979) designa por estrutura e define-a como a rede invisível de necessidades funcionais que organiza o modo como os membros da família interagem. A estrutura da família corresponde à imagem que podemos ter do funcionamento deste grupo tendo em conta os seguintes parâmetros: quem, com quem, para fazer o quê, como, quando e onde?

Como os diferentes elementos do sistema familiar se organiza em subsistemas, temos que o subsistema individual é composto pelo indivíduo que, para além do seu estatuto e função familiares, tem também funções e papéis noutros sistemas. Esta dupla pertença cria-lhe um dinamismo que se repercute naturalmente no seu próprio desenvolvimento e na forma como ele está em cada um desses contextos. O facto de os subsistemas terem funções diferentes, mas estreitamente relacionadas na família; de as mesmas pessoas poderem pertencer simultaneamente a diferentes subsistemas e de a estrutura familiar variar, de forma adaptativa, ao longo do ciclo de vida da família; tudo isto torna necessariamente vital a definição clara de limites e fronteiras. Os limites permitem regular a passagem de informação entre a família e o meio assim como entre os diversos subsistemas. Os limites visam proteger a diferenciação do sistema e dos seus membros. Com efeito, o desenvolvimento das competências interpessoais adquiridas nos subsistemas depende do grau em que cada subsistema mantém a sua autonomia, protegendo-se da ingerência dos restantes. Minuchin (1979) distingue três tipos de limites:
  • Limites claros – que delimitam o espaço e as funções de cada membro ou subsistema permitindo contudo a troca de influências entre os mesmos;
  • Limites difusos – são marcados por uma enorme permeabilidade que faz perigar a diferenciação dos subsistemas;
  • Limites rígidos – que dificultam a comunicação e a compreensão recíprocas.
Salvador Minuchin coloca as famílias num continuum em cujos pólos opostos disfuncionais se encontram as famílias emaranhadas e desmembradas.

As famílias emaranhadas caracterizam-se por um movimento relacional centrípeto e um mito familiar de unidade que tolera poucas diferenças na individuação. Entende-se por mito familiar segundo Ferreira um conjunto de crenças bem sistematizadas e partilhadas por todos os membros da família dizendo respeito aos papéis mútuos na família e à natureza da sua relação. Os mitos familiares contêm numerosas regras mascaradas da relação, regras que se mantêm dissimuladas sob a ganga trivial das rotinas e lugares-comuns (clichés) da família.(Ferreira in Benoit e col., 1988:345)
Os mitos existem em todas as famílias, mas nas disfuncionais tornam-se mais evidentes e abafantes deixando aos indivíduos uma pequeníssima margem de manobra para que aqueles sejam colocados em questão. Assim nesta famílias parece que se vive pelos mitos e para os mitos. Outra questão importante na patologia destas famílias: o conflito de interesses e objectivos grupais e individuais. Também os papéis familiares são rígidos e os sintomas podem ser muitas vezes de tipo psicossomático. Frequentemente um dos pais está sempre desautorizado pelo outro, as fronteiras entre gerações e indivíduos são difusas, mal definidas por oposição à fronteira exterior, normalmente rígida. Portanto são sistemas relativamente fechados e isolados em relação ao meio.
As famílias desmembradas, ao contrário, tendem a ser excessivamente abertas e apresentam um movimento relacional centrífugo. Tendem a expulsar precocemente os seus membros para a vida social sem os dotar de um modelo de adaptação bem definido. Os papéis parentais são instáveis, apesar da sua aparente rigidez. A entrada de crianças na vida social, para além de precoce, é conflitual. Os sintomas são frequentemente de carácter psicossocial (delinquência, prostituição, gravidezes precoces,...), centrando muitas vezes sobre si a atenção de múltiplos interventores sociais. Estes dois extremos têm muito mais a ver com uma questão cultural em sentido lato e de cultura organizacional da família, em particular e não tanto a ver com questões socioeconómicas diferenciadas associando-as aos níveis mais baixos da sociedade.

6.1. Autoorganização e mudanças

Partindo dos seus estudos sobre a termodinâmica do não-equilíbrio, Prigogine mostrou que o equilíbrio das estruturas de sistemas abertos que produzem entropia, mas que se autoorganizam; não é estático, mas sim dinâmico estando constantemente exposto a flutuações internas e externas. A família enquanto sistema autoorganizado está então sujeita a flutuações permanentes que, ao atingirem determinada amplitude, a conduzem a um ponto crítico para lá do qual ocorre uma mudança de estado cuja direcção é, à priori, imprevisível. A reestruturação do sistema é inevitável ainda que previamente desconhecida na sua configuração. A mudança é descontínua e entendida como uma ruptura processual imprevisível e irreversível. Diferenças aparentemente pequenas podem então provocar resultados qualitativamente diferentes, isto é, uma pequena variação num dos parâmetros do sistema pode constituir, num determinado momento, uma perturbação crítica suficiente para que o mesmo sistema se rearranje de forma totalmente nova. Para que a mudança ocorra, o que é importante é o acumular de dissonâncias que forcem o sistema no seu todo a uma situação extrema, isto é, a um estado de crise. 

Dell (1982) com o seu conceito de interdependência através do qual todos os aspectos de um sistema se complementam em termos de funcionamento afirma-nos que o sistema familiar muda e transforma-se porque contém em si mesmo essa capacidade e não porque o meio envolvente lhe provoca uma mudança. Para Dell, o sistema não está separado do seu meio, antes forma com ele outro sistema. Assim os inputs do meio são internos ao funcionamento deste novo sistema pelo que não é o meio que muda o sistema, mas é o sistema/meio que tem flutuações próprias do domínio da sua coerência organizada. Deste modo, se o observador considerar um paciente em terapia em termos da sua coerência particular ele não considerará que o paciente está a resistir à mudança, mas que está a ser simplesmente ele próprio. Nem o terapeuta nem o indivíduo ou a família podem controlar o que vai acontecer. O resultado da mudança dependerá do sentido da coerência que a mesma tenha para o sistema familiar e da informação que recursivamente nele circula. Desta forma, Dell fala-nos da coevolução das coerências do indivíduo e dos sistemas mais amplos a que pertence que se faz de forma complementar considerando que, para conseguir despertar os comportamentos dos membros da família que mudam o sistema, o terapeuta tem de usar comportamentos diferentes dos que já são usados dentro do sistema. Toda a família está sujeita a dois tipos de pressão:
  • Pressão interna – que resulta das mudanças inerentes ao desenvolvimento dos seus membros e dos seus subsistemas;
  • Pressão externa – que está relacionada com as exigências de adaptação dos mesmos às instituições sociais que sobre eles têm influência.
Qualquer uma das situações vai solicitar ao sistema familiar uma transformação dos seus padrões de interacção de forma a que o próprio sistema evolua sem fazer perigar a sua identidade e continuidade.
Na vida de um sistema familiar podem ocorrer crises naturais e crises acidentais. As crises naturais são esperadas e previsíveis e estão associadas às diferentes etapas do seu ciclo vital. As crises acidentais ocorrem inesperadamente e por isso assumem normalmente um carácter mais dramático. A crise surge porque o sistema se sente ameaçado pela imprevisibilidade que a mudança comporta. Apesar de poder sentir, de uma forma mais ou menos intensa, essa necessidade de transformação, de alteração do seu padrão habitual de funcionamento, o sistema teme o desconhecido e, por isso mesmo, tem tendência a ancorar-se no padrão de relações que conhece, isto é, que desenvolveu até então e a bloquear a amplificação das flutuações que lhe permitirá a transformação. O sistema pode então optar por uma de duas hipóteses: ou foge à mudança ameaçando a sua evolução e, em última análise, o seu equilíbrio e a sua própria vida ou transforma-se correndo o risco de crescer sem saber exactamente como.
Na forma como se coloca face à crise, o sistema familiar tem de compreender que aquilo que a crise solicita e exige é, com efeito, a transformação do modelo relacional existente e não a reparação de um ou outro aspecto menos satisfatório. É importante realçar que a crise é sempre resolvida no presente. No entanto, para o fazer, o sistema tem de equacionar simultaneamente elementos do passado e elementos do futuro: a sua coerência exige essa continuidade entre a estrutura passada e a que se encontra em vias de elaboração. Muitas pessoas aterrorizam-se perante a necessidade de mudança e querem impedi-la e por isso experimentam o estado de crise. É importante neste processo que o meio, nomeadamente os terapeutas ajudem o sistema familiar a enfrentar a crise e a desenvolver as mudanças necessárias. É óbvio que os terapeutas não podem dizer à família o que deve fazer, mas podem ajudá-la a amplificar as suas flutuações de tal forma que a mudança se torne irreversível e surja novo padrão relacional. Na resolução da crise é extremamente importante o grau de flexibilidade com que o sistema familiar a enfrenta.
A crise põe em questão o equilíbrio alcançado pelo sistema. Quando este é rompido ou questionado pela introdução de novos dados, internos ou externos, o sistema tem de operar as transformações necessárias à sua nova adaptação ou, se quisermos, ao seu novo equilíbrio.
Sistemas rígidos frenam a capacidade adaptativa e dificultam a evolução. Nestes casos, a família mostra uma grande dificuldade em coevoluir no processo iniciado pela mudança e transforma a crise numa avaria. “curem-no para que fique como dantes; para que possamos voltar a ser a família que éramos.” Sem menosprezar o sintoma apresentado, o trabalho do terapeuta sistémico consistirá em procurar a crise escondida por detrás da avaria. Esta é uma tarefa árdua quando o sistema inclui, para além da família, os vizinhos e o sistema hospitalar.
No entanto, a crise em si não é má, ela é a porta de entrada da mudança. A crise permite que as mudanças se instalem de forma mais profunda e mais eficiente devido ao necessário rearranjo das relações familiares que impõe à família. A terapia familiar da crise é então uma estratégia de intervenção que tem como objectivo evitar a hospitalização, apoiando a família e ajudando-a a ultrapassar o problema que motivou o contacto com o hospital ou o serviço médico. Insistindo na responsabilidade de cada pessoa relativamente às suas próprias acções, este tipo de intervenção dá apoio emocional a cada uma delas e a alguns membros da família são prescritas tarefas específicas destinadas a introduzir novas estratégias de resolução de problemas no seio do sistema familiar.
Por outras palavras, o sintoma surge quando a família fica bloqueada no seu processo evolutivo quando, perante as dificuldades, utiliza a mudança 1 como tentativa de as ultrapassar, instalando-se um jogo transaccional que tem como efeito a manutenção do problema. O trabalho do terapeuta é então identificar o problema e fazer o seu reenquadramento (1ª fase da terapia ou de análise do problema) para depois provocar uma mudança 2 que quebre o jogo transaccional que o mantém (2ª fase da terapia ou fase activa).
Para que a mudança se processe, o terapeuta utiliza uma metodologia que pressupõe algumas regras (procurar o como do problema, virar as costas ao bom-senso, romper o jogo transaccional) das quais derivam as técnicas a aplicar. Neste sentido, há uma tendência para associar a terapia estratégica às técnicas paradoxais, afinal as que mais facilmente cumprem essas regras para além de serem as mais consonantes com os aspectos comunicacionais enfatizados e com objectivo específico de mudança. As técnicas paradoxais são assim amplamente utilizadas não sendo, porém exclusivas.
Com a evolução conceptual para uma segunda fase, cibernética de segunda ordem, o sistema, para além de ser entendido como globalidade que persegue uma finalidade através do jogo de processos de feed-back determinantes da sua estrutura, é também visto como possuidor de autonomia e capacidade autoorganizativa (Maturana e Varela, 1980). A noção de capacidade autoorganizativa dos sistemas (associada aos conceitos de autopoïesis e estrutura dissipativa) refere-se à propriedade que estes têm de modificar espontaneamente a sua estrutura quando as condições internas ou externas mudam. Possuem assim uma organização que lhes confere uma certa continuidade/estabilidade, uma individualidade e uma autonomia resultantes da organização. Os sistemas têm então uma abertura funcional e um fecho organizacional. Finalmente em termos de funcionamento a noção de regulação/equilibração é substituída pela de mudança. Para além de ser definido como um conjunto de unidades em inter-relações mútuas (Bertalanffy,1973), o sistema caracteriza-se por ser um todo activo e estruturado, definido ou pontuado em função das suas finalidades específicas e das diferenças em relação aos contextos com os quais interage. Em síntese, relação e autoorganização associam-se a função e estrutura como palavras-chave da noção de sistema.

6.2. A coconstrução da hipótese

Em termos práticos, a família chega à terapia com uma versão própria do seu funcionamento e uma atribuição/explicação para o próprio sintoma. Reunindo a informação que a família colocou ao seu dispor, o terapeuta selecciona outros pontos nodais no sentido da sua reorganização e, seguindo a grelha de leitura que lhe é fornecida pelo seu modelo teórico-clínico, coconstrói com a família outra leitura, outra versão da situação e do problema. A este processo dá-se o nome de reenquadramento: a arte de encontrar um novo quadro.   

Lynn Hoffman afirma que a elaboração de hipóteses implicava um
  1. processo de avaliação,
  2. o interrogatório circular que é uma técnica de entrevista
  3. e a neutralidade que é a postura básica do terapeuta.
Ela pega neste método e transforma-o, adaptando-o à terapia sistémica de segunda ordem:
Substitui neutralidade por curiosidade, no sentido de uma postura de aceitação e interesse de todas as descrições por parte do terapeuta. A curiosidade evita a confusão utilidade/verdade e a linearidade que dá por findo o diálogo porque não se aceitam ou não se procuram outras descrições da realidade.
A terapia é reenquadrada:
  1. processo de avaliação,
  2. o interrogatório circular
  3. curiosidade
abandonado o quadro das explicações verdadeiras ou falsas é instaurado o da curiosidade que perturba o sistema porque faz emergir padrões diferentes dos habitualmente perseguidos quando se busca a verdade

- não poderá ser visto assim ...?

- então assim ...?

A hipotetização, associada ao questionamento circular, é a metodologia ideal para manter a postura de curiosidade. As hipóteses constroem-se a partir da metáfora do contador de histórias num movimento coevolutivo entre família e terapeuta, seguindo um processo centrífugo de expansão de círculos que fazem parte do conjunto de informações e relações que compõem o problema e a sua ecologia social. Esses círculos, que constituem o sistema significante, desenham-se a vários níveis: dinâmica familiar, contexto alargado, relação com o terapeuta, relação do terapeuta com o supervisor. Assim começa-se por pedir uma descrição do problema e do modo como se liga às várias pessoas da família. Progressivamente vai-se elaborando uma descrição interpessoal e relacional até se converter em algo que existe, pelo menos entre duas pessoas. Em seguida, estabelecem-se conexões entre o núcleo familiar e o contexto da família extensa até ao contexto social, à instituição ou pessoa que envia para tratamento ou outros contextos significativos. Enfim investiga-se como é que o sistema familiar se liga ao sistema terapêutico alargando o contexto até ao supervisor e até se encontrar uma explicação que satisfaça. Não se pode verdadeiramente limitar um sistema porque a decisão é arbitrária. Logo que se tenham formulado todas estas hipóteses a estes (...) níveis, estabelece-se uma ligação entre eles por uma única explicação sensata. É o que chamamos hipótese sistémica.”(Boscolo et al.,1989,123-4)
Na construção da hipótese sistémica utilizam-se as hipóteses familiares e as próprias hipóteses prévias do terapeuta. Estas histórias são as guias para o avanço no questionamento circular, última premissa para a manutenção da curiosidade que, por sua vez, faz avançar na afinação da(s) hipótese(s) que não podem ter fim porque não há uma definição de como é que a família deve ser, pois a família é o que é.
O método inclui a orientação estética na multiplicidade de padrões e histórias possíveis a partir das quais se busca o padrão que liga, isto é, a hipótese geral, sistémica, que unifica as descrições dos diferentes membros do sistema. Restaura-se o respeito pelo indivíduo e pela lógica do sistema que não é boa nem má; é simplesmente a sua e é operativa. A hipótese sistémica é entendida como coconstrução porque facilita a transformação dos dados em informação através do desenho de um novo mapa que se constrói juntamente com a família. Não sendo o mapa da família nem o do terapeuta, vai permitir que os indivíduos da família possam alterar o modo como constróem os seus próprios mapas.
Peggy Penn desenvolve as potencialidades do questionamento circular. Enfatizando a mudança coevolutiva (coevolutionary change) introduzida pelo método, apresenta nove categorias de questionamento circular que conduzem o sistema num movimento de ziguezague desenhando um arco passado-presente relativo às experiências antes e depois do problema. A última categoria relativa às questões explicativas ou atribuições

- Qual a sua explicação para ...? (o problema, as comparações, a classificação, ...)

completa os índices que permitem a elaboração/afinação da hipótese de trabalho. Mais do que informar o terapeuta, questiona-se o sistema sobre si próprio de modo a fazê-lo sair da história saturada criando as diferenças que fazem diferença em relação à história original (Costa, 1994) lançando-se pontes que relacionam sintoma, intervenção, família e terapeuta como partes de um processo coevolutivo mais vasto (Penn, 1982;272)

Karl Tomm introduz um quarto princípio, a estrategização, que cria os mecanismos que promovem a transformação da hipótese em intervenção desencadeando a mudança terapêutica (Sadler e Hulgus, 1989). É definida como a postura cognitiva do terapeuta para questionar e tomar decisões avaliando os efeitos de acções passadas, construindo novos planos de acção, antecipando as eventuais consequências de várias alternativas e decidindo como proceder em qualquer momento particular a fim de maximizar a utilidade terapêutica (Tomm, 1987 a:6).

Isto supõe que o terapeuta não é o responsável pelo que ocorre no sistema familiar, mas é responsável pela sua própria actividade e por isso se interroga a todo o momento sobre o que está acontecendo no sistema terapêutico como resultante das suas intervenções e/ou questões.

Neste contexto o autor introduz as questões reflexivas definidas como (...) questões formuladas com a intenção de facilitar a autocura do indivíduo ou da família activando a reflexividade nos significados contidos no sistema de crenças preexistente (...)” (Tomm, 1987 b:172). Estas questões continuam a ser vistas como sondagens ou perturbações, mas ao desencadearem alterações na organização do sistema de crenças da família, ocorre a mudança. O atributo reflexivo tem a ver com a intencionalidade do terapeuta e não com o conteúdo semântico ou estrutura sintáctica. Por exemplo, se o terapeuta entende que explorar as expectativas catastróficas da família pode facilitar a clarificação de certos temas escondidos, pode perguntar a uns pais superprotectores:

O que têm medo que aconteça à vossa filha, se ficar fora de casa até tão tarde?

Qual é a coisa pior que conseguem imaginar?

e continuar-se-ia questionando a filha no mesmo sentido. O método é por isso denominado entrevista interventiva (interventive interviewing).

Tom Andersen propõe uma metodologia de entrevista que recorre a outro importante contributo do modelo milanês: a organização da equipa a que dá características novas com a introdução da equipa reflectora (reflecting-team) (Andersen, 1987;1994). A equipa atrás do espelho unidireccional observa a entrevista com a família e, depois de invertido o sistema de luz e som, é convidada a pronunciar-se sobre o que viu e ouviu. Família e terapeuta observam a discussão da equipa reflectora e, depois de nova inversão do sistema, o terapeuta convida a família a comentar as ideias que acabou de escutar. Isto pode acontecer uma ou várias vezes durante a entrevista. O objectivo é desenvolver-se uma compreensão da compreensão. Os membros da equipa reflectora são aconselhados a ouvirem a entrevista em silêncio e sem discutir entre si. Na apresentação das reflexões cada membro apresenta as próprias ideias que podem depois serem elaboradas em conjunto na conversa que então se desenvolve. Por outro lado, devem exprimir-se em termos dialógicos (e/e; nem/nem) e de forma especulativa (pareceu-me ...; tive a impressão que ...).
As questões reflexivas e a introdução da equipa reflectora são efectivamente metodologias fecundas no campo da terapia de segunda ordem. Michael White, por exemplo, associa estes dois procedimentos no seu modelo de externalização, através do qual coloca o problema fora do sujeito como um objecto, organizando um novo campo semântico ao perguntar:
Quando descobriu que a timidez o incomodava?
Quem ganha esta batalha: você ou a timidez? (White e Epston, 1993; White, 1994; Nichols e Schwartz, 1998)
A grande implicação clínica da visão da segunda ordem é a ênfase na epistemologia pessoal do terapeuta. Cada terapeuta tem uma representação pessoal do modo como vai desempenhar o seu papel na terapia. Cada vez mais a experiência clínica mostra que a teoria (o saber) e a técnica (o saber-fazer) funcionam como infraestrutura continente da própria relação terapêutica moldada na interacção cliente(s)-terapeuta. Essa moldagem toma forma a partir da leitura pessoal e criativa do modelo teóricoprático seguido, da história pessoal do terapeuta (afectiva e profissional), das contingências actuais, das características do cliente e da situação concreta que permitiu o encontro terapêutico.
Os maiores contributos da terapia familiar construtivista derivam do questionamento dos conceitos de verdade, objectividade e realidade. Em sequência, a terapia comporta três parâmetros fundamentais:

Ético – a responsabilidade derivada da análise das intenções e modelos pessoais substitui-se à objectividade no respeito pela lógica do sistema.

Estético – através do qual se privilegia a multiplicidade de pontos de vista e se revalorizam os aspectos únicos e originais da experiência humana o que facilitou o renovar de interesses pelos processos cognitivos e perceptuais e a recuperação do valor das produções internas como mitos, crenças, sentimentos, fantasias.

Pragmático ou interventivo numa ligação indissolúvel ideias-comportamentos.

Hipóteses clínicas são definidas como tentativas de explicação que permitem lidar com a complexidade da situação terapêutica e que servem para orientar e organizar o comportamento do terapeuta na sessão (momento a momento) e no processo (sessão a sessão). Desenvolvem-se em termos de histórias ou narrativas com base em conexões estabelecidas em termos temporais de princípio, meio e fim e são coconstruídas na recursividade da relação cliente-terapeuta através do diálogo que se vai desenvolvendo entre ambos. Guiando o momento-a-momento da entrevista, guiam o seu desenvolvimento, mas também guiam e orientam o comportamento e atribuição de significado da família e de cada dos seus elementos. Reencontra-se o valor na hipótese como elemento de condução da sessão.
As hipóteses do terapeuta não podem ser demasiado distantes ou dissonantes das da família, pois neste caso entravariam o processo de coconstrução e desorganizariam o sistema. Para que sejam úteis, é necessário que entre as histórias do terapeuta, da família e de cada elemento da família haja um ajustamento (fitting) nas experiências, percepções e sentimentos pelo que o terapeuta, como condutor da sessão, tem de se preocupar com esse aspecto (parâmetro ético). Tal ajustamento é procurado pelo terapeuta, não através de uma qualquer forma de mimetismo, consenso ou acordo, mas através da variação e diversificação do seu comportamento e das suas histórias (parâmetro estético). Retomando a metáfora de von Foerster, Dell (1982) apresenta assim a noção de fit: a coerência ou organização individual é a fechadura e as chaves que a abrem e, por isso, elas vão sendo progressivamente ajustadas em busca da complementaridade com a fechadura. A arte do terapeuta situa-se neste processo de busca de afinação.

Esta afinação decorre a vários níveis entre os quais se destaca o do modelo e da técnica que o terapeuta utiliza, optando pelo que melhor se ajusta à coevolução do sistema, isto é, por aquele que no momento lhe parece mais útil (parâmetro pramático).
Assumindo uma postura de curiosidade no sentido de Cecchin (1987) clientes e terapeuta(s) juntos vão progressivamente encontrando novas descrições para o problema e suas ligações a contextos cada vez mais vastos através de perturbações mútuas e sucessivas. É esta progressão que permite a coconstrução da hipótese e a mudança coevolutiva no sistema terapêutico através da descoberta conjunta de novos significados que se projectarão em novas acções.
Quebrando-se o elo da hipotetização, quebra-se o dinamismo do processo terapêutico uma vez que na base do diálogo que o sustenta estão as histórias criadas e recriadas em conjunto. É nossa convicção que, se o terapeuta abdicar de coelaborar explicações, não poderá ajudar a família na tarefa de se questionar sobre si própria em busca de pontos de vista alternativos.    
Embora o terapeuta seja um provocador do processo de mudança, esta só pode ser levada a cabo pela própria família. No entanto, a família transfere para o contexto terapêutico as suas próprias expectativas nas quais atribui um papel bem definido ao terapeuta (juiz, salvador, perito) e a ela própria (doente, incapaz, incompetente). O terapeuta altera essas expectativas de modo a que a família se sinta responsável pela solução dos seus próprios problemas (redefinição). Ajuda a família na sua clarificação e pode indicar-lhe modos alternativos de relacionamento entre os quais ela própria seleccionará os que melhor se lhe adequam em função da sua autoorganização. Para cumprir este papel não pode deixar-se envolver no jogo da família nem aceitar passivamente o papel que ela lhe atribui. Por isso é importante essa sua faceta activa.

6.3. Desenvolvimento familiar

Toda a vida humana comporta um princípio, um meio e um fim e é num processo interactivo que se cruzam pessoas, objectos, situações nos seus variados movimentos de vida e evolução. Com efeito todo o ser humano, em circunstâncias normais, transforma-se em todos os domínios da sua unidade biopsicossocial num movimento espiral feito de progressos e retrocessos seguidos de novos avanços em constante interacção com o meio circundante.
Neste crescimento e desenvolvimento, é natural que surja qualquer sintoma para sinalizar, não tanto a crise, mas o impasse em que a família caiu e assim frequentemente a família solicita a ajuda de que necessita para autoorganizativamente continuar o seu processo de crescimento e desenvolvimento. Não interessa que a família, os amigos, os técnicos, a própria comunidade procurem os responsáveis, os causadores do problema. O que é necessário é perceber como é que as pessoas podem mutuamente ajudar-se a crescer e a viver mais felizes, autoconfiantes, seguras e solidárias.
Para a criação do sentimento de pertença, tão necessário em todas as comunidades e na comunidade familiar também, é necessário que os pais filiem verdadeiramente os seus filhos, isto é, lhes possibilitem a construção de um modelo interno de vinculação que lhes dê segurança para que, sentindo-se amados, possam partir à descoberta do mundo, de novas relações e de novos conhecimentos (Bowlby, 1969,1995; Howe, 1984). Para que os pais possam realizar esta tarefa é importante que, também eles, possam ter sido verdadeiramente filiados pelos seus pais e deles se possam ter afectivamente separado (Bowen, 1984). Por outro lado, o sentimento de pertença só será efectivo se este processo de vinculação-separação for duplo, isto é, realizado no interior da família nuclear e na sua articulação com as famílias de origem. O desenvolvimento de uma autoestima elevada assim como de uma capacidade para ser solidário supõem que, desde tenra idade, o sujeito se tenha sentido amado, diferenciado e reforçado nos seus movimentos de construção de uma identidade positiva. Para isso é importante que os pais, para além do que foi mencionado, não invistam os filhos como seus prolongamentos narcísicos contaminando-os ou asfixiando-os com projecções dos seus desejos.
É importante acentuar que os pais não podem deixar de exercer a sua autoridade parental com regras bem definidas, assentes em valores claros e veiculadas por uma comunicação funcional. Como não podem, na maioria das situações, abandonar a sua posição de autoridade (e não autoritária) e de complementaridade em relação à posição dos filhos ainda que, à medida que os filhos vão crescendo, se multipliquem as vezes em que os filhos se revelam tão ou mais competentes do que os pais. Na relação com o subsistema parental o subsistema filial faz uma aprendizagem extremamente importante para a vida: experimenta como se pode lidar com um poder desigual. Assim a amizade, a cooperação, o entendimento entre pais e filhos não podem ser entendidos como sinónimos de relações horizontais. Essas experimentam-se entre irmãos. Isto é fundamental para que pais e filhos possam ajudar-se numa aprendizagem que, sendo fundamental, não é muito fácil: a do exercício de um poder democrático, claro, flexível e tecido no respeito pelos direitos e pelas diferenças individuais.
Em síntese, os pais têm de, enquanto subsistema executivo, exercer a autoridade, ensinar a liderança e clarificar a delimitação de fronteiras entre e intra subsistémicas. Relativamente ao subsistema fraternal é claro que, quando as crianças são muito novinhas, os pais têm de ter uma intervenção mais acentuada, ajudando-os a experienciar situações de cooperação, solidariedade, competição e resolução de conflitos. À medida que vão crescendo, os pais têm de se ir afastando para que elas possam aprender a resolver entre si os seus próprios problemas e conflitos.
Com a entrada dos filhos no sistema escolar, a separação e a autonomização constituem importantes tarefas para a família. Os pais, continuando a proteger os filhos, a oferecer-se como porto de abrigo para as suas angústias e como auxiliares na transformação das suas dificuldades, têm de lhes ir dando cada vez mais autonomia ao mesmo tempo que lhes vão impondo também, um conjunto cada vez mais complexo de regras e normas de actuação. A negociação, como instrumento de flexibilização das posições assumidas, oferece-se como um importante recurso nesse processo de separação e autonomização. Os filhos, mais diferenciados, mais competentes e mais responsáveis manifestam um respeito cada vez maior pelo subsistema parental, mesmo quando aparentemente, apenas o contestam.
O acesso, por parte da criança, a novas fontes do conhecimento e a novos saberes assim como a novos modelos relacionais permite-lhe, mediante comparação com o que já conhece, progredir nesse processo de diferenciação que a conduzirá, mais tarde, à aquisição de uma identidade própria e à necessária autonomização face aos seus modelos de identificação. Podemos dizer que não só a criança se vai separando e autonomizando dos seus pais como estes o vão fazendo em relação a ela.

6.4. A Terapia Sistémica

Enquanto primeiro e mais significativo espaço relacional do indivíduo, a família é eleita como contexto de leitura do valor do sintoma e como contexto de mudança. Assim o diagnóstico psicopatológico individual deixa de fazer sentido e abre-se caminho à avaliação relacional. O indivíduo deixa de ser visto como doente para passar a ser compreendido como paciente-identificado (P.I.), isto é, como portador de um mal-estar, de um sofrimento ou de um disfuncionamento familiar.
Neste quadro, a psicoterapia individual deixa de fazer sentido e a entrevista familiar conjunta passa a ser vista como uma necessidade. Nos primeiros tempos da terapia familiar, ainda que com algumas excepções, habitualmente exigia-se a presença de todos os elementos da família nas sessões particularmente os do agregado familiar. Posteriormente esta regra flexibilizou-se e as ausências foram analisadas enquanto resistências das famílias ou erros do processo e trabalhadas no decurso da própria intervenção. Hoje é possível fazer uma terapia familiar com um único elemento presente e a regra é basicamente a da disponibilidade dos clientes e do terapeuta para a realizarem.
Deste modo as famílias foram classificadas em dois grandes tipos: as famílias funcionais e as famílias disfuncionais. No entanto, Lyon Hoffman (1971) partilha da ideia de que as famílias funcionais (normais) se tornam periodicamente desequilibradas durante os pontos de transição do ciclo vital. Na família tradicional ocidental considera-se que as fases do ciclo vital de uma família são essencialmente as seguintes:
  1. União de dois elementos para constituir uma nova família;
  2. Nascimento dos filhos;
  3. Educação e crescimento dos filhos;
  4. Adolescência e saída de casa dos filhos;
  5. O casal está de novo só;
  6. Velhice e morte.
Nenhuma família passa por estas mudanças de forma totalmente harmoniosa e todas experienciam stress: a crise subsequente pode converter-se em ocasião de transformação e crescimento ou em risco (de bloqueio e impasse). Nos anos sessenta, Connie Hansen (1981) viveu com três famílias normais (uma semana em casa de cada uma delas). Das suas numerosas observações destaca-se que nas famílias funcionais o ritmo de vida é mais descontraído; as crianças estão bem umas com as outras e entreajudam-se; os pais orientam o crescimento dos filhos (oferecem-se como bons modelos para o que estão a tentar ensinar), mas não se responsabilizam totalmente pelo seu crescimento já que assumem a premissa de que o desenvolvimento também se faz espontaneamente; têm expectativas positivas sobre os seus filhos e sobre os esforços que eles fazem para realizar as suas tarefas; os pais têm um estilo educativo democrático (são menos autoritários e usam mais a persuasão e humor), não se sentindo culpados por impor regras (claras) e dizer que não às crianças; as crianças sentem-se bem tratadas pelos pais que as ouvem, partilham algum tempo de brincadeira e estão genuinamente interessados nelas.
Teóricos e clínicos consideram que as famílias funcionais não ficam presas em ciclos de resistência à mudança, antes envolvem-se em retroacções positivas com vista à sua modificação. Pelo contrário, as famílias disfuncionais permanecem paralisadas utilizando o P.I. para evitar a mudança e perpetuar o seu funcionamento. Com a terapia sistémica, o terapeuta passa a ser visto como um observador participante com uma história familiar pessoal, com um saber construído na aprendizagem pessoal da teoria e prática sistémica, com um conjunto de ideias, afectos, crenças e valores que desenvolve em estreita articulação com os elementos com quem interage (família, coterapeuta, observadores, supervisor). Desta forma, a história de cada encontro é sempre singular: é a história daquela família, daqueles terapeutas, daquele tempo e daquele lugar e as teorias que conhecem, podem distorcer as percepções, mas também trazem ordem ao caos e permitem organizar as suas observações e proporcionar sentido ao que as famílias estão fazendo. Em vez de ver uma grande confusão, começam a ver padrões de interacção. Fazer da teoria um modelo normativo aprisiona a família e o terapeuta, mas não ter modelo é trabalhar sem direcção nem convicção o que não é bom nem para a família nem para o terapeuta. No processo de consulta, cria-se um novo sistema em que, como em todos os sistemas, o todo é mais do que a soma das partes, sendo estas constituídas pelos subsistemas. Assim aquilo que o terapeuta sente e descreve resulta da intersecção entre a sua história pessoal e o sistema onde emerge esse sentimento. A utilidade do terapeuta está na capacidade de ele próprio se permitir criar várias leituras acerca do que a família conta para que ela, dessa forma, possa ir descobrindo aspectos que não conhecia e redescobrindo outros a uma nova luz. Numa palavra, para que ela possa ir cocriando outros enredos menos sofridos, mas viáveis no contexto da sua própria organização. Assim o sintoma de crise deixa de ser perspectivado como sinal de disfuncionalidade para ser encarado como factor que empurra a família para um novo estado. O sintoma representa um momento de extrema instabilidade do sistema, um ponto de bifurcação a partir do qual diferentes direcções podem ser tomadas, permitindo ao sistema evoluir para níveis mais complexos de organização (Onnis, 1991). É nesse sentido que Hoffman (1981) considera que o aparecimento de novos sintomas, no decurso da intervenção, não significa que a mesma esteja a ser pouco eficaz; mas sim que sem crise as famílias dificilmente alcançam uma mudança estrutural. Na vida de uma família há períodos de tensão, de dificuldade, de conflito, a par de períodos de relativa tranquilidade e satisfação. Desta forma as relações vão-se alimentando, os elementos crescendo e a família vai-se desenvolvendo. Entre os múltiplos comportamentos que constituem toda esta trama relacional pode acontecer que, ao acaso ou em função de determinantes internos e externos, um comportamento, entre uma infinidade de comportamentos, produza certos resultados que não produziria habitualmente ou que não teria produzido, se o sistema não estivesse afastado do equilíbrio. Este comportamento, produzido por um membro do sistema, vai ser seleccionado, privilegiado pelos outros membros do sistema. E seguidamente, vai repetir-se, vai ser ampliado, em parte por continuação das respostas que ocasiona em parte porque toma sentido particular para o seu portador e para os outros membros do sistema.(Ausloos, 1996)
O facto de o terapeuta constatar que o sintoma desempenha uma função e tem um valor no sistema considerado não significa que foi essa função que o criou. Num dado momento, o comportamento seleccionado e ampliado cristaliza-se, mas o sintoma não comporta em si um valor intrínseco fundamental; são os discursos que a seu propósito são criados que o tornam fundamental. A tarefa que cabe ao terapeuta é a de poder identificar o que causa mal-estar e sofrimento à família e coconstruir um processo de interacção que leve ao alcance de um novo equilíbrio.
Também a utilização de directivas ou prescrições é frequentemente considerada imprescindível na condução da terapia estratégica. É assim para Haley e colaboradores que afirmam: “A directiva está para a terapia estratégica como a interpretação está para a psicanálise. É o instrumento básico desta abordagem.” (Madanes, 1991:397)

É importante fazer a leitura do sistema familiar à luz de dois eixos básicos:

Eixo sincrónico ou do espaço – reporta-nos ao espaço familiar, ao espaço relacional da família. Neste espaço relacional, jogam-se permanentemente os movimentos de individuação e de socialização dos diferentes elementos que constituem a família. Este eixo manifesta-se assim na estrutura da família, nas relações entre os seus elementos, na distribuição do poder e na organização hierárquica, nas formas de comunicação que escolheram para interagir, nas alianças que estabelecem com outros elementos e na forma como estão definidos os limites entre subsistemas e entre indivíduos.

Eixo diacrónico ou do tempo – é o eixo do tempo familiar. É um tempo eminentemente histórico pontuado pelos acontecimentos do quotidiano, pelas etapas do desenvolvimento e pela história das gerações. Assumem-se como elementos importantes os mitos, as lealdades, as dívidas, os legados e as delegações familiares assim como acontecimentos relevantes da existência tais como acidentes, doenças graves,... Neste eixo articulam-se permanentemente movimentos de evolução e de conservação do sistema familiar.

Entre estes dois eixos existe uma permanente interacção que articula os diferentes contextos relacionais da vida da família com o seu próprio desenvolvimento e com a continuidade transgeracional. À medida que o tempo vai passando, as relações familiares vão-se organizando diferentemente. Nesta articulação espaço-tempo a crise surge como uma flutuação mais ampla na mudança contínua que traduz a vida do sistema.
Entre os mecanismos fundamentais responsáveis pelas possibilidades de desenvolvimento ou de bloqueio familiar, o processo de autonomia e separação, os segredos familiares e a gestão do controlo relacional parecem assumir um lugar de destaque. A flexibilidade e a autoestima individuais e familiares assumem-se como pano de fundo que recursivamente alimenta aqueles processos e é por eles alimentado. Com efeito, a flexibilidade é, em todos os sectores da vida pessoal e familiar, um garante e um indicador de saúde e de funcionalidade. Pelo contrário, a rigidez dificulta o próprio evoluir ao abrir as portas para que toda a crise seja transformada em risco de bloqueio e consequentemente aumente o sofrimento e o mal-estar daqueles que envolve.
A autoestima é significativa para o desenvolvimento pessoal e interpessoal. Uma autoestima elevada faz com que o sujeito se sinta amado pelos outros, consiga gostar de si e ter a confiança básica necessária ao seu crescimento e à exploração do mundo que o rodeia. Uma autoestima baixa está geralmente associada a situações de grave sofrimento individual e familiar potenciando quotidianos familiares difíceis bem visíveis nos casos de violência familiar ou nas famílias multiproblemáticas.A autonomia conquista-se através de uma boa vivência relacional.

6.5. Modelos de intervenção em Terapia Familiar

      1. Perspectivas relacionadas com o modelo psicanalítico
      2. Perspectivas transgeracionais
        1. Perspectiva transgeracional de Boszormenyi Nagy
        2. Perspectiva simbólicovivencial de Carl Whitaker
        3. Perspectiva de Murray Bowen
    1. Perspectiva estrutural de Salvador Minuchin
    2. Perspectivas estratégicas
      1. Perspectiva do Mental Research Institute (Palo Alto)
      2. Perspectiva de Jay Haley
      3. Escola de Milão
  1. Perspectivas comportamentais
2. A perspectiva transgeracional é uma análise de transmissão da cultura familiar, no seu sentido lato, de uma geração para outra, englobando os padrões, estilos, costumes, segredos, mitos e problemas que determinam o carácter único de uma família (Lieberman, 1979).
Como processo terapêutico, é utilizado o estudo das relações familiares em pelo menos três gerações (avós, pais e filhos) idealmente quatro ou cinco gerações. Os terapeutas procuram definir, em conjunto com a família, os padrões de relação básicos dos diversos sistemas familiares que se entrecruzaram ao longo de muitos anos. Alguns utilizam o genograma, diagrama visual da árvore genealógica da família, construído em conjunto com a família na sessão terapêutica.
Nagy e Spark (1973) introduz o conceito de carta de legados familiar um conjunto multigeracional de obrigações e dívidas a serem cumpridas ao longo dos tempos. Sempre que uma injustiça ocorreu, vai haver, mais tarde, um movimento para a reparar, embora não necessariamente pelo devedor original.
Nagy conceptualiza a família como um grupo humano rodeado por uma rede complexa de obrigações e lealdades que exigem cumprimento, mas que protegem ao mesmo tempo o conjunto familiar. O terapeuta deve criar uma atmosfera que torne possível a cada um encarar as suas dívidas emocionais e eventualmente corrigi-las, mostrando que muitas das dificuldades actuais correspondem à tentativa de superação de erros ou características das gerações passadas.

2.2 Características de uma família saudável para Carl Whitaker (1981):
    1. A família tem uma noção de conjunto, uma espécie de nacionalismo familiar, mas que não pode impedir a noção de indivíduo. Trata-se de um conjunto integrado, não demasiado em fusão que não permita a individualização, nem demasiado disperso que leve à sensação de isolamento de cada membro;
    2. Cada elemento da família contacta com uma família intrapsíquica de três ou quatro gerações, isto é, há uma sensação de continuidade ao longo dos tempos e uma visão transgeracional da passagem de valores familiares;
    3. Existe uma barreira intergeracional, isto é, os pais não são filhos e os filhos não são pais, sendo necessária uma delimitação dos subsistemas;
    4. Há grande liberdade e flexibilidade na escolha de papéis familiares, isto é, o filho pode ler alto uma estória enquanto o pai o escuta atentamente brincando com cubos no chão. A mãe pode fazer o jantar para as bonecas enquanto os filhos fritam os bifes para, mais tarde, os papéis tradicionais serem retomados sendo esta troca toda feita ao serviço do grupo familiar;
    5. A distribuição do poder dentro da família também é flexível, sendo possível exprimir as diferenças individuais e renegociar o que foi obtido a partir das experiências vividas;
    6. A família é capaz de brincar em conjunto, o pai vem do trabalho e pode dar cambalhotas no chão, o filho senta-se seriamente a ler o jornal e todos em conjunto se riem do que vêem na televisão;
    7. A família continua a crescer, tenham existido mais ou menos acontecimentos desagradáveis. É capaz de notar a passagem do tempo e modificar a sua maneira de estar viajando através de ciclos de regressão e reintegração. Os sintomas podem surgir em épocas de crise, mas são uma maneira de aumentar a experiência familiar e portanto o seu crescimento;
    8. Os problemas são resolvidos através de um diálogo franco e aberto que envolve a análise e síntese de mitos, regras familiares, esperanças e realidades quotidianas;
    9. A família passa por crises de identidade, nas quais a frustração é um enzima útil para acelerar a mudança;
    1. A família é um sistema aberto influenciado pelo que se passa na sociedade à sua volta e em contínua evolução.
O objectivo desta terapia é estabelecer o sentimento de pertença de cada elemento da família e, ao mesmo tempo, possibilitar a liberdade de individuação. Não se trata de adoptar socialmente a família, mas sim aumentar a sua criatividade e flexibilidade. Procura-se o máximo crescimento da família em todas as dimensões possíveis.

6.6. O Processo Terapêutico

A mudança terapêutica é considerada, sob aspectos diferentes, segundo o grupo de autores. A perspectiva transgeracional de Bowen, Whitaker, Andolfi, Minuchin dão grande importância ao crescimento e diferenciação das pessoas dentro da família, valorizando a criatividade de cada membro da família e utilizam o ambiente de tensão, a amplificação da crise e o desafio ao confronto das pessoas e das gerações na interacção recíproca como vias para a mudança.
Outros dirigem os seus esforços terapêuticos para a reestruturação da família como sistema para a reorganização das formas de comunicação familiar e utilizam a linguagem paradoxal, os rituais e as prescrições para introduzir um novo jogo relacional (perspectiva estratégica e estrutural). Haverá entre estes dois grupos uma oposição ou uma complementaridade?
Por outras palavras, a diferenciação pessoal poderá ser compatível com a coesão familiar, isto é, com o aumento da organização do sistema?

A fim de traçar as linhas gerais do processo terapêutico dir-se-á que:

 A base é a sessão, ou seja, a entrevista interpessoal conjunta (não necessariamente com toda a família);

Ø A metodologia é sistémicocircular (recolha de informação que permita gerar a diferença sobre o problema ou sintoma);

Ø O objectivo é a mudança, visando o bem-estar grupal e individual. Não é possível isolar recolha de informação (avaliação) e mudança (tratamento), quer em termos temporais quer processuais. O processo evolui no seio do que se convencionou chamar sistema terapêutico formado por cliente(s) e terapeuta(s), pelo que o principal utensílio terapêutico é a relação cliente-terapeuta (Relvas e Keating,1995).

Ø O trabalho de equipa é uma orientação básica. Esta é formada, regra geral, por três terapeutas: dois trabalham em coterapia directamente com a família na sessão adoptando um modelo de cooperação (semelhança de papéis e estatutos) e o terceiro, habitualmente em formação, fica atrás do espelho unidireccional, no papel de terapeuta-observador.

Ø A hipótese de base na condução do processo é a de que o terapeuta vai trabalhar com o sistema no qual o sintoma do paciente-identificado apareceu. O sintoma, para além de ter um sentido nesse contexto, exerce algumas funções específicas que participam na coerência do sistema. O trabalho do terapeuta é então elaborar hipóteses, verificá-las, compreender e intervir de modo a que o sistema possa, ele próprio, mudar.

O processo inicia-se com o preenchimento de uma ficha telefónica. Esta ficha é preenchida por um terapeuta com o elemento da família que faz o pedido. O modelo utilizado é muito semelhante ao proposto por Palazzoli (1978) e, tal como ela, consideramos que este é, de facto, o primeiro contacto com a família. Para além de alguns dados biográficos da família (nomes, idades, parentescos, profissões, agregado familiar), regista-se o motivo do pedido de consulta, a história da evolução do sintoma, os antecedentes familiares, o conhecimento que os vários membros da família têm deste pedido de apoio psicológico, a informação sobre quem envia a família (profissional, instituição ou outro) e, se possível, uma primeira avaliação das relações familiares. A partir destes dados a equipa terapêutica elabora uma primeira hipótese sistémica de compreensão do valor do sintoma e do funcionamento do sistema familiar que vai servir de base ao planeamento da primeira entrevista.
Tendo ainda como base a mesma autora e obra, o terapeuta deve fazer a recolha de informação na primeira entrevista mantendo-se numa posição neutra, pelo que deverá abster de qualquer intervenção activa ou comentário que reservará para a parte final da sessão. No entanto, na maior parte das vezes, o terapeuta envolve-se e participa sempre activamente no sistema terapêutico: ao longo da entrevista vai redefinindo, reformulando e reenquadrando as interacções surgidas, embora também guarde para a parte final da sessão as intervenções que lhe parecem fulcrais para a mudança. O terapeuta é que define as regras do processo terapêutico. A primeira entrevista inicia-se com o terapeuta perguntando ao pai: Diga-me como é a sua família e de seguida percorre todos os elementos da família com a mesma pergunta, sendo a última pessoa a mãe porque ela é sempre o elemento mais importante na família. Também é importante fazer sentir à família que o terapeuta está seguro do seu procedimento e é activo na condução da sessão. É importante o trabalho de dois terapeutas na sala, pois assim é mais fácil lidar com a ansiedade e a tensão que uma sessão familiar provoca. Um pode ficar provisoriamente imerso no sistema familiar enquanto o outro permanece mais afastado, não se deixando englobar pela família e vice-versa. O conjunto dos dois terapeutas permite maior criatividade, liberdade administrativa, partilha de responsabilidades, maior grau de honestidade acerca do cansaço, raiva e sentimentos pessoais (Whitaker, 1977) sendo também muito importante nas discussões no intervalo e na preparação das sessões.
Há que considerar que a consulta em terapia familiar contém quatro partes essenciais:
  1. Preparação da sessão onde se elabora a estratégia da entrevista (postura cognitiva do terapeuta para questionar e tomar decisões, avaliando os efeitos das acções passadas, construindo novos planos de acção antecipando as eventuais consequências de várias alternativas e decidindo como proceder a fim de maximizar a utilidade terapêutica (Tomm,1987:6);
  2. A entrevista com a família;
  3. Intervalo para discussão da sessão e afinação da estratégia de intervenção entre os terapeutas;
  4. Finalização/conclusão da entrevista com a família.
A orientação de cada consulta varia em função de diferentes abordagens/modelos de compreensão conforme a avaliação da família, o próprio sintoma e a interacção estabelecida entre família e terapeutas. Há alguns princípios e regras comuns:
    1. A entrevista é considerada a parte mais relevante de toda a sessão em termos do próprio processo de mudança – é o tempo/espaço de perturbação mútua por excelência;
    2. Há sempre que respeitar algumas regras básicas:
      1. todos os elementos devem ter oportunidade de se expressar;
      2. o terapeuta conduz a entrevista, não a família;
      3. o terapeuta deve manter uma postura de neutralidade, no sentido da não manutenção de alianças sistemáticas procurando em simultâneo a clarificação das trocas comunicacionais. A família como um todo e cada um dos seus membros de per si devem sentir-se atendidos no espaço terapêutico;
  1. Segue-se uma metodologia básica suportada na conversação terapêutica (transformação da informação que retorna ao sistema com sentido e modo significativo (Ausloos, 1996) e no questionamento circular (Palazzoli, 1982), tanto quanto na utilização esteticamente contextuada das técnicas pragmáticas.
  • Os sintomas são definidos como esforços de crescimento;
  • Podemos modelar fantasias alternativas às situações reais de stress;
  • Transformar os receios intrapessoais em fantasias interpessoais;
  • Aumentar o desespero de um membro da família e clarificar a revolução latente na família;
  • A família deverá ser ajudada a brincar;
  • Deve-se procurar aumentar as relações da família com a comunidade e com as famílias de origem;
No final da primeira ou segunda consulta, estabelece-se o contrato terapêutico que inclui a definição dos objectivos terapêuticos, o número de sessões do processo, habitualmente entre cinco e dez espaçadas de sensivelmente um mês e os quantitativos e modalidades de pagamento. No contrato, procura-se que fiquem claramente definidas as funções e posições relativas entre família e terapeuta(s) no que se refere ao papel da família como agente activo e responsável da mudança e não só como seu alvo-receptor; ao terapeuta como orientador e participante activo nesse processo.
Do contrato emergem quatro aspectos teóricotécnicos importantes:
  1. Relativo ao espaçamento das sessões, reflecte a necessidade de dar à família um tempo entre consultas para que possa experimentar e desenvolver os seus próprios movimentos de reestruturação;
  2. Clarifica que a família é utilizada no sistema terapêutico como utensílio ou instrumento terapêutico. Ela é, em última análise, a responsável pelo sentido da mudança;
  3. Prende-se com o papel directivo do terapeuta: responsável pela condução da mudança, assume-se como elemento activo do processo no qual participa como pessoa total física, intelectual e afectivamente com uma personalidade e vivências individuais e familiares não escamoteáveis (abandono do mito da neutralidade terapêutica);
  4. Delimitação e brevidade do processo terapêutico que permite que o sistema terapêutico se consciencialize que se pretende uma mudança redutora nos processos e conteúdos e localizada no tempo, o que tem como objectivo final devolver ao sistema as suas próprias capacidades evolutivas de mudança, bloqueadas por uma crise, também ela datável na história familiar.
A hipótese é uma actividade de carácter experimental, no sentido de suposição, que permite a organização e a categorização das informações. Sem valor de verdade ou falsidade, deverá ser avaliada na relação com a família em relação à sua utilidade e adequabilidade. Tal utilidade reside no facto de facilitar a condução da sessão, de modo a introduzir o inesperado e o improvável no texto ou compreensão que a família traz para a terapia relativamente a si própria e às suas dificuldades. A adequabilidade tem a ver com o facto de a família ter de se reconhecer nessa nova compreensão; ter de se sentir envolvida nessa actividade de investigação. Por isso, as hipóteses não podem ser excessivamente diferentes nem demasiadamente próximas das da família. Com as hipóteses, o terapeuta tem de introduzir uma diferença significativa para a família, mas de modo a que esta continue a ver nelas a compreensão da sua história e das suas dificuldades.
A hipótese é afinal um novo texto da situação, uma história diferente ou se quisermos um reenquadramento, em cuja elaboração o terapeuta utiliza os dados sobre a história da família em observação, em interacção com o modelo teórico que elegeu para determinado caso e momento. Daí que, por vezes, num mesmo processo ou até numa mesma sessão, possa recorrer a diferentes modelos de forma integrada ou não. Através da participação do todo e de cada um dos elementos do sistema terapêutico, as hipóteses vão sendo sucessiva e permanentemente afinadas, reformuladas e transformadas, tornando-se o elemento radicalmente condutor da sessão e do processo. Neste contexto, a hipótese aparece como um equivalente funcional do diagnóstico (instrumento compreensivo/explicativo que vai orientar a intervenção), mas ultrapassa esta função ao ser indutora de mudança, sendo consequentemente intervenção (Relvas, 1996a).
A terapia aproxima-se do fim quando a família é capaz de falar das suas relações com menos tensão e sobretudo com a capacidade individual de olhar para o outro e respeitar a sua autonomia sem se sentir agredido por isso.
O fim do processo terapêutico não é rígido. Por vezes, é a família que diz que já não quer voltar, que já não necessita. Se algum dos seus membros quer ir mais longe em trabalho individual, aconselha-se uma psicoterapia individual.

7. Os adolescentes na família

O equilíbrio de relações que a criança estabelece com os pais durante a infância é fortemente sacudido, durante a adolescência, na altura em que o adolescente necessita autonomizar-se em relação a eles. Isto acontece por volta dos doze anos quando ocorrem grandes transformações comportamentais. Esta autonomização é feita através da recusa, mais ou menos violenta, dos padrões familiares assimilados durante a infância. A necessidade de o adolescente se encontrar a si próprio como um ser inteiro e distinto dos pais é uma fase normal do desenvolvimento, mas que abala o padrão habitual de relações pais-filhos dadas as dificuldades de os pais se adaptarem à rapidez de mudança que se opera nos filhos. Estas dificuldades podem comprometer a comunicação com os filhos adolescentes tanto mais que, para encontrar o seu equilíbrio, o adolescente procura, fora do esforço familiar, os valores e os ídolos que tem necessidade de contrapor aos valores familiares a que estava e continua a estar profundamente ligado. Esta fase normal e transitória desencadeia com frequência nos pais um sentimento de perda da sua autonomia paterna, levando-os a valorizar apenas uma das faces do problema – o desejo e a necessidade que os filhos têm de tomar distância em relação a eles. Mas esta separação é igualmente fonte de sofrimento para os filhos ao mesmo tempo que é a condição sine qua non para que eles consigam manter a relação com os pais reais e não já com os pais idealizados como nas fases anteriores. As figuras paterna e materna polarizam em torno de si áreas de conflitualidade distintas:
A mãe polariza no par mãe-rapaz a conflitualidade associada aos comportamentos de namoro, estilo pessoal, gestão de dinheiro e saídas do adolescente e no par mãe-rapariga a conflitualidade está associada à gestão do dinheiro e ao vestuário.
O pai polariza no par pai-rapariga a conflitualidade associada ao comportamento do namoro e no par pai-rapaz a conflitualidade associada às saídas e à tomada de decisões.
A mãe aparece como a figura disciplinadora, mas provavelmente também a figura que está em contacto permanente com os comportamentos quotidianos do adolescente. A ocorrência de maior número de situações de desobediência e de submissão à mãe sugere que os adolescentes interagem mais com ela, a quem provavelmente também exprimem mais os seus sentimentos, desejos e ideias, colocando-a num papel activo, regulador e orientador dos comportamentos, figura de autoridade, mas também de suporte. No entanto, os adolescentes conversam mais com o pai do que com a mãe, sendo esta mais constrangedora e o pai mais orientado para a resolução de problemas.
Muito se tem escrito sobre a adolescência e sobre os adolescentes. Tem-se realçado a dimensão tumultuosa da sua existência, as suas frequentes variações de humor, a sua depressão normal, a sua tendência para o agir, as suas quebras escolares, as suas somatizações, a sua incrível energia, a sua generosidade, as suas dúvidas, os seus radicalismos, as suas provocações, a sua insegurança, o seu autoconvencimento, o seu desejo de independência, a sua necessidade de dependência, a sua atracção pelo risco, a sua paradoxalidade.
É impossível pensar esta etapa do ciclo vital da família sem a conceber como um período de grandes mudanças em que todos se tornam, de alguma forma, uma novidade para os restantes. Pais e filhos, por vezes irmãos, têm, em muitos casos, uma queixa comum: não se compreendem e já não sabem o que mais podem fazer para levar o outro a aceitar a sua ideia ou o seu ponto de vista; não sabem também quando devem estar e dar apoio ou quando podem deixar o outro entregue a si próprio. Esta é, pode-se dizer, a etapa mais longa e mais difícil do ciclo vital, na medida em que exige um permanente equilíbrio entre as exigências do sistema familiar e as aspirações de cada membro da família. O adolescente luta e muito para alcançar a sua autonomia e a sua identidade. A nossa época e a nossa cultura têm exaltado o individualismo e a necessidade de felicidade individual, por um lado; têm sobrevalorizado a dimensão cognitiva e social do sucesso e da felicidade (segurança material), por outro lado e têm reduzido ao máximo a rede de apoio social individual.
A gestão da relação pais-filhos, nesta etapa do ciclo vital, constitui um desafio para todos. No plano comportamental, pais e filhos passarão a estar menos tempo juntos e a realizar um menor número de actividades e tarefas em conjunto. O adolescente necessita, no seu dia-a-dia, cada vez menos dos pais. No plano cognitivo, escutando as opiniões dos filhos, incentivando-os a desenvolver ideias originais, facilitando-lhes a busca de informação e o treino do debate, valorizando os seus pontos de vista e aceitando-os como parceiros intelectuais, os pais ajudam os filhos a diferenciarem-se e a tornarem-se adultos. Uns e outros podem, desta forma, autonomizar-se mais facilmente e com menos custos emocionais. Importa acentuar que o problema não está na crise, mas na forma como ela é resolvida.
Nesta reaprendizagem relacional entre pais e filhos, a forma como o adolescente reavalia e reestrutura a sua relação com os pais é também muito importante e um dos riscos que deve evitar é o da clivagem entre as relações. Se aceitar que também precisa dos pais, o adolescente tem muito mais hipóteses de tornar-se autónomo e de alcançar a sua verdadeira identidade. O adolescente tem êxito no seu processo maturativo quando sabe ser dependente, independente e interdependente, quando demonstra uma elevada autoestima e quando é capaz de ser congruente.
Um dos problemas desta etapa do ciclo vital nas famílias é a gestão do poder. Os pais temem perdê-lo e os filhos querem alcançá-lo. Na perspectiva das relações familiares, o poder pode ser definido como a influência relativa de cada membro da família na prossecução de uma actividade.”(Relvas, 1996) Nesta acepção, pais e adolescente podem ter poder numa articulação de complementaridades. O que o adolescente não pode ter é o poder dos pais e os pais não podem reclamar para si o poder do adolescente. O poder do adolescente consubstancia-se basicamente, na possibilidade da livre experimentação de papéis, do uso da provocação e do risco, da afirmação de novas competências (comportamentais, cognitivas e relacionais) e da detenção de uma clara posição negocial. O poder dos pais radica na imposição de limites para o exercício do poder do adolescente.

Algumas regras que poderão ajudar:

1º - não ter medo de perder o amor do outro;

2º - saber ser flexível sem perder a face, o que supõe ser coerente e não ter uma estratégia básica de inflexibilidade;

3º - metacomunicar sobre as dificuldades e sobre a relação;

4º - não depender de relações exclusivas;

5º - ser criativo.

Estreitamente associada à questão do poder está a problemática do conflito. Não se pretende eliminar o conflito, mas criar condições para que sempre que o conflito surja, possa ser ultrapassado. O conflito faz parte da existência humana e tem subjacente duas questões: divergência de posições e desejo de dominar. A divergência é salutar na medida em que, no confronto da diferença, os elementos podem conquistar novos saberes, novas posições, novas relações. A divergência está relacionada com o crescimento e com o desenvolvimento. Supõe apenas que o desejo de domínio não bloqueie o seu potencial positivo. Por outras palavras, a resolução da divergência não pode fazer-se pela anulação de uma das partes, pela sua desqualificação ou mesmo pela sua desconfirmação. É aqui que se abrem as portas para a negociação, o que supõe uma metacomunicação sobre a relação. Numa família com filhos adolescentes há que saber que “na diferença, no desacordo de opiniões e nas diferentes visões do mundo, vai-se construindo a autonomia e identidade de pais e filhos adolescentes. Sem esse contraponto, sem a presença de linhas e normas firmes estes não o podem fazer com segurança, já que é a definição de limites imposta pela própria família que lhes permite a primeira avaliação da justeza e correcção das suas próprias convicções para depois partir com elas para o exterior (onde também os adolescentes necessitam de outras fontes de suporte como o seu grupo de iguais). Não havendo dentro da família com o que se confrontar não haveria conflito, mas também não haveria possibilidade de crescimento saudável porque, ou os adultos ou os adolescentes ou ambos entrariam no jogo docomo se”. Assim em vez da flexibilização relacional e da aceitação e gestão do conflito, surge a tentativa da sua anulação pela via da rigidez expressa quer na permissividade absoluta quer na repressão extrema.” (Relvas,1996)

No livro Vozes e ruídosdiálogos com adolescentes do Professor Daniel SAMPAIO o Diogo de dezasseis anos afirma: A família não ensina o principal. A família ensina a educação, como é que uma pessoa se deve comportar. Os meus pais ajudam-me quando preciso; só que há conversas que, por muito liberais que os pais sejam, não consigo ter com eles e com os meus amigos tenho à-vontade. Conversas como ter estado na noite anterior com uma rapariga; de ter ido a um bar e estar lá uma data de gente e de me ter divertido muito. Com os meus pais são conversas de política, economia, coisas assim.”

Na continuação da conversa afirma: Os jovens têm tendência para contrariar os adultos porque começam a pensar que já têm cabecinha, já podem pensar por si próprios e não precisam que os adultos lhes digam o que têm de fazer e acham-se muito inteligentes; acham que são de uma geração que sabe o que as gerações anteriores sabiam, mas sabe mais. Que já aprendeu muito que os pais não aprenderam e por isso acham-se superiores a eles; são mais inteligentes e têm mais experiência de vida. Por isso quando os adultos dizem uma coisa, eles fazem o contrário porque acham que os adultos não podem ter razão.

Continuando: O adolescente pode fazer tudo. Pode fazer mais do que o adulto. Pode fazer as coisas de uma criança e pode fazer as coisas de um adulto enquanto que os adultos não podem fazer o que as crianças fazem e as crianças não podem fazer o que os adultos fazem. Por exemplo: o adolescente é capaz de ir jogar à bola na rua assim como é capaz de estar a ter uma conversa muito séria com os amigos. A adolescência é espectacular, por isso uma pessoa pode fazer tudo.”

E continuando, o Diogo afirma: Normalmente os pais tentam sempre cortar ao máximo e são sempre os filhos a puxar a corda e andar sempre assim nessa disputa. É a única maneira de os filhos terem a liberdade. Se os filhos não tentassem ter essa liberdade, não a teriam. Eu vejo por mim. Os meus pais são muito liberais, mas mesmo assim se eu não pedisse para sair à noite, eu não saía. Os meus pais nunca iriam incentivar o filho a sair à noite. Pede-se sempre tudo e fica-se com o que os pais dão. Assim temos a certeza de que temos tudo o que é possível.”

E o Dr. Daniel Sampaio faz o seguinte comentário: “Aqui está o essencial. O jovem quer conseguir e atingir tudo. Aos pais compete ajudar a refrear (dar luta ao jovem para que o que consegue lhe saiba a vitória sua e não a mendicância. Não esquecer que pelos instintos o homem precisa de luta na conquista e vitória. É isso que lhe dá prazer, razão de viver.) Da negociação resulta a dose certa o 'quanto baste' para a modificação necessária.

A dimensão do amor é fundamental em toda esta mudança. Só através de um clima afectivo é possível estabelecer laços que permitam a discordância, mas não impeçam o crescimento psicológico individual de cada elemento da família, particularmente do adolescente.”

Nas famílias com filhos adolescentes adoptados esta etapa do ciclo vital da família é decerto um dos períodos mais difíceis do desenvolvimento individual do adoptado e do desenvolvimento deste sistema familiar. Os pais de criação vivem num constante medo de recriminações ou até abandono por parte do adoptado, querendo castigá-los pelo facto de o(a) terem adoptado e assim privado do contacto com os pais biológicos. As dúvidas identitárias que frequentemente assaltam o adolescente estão, neste caso, amplificadas: o desejo de o adolescente querer conhecer a sua família biológica, as suas raízes geográficas, as histórias do passado não significa que ele queira deixar a família adoptiva, mas apenas que quer unir as várias partes da sua história para poder continuar a tarefa da construção da sua identidade. Neste período de profunda insegurança e grande transformação, é importante que pais e filhos adoptivos tenham uma confiança mútua, se sintam afectivamente gratificados e demonstrem flexibilidade de forma a poderem superar as crises que necessariamente ocorrerão. Neste sentido, esta é uma fase em que as famílias adoptivas podem necessitar novamente de apoio familiar e social (eventualmente técnico): o poder metacomunicar sobre os seus medos, sobre as suas angústias, o poder partir à procura de novos encontros com o passado são tarefas dolorosas que despertam muita ambivalência em ambos os pólos desta díade (pais-adolescente), mas que são necessárias para que o seu desenvolvimento possa continuar a processar-se satisfatoriamente.
Sendo a adolescência um período em que o grupo de pares desempenha um enorme papel, o adolescente adoptado pode inibir-se de buscar esse apoio. Face a estas múltiplas questões o adolescente pode tomar uma de três opções:
  • A metacomunicação sobre as suas dúvidas e o seu sofrimento (com os pais adoptivos, com outros familiares ou com outras pessoas da sua rede social) seria a opção mais desejável e satisfatória, mas nem sempre é a mais seguida;
  • A provocação e a projecção da agressividade sentida é um recurso frequente que se instalará ou será ultrapassada em função da resposta do meio e da evolução das angústias e dos medos do adolescente;
  • as vividas depressões ou a apatia constituem uma outra saída habitualmente mais problemática.
A aparente ausência de problemas, dúvidas ou angústias deve constituir um sinal de alerta, pois este processo é naturalmente complexo e doloroso e esta pseudocalma mais não é do que negação de tais dificuldades.
Em todos os grupos e por maioria de razão no grupo familiar, as pessoas desempenham, consciente ou inconscientemente, um determinado papel e função na relação com os outros. Esta distribuição de papéis e funções não é verbalizada e pode mesmo não ser consciente. Mas o facto é que, no jogo recíproco de relações na família, cada membro da família espera que os outros desempenhem um determinado papel.
Uma outra noção que convém recordar é a dos mitos familiares que corresponde às crenças enraizadas na família referentes à explicação que esta dá aos acontecimentos e à imagem que tem de si própria. Estas crenças transmitem-se através das gerações, dos ascendentes aos descendentes e são tributárias dos mitos que existem a nível social, étnico ou nacional.
Uma das noções que mais nos interessa do ponto de vista da saúde mental na família é a noção de normalidade/patologia da família e dos seus mecanismos de defesa. A normalidade na família depende, por um lado, da sanidade de cada um dos membros e, por outro lado, do seu modo de relação recíproca.
As famílias cujos membros têm uma clara diferenciação do Eu são capazes de manter um funcionamento de inter-relação familiar nos próprios limites da família sem necessidade de recorrerem a pessoas estranhas a ela para resolverem os seus problemas intrafamiliares e os problemas que a família encontra no seu dia-a-dia no contacto com a realidade exterior.
Pelo contrário, quando os limites da família não se encontram bem definidos, o que corresponde a um grau de diferenciação do Eu individual e familiar insuficiente, existe um evitamento ou demissão da responsabilidade da função individual na família; os seus membros tenderão então a explicar as dificuldades, recorrendo aos mitos familiares para conservarem a estabilidade e o equilíbrio no seio da família.
A terapia para a família está sempre ligada a uma situação de crise. Alguma coisa aconteceu que perturbou o equilíbrio familiar. Na grande maioria dos casos, um dos membros da família coloca-se no centro de um movimento que visa a autonomia, lutando para se libertar do papel que as identificações projectivas dos pais lhe atribuiram. Por outro lado, pode acontecer também que a actividade das partes projectivas se torne de tal modo ameaçadora para a unidade familiar que determinados organismos sociais acabem por intervir, chamando a atenção da família para a existência do problema.
A luta do adolescente pela liberdade é dolorosa. Quando devolve aos pais as projecções destes, o adolescente talvez sinta uma sensação de vazio, na medida em que se acha então privado de uma parte de si que era a base da sua identidade. Isto poderá levar eventualmente à depressão, à perda da autoestima, aos sentimentos de desvalorização, de despersonalização, a tentativas de recuperar a projecção e a actos de vingança. O adolescente também poderá sentir que a sua recusa em pactuar está a comprometer a integridade das boas aspirações dos seus pais para si, o que o transforma em mau filho. Além disso, os pais vivem a devolução dos seus aspectos conflituais rejeitados como ataques, podendo estes estar a dar origem a ansiedades paranóides e a contra-ataques consequentes ao filho.
A tarefa do terapeuta é procurar introduzir um tipo particular de processo na sua própria actividade psíquica, processo que se localize entre o impacto que a sessão sobre ele exerce e a sua devolução à família da experiência desse impacto. O terapeuta está ali para ajudar a família a reconhecer o montante de identificações projectivas que circulam entre os seus membros, o modo como estes activam, as ansiedades que os levam a esse comportamento. Espera-se que, por este caminho, os membros da família se tornem capazes de reconhecer e diferenciar as suas necessidades como indivíduos separados e de, ao mesmo tempo, modificarem, desenvolverem e enriquecerem as suas aspirações familiares interiorizadas a fim de que as relações entre eles se tornem expressão de uma família em evolução.
Não havendo escolas ou cursos para aprender a ser pais, seria interessante que na comunidade (p. e. paroquial) houvesse espaços mais ou menos formalizados em que este tipo de troca de experiências e de apoio pudesse ocorrer.

8. Famílias com Filhos Adultos

Os filhos cresceram, saíram de casa e já têm as suas próprias casas. A relação entre o casal e entre o casal e os seus filhos tem de se alterar para continuar a ser saudável.

Agora o casal tem de cuidar do nós, do eu e do tu, isto é, tem de, na continuidade de um processo em curso, criar as condições necessárias ao seu desenvolvimento e isto obriga a uma série de mudanças. Normalmente a paixão do namoro e dos primeiros tempos de casados deu lugar a um amor mais calmo, mas também mais maduro feito de respeito mútuo, de negociação, de necessidade e satisfação recíprocas, de metacomunicação. Ou então deu lugar à habituação, à inércia ou à simples necessidade de manutenção.

Esta é, para o casal, uma etapa de liberdade e de depressão dada a saída dos filhos de casa e a reconversão das tarefas parentais. Poder-se-ia ir pelo lado negativo, mas parece muito mais interessante e útil colocar a ênfase no potencial transformador destas mesmas modificações. O nós do casal pode encontrar novas formas de complementaridade e novos campos de expressão da solidariedade e da intimidade conjugais. A negociação pode estar mais facilitada pelos anos de experiência conjugal e pela menor necessidade de uma excessiva afirmação da simetria comunicacional no interior do casal. Nesta reorganização da vida do casal há um aspecto que parece fundamental: que o nós do casal não abafe o eu e o tu de cada um dos cônjuges. Isto é importante por duas razões:

numa relação a dois torna-se impossível retirar gratificação da complementaridade sem simetria comunicacional.

é importante que qualquer um dos cônjuges se prepare para poder sobreviver ao outro e isso passa necessariamente, pela preservação da parte individual do casal e pela existência de uma rede social de apoio significativa.

De uma forma directa ou indirecta, os pais da família nuclear passam a ocupar-se mais dos seus próprios pais, numa inversão da complementaridade comunicacional. É importante que, entre ambas as gerações, não se perca a simetria comunicacional e que a geração intermédia possa respeitar e, tanto quanto possível, incrementar as áreas de autonomia da geração mais idosa. Isto aumentará a autoestima destes últimos e evitará o perigo da escalada simétrica entre as duas gerações. A questão do poder na relação coloca-se neste período, de forma tão ou mais aguda quanto a geração mais idosa se sente despossuída da sua autonomia e da sua capacidade de decisão. A manutenção da autonomia por parte dos mais velhos é um aspecto que levanta inúmeras questões e dúvidas aos mais novos. De novo sentimos que a metacomunicação e a clareza da relação são os maiores aliados para a resolução das possíveis tensões assim como para a edificação de um quotidiano que pode ser assaltado por muitas dúvidas, medos e angústias. Por vezes, a manifestação clara de dependência que a geração mais idosa manifest,a traduz apenas a sua maneira de pedir e/ou garantir afecto e a presença da geração intermédia.

A gestão desta problemática relacional que tem por pano de fundo a dinâmica dependência-autonomia e a questão do poder, é muito importante para a geração intermédia, tanto no que diz respeito à sua relação com a geração mais idosa como consigo própria. Saber que ajudaram os seus pais a envelhecer e a partir em paz é uma memória nutriente que os auxilia a equacionar a sua própria velhice individual. A roda da vida não pára e as gerações e as famílias vão-se alternando no cumprimento das suas tarefas básicas.

9. Estudo de caso  

Dados:

O pedido de consulta é feito por uma tia materna de uma jovem de quinze anos, Liliana, enurética primária, por indicação de um colega psicólogo.

Pelo preenchimento da ficha telefónica ficamos a saber que a Paciente Identificada(PI) veio viver há mais ou menos seis meses (início do ano lectivo) com esta tia e o avô materno por razões que se prendem com a sua progressão académica.

A família da Liliana é composta pelo pai (45 anos, funcionário autárquico), pela mãe (44 anos, professora do ensino básico) e por uma irmã (Catarina, 12 anos, frequenta o 7º ano). A tia é professora do ensino secundário e o avô é reformado.

A tia refere que os pais nunca se interessaram por resolver este problema. Quanto ao sintoma, a tia informa que a Liliana sempre foi assim desde bebé e os médicos dizem que é de origem nervosa. A tia acha que o problema se deve ao facto de a Liliana achar que a mãe gosta mais da irmã.

A primeira sessão foi marcada para dali a quinze dias e foram convocadas a família nuclear e a tia. Na pressessão os terapeutas pensaram

1) dados específicos sobre a família. Estes aspectos poderiam apontar no sentido de dificuldades em termos de organização estrutural da família; da fase do ciclo vital que a família nuclear atravessa – adolescência dos filhos: dificuldades nos movimentos de separação; dificuldades entre a família de origem e a família nuclear.

2) sintoma: uma prima paterna também foi enurética.

3) a vontade da tia em trazer toda a família à terapia;

4) o porquê deste pedido.

As diferentes leituras:

- estrutural: enfatizando a questão das fronteiras;

- desenvolvimental: assinalando a importância dos movimentos de separação dos mais jovens;

- transgeracional: evidenciando o valor explicativo da família alargada;

- comunicacional: apontando para o significado do sintoma enquanto controlo, bem como para as eventuais distorções comunicacionais, isto é, correspondem às diferentes visões do mundo que a informação contida na ficha telefónica neles despertou.

A entrevista:

Da esquerda para a direita, em circunferência ficaram: terapeuta 1, terapeuta 2, tia, PI, irmã, pai e mãe. A mãe e a irmã aparecem com um aspecto mais leve e mais feminino em oposição ao PI e à tia (vestuário, penteado, postura). O pai é uma pessoa afável, com um ar sorridente e atento. Na entrevista, manteve-se silencioso, parecendo algo à parte ou distante do grupo das mulheres. A entrevista girou em torno de três tópicos fundamentais:
  1. Identificação dos problemas sentidos pela família;
Para todos a enurese da Liliana.
  1. Explicações da família para o sintoma;
  2. Caracterização do sintoma.
Como tentativas para resolver o problema, depois das idas aos médicos e na ausência de qualquer causa para a enurese, implementaram uma dieta alimentar (iniciativa da mãe e da tia) que consiste em não comer sopa e fruta sumarenta à noite. Antes de ela se ir deitar recomendam-lhe que não faça xixi e já lhe prometeram e ofereceram prendas como reforço positivo.
Durante o intervalo, a equipa considerou que era urgente:
  1. Libertar a Liliana da pressão familiar, particularmente da mãe e da tia, relativamente ao problema;
  2. Dar-lhe alguma autonomia permitindo-lhe, senão o controlo do sintoma, pelo menos a sua avaliação de uma forma mais íntima. Decidiu-se ficar a sós com a Liliana depois de concluída a sessão com a família.
Na conclusão da sessão, fez-se um contrato de cinco sessões tendo como objectivo o alívio da pressão/preocupação sentida por todos. Solicitou-se à família que eliminasse a dieta e deixasse de se despedir da Liliana com a fatal recomendação: Vê lá se esta noite não fazes!
A sós com a Liliana pediu-se-lhe que fizesse a automonitorização do comportamento enurético assinalando os dias em que não faz xixi. Esse registo seria visto somente por ela e pelos terapeutas.

Na pressessão da segunda consulta, consideraram-se relevantes os seguintes dados:

  1. a confirmação da delegação da função parental na tia, não só em relação à enurese, mas também em relação aos estudos da Liliana;
  2. A desqualificação dos pais e particularmente da mãe feita pela tia a todos os níveis (inclusivé profissional);
  3. O facto de, na família nuclear, não surgirem indícios relevantes de dificuldades de estabelecimento de limites ou organização hierárquica nem da gestão da separação/autonomização das filhas;
  4. O facto de, tanto o pai como as relações da família nuclear com a sua família de origem não aparecerem espontaneamente no discurso da família.
Na segunda consulta:
Elaborou-se o genograma da família que é um diagrama visual da árvore genealógica familiar construído em conjunto com a família na sessão terapêutica.
A avó materna é descrita como uma pessoa rígida e controladora que ninguém ousava contrariar. Só a filha mais nova, a tia, se libertava um pouco desse controlo, mas sem a afrontar. Opôs-se ao casamento da filha mais nova e sempre tirou da mais velha a ideia de casar. Falecera há pouco tempo de doença súbita.
O avô materno, reformado de uma profissão contabilísticofinanceira, é descrito como oposto. De origens muito mais humildes, passava o controlo e a tomada de decisões para a esposa. Ainda hoje tem de ser controlado pelos outros o que é um problema para a família.
A família paterna é grande, muito unida, de origem rural. Esta família é desvalorizada pela tia como tendo baixo nível cultural e educativo. Mãe e filhas parecem gostar muito dessa família. No entanto os pais eram bastante rígidos.
A relação entre mãe e tia parece muito difícil: a tia, sempre dentro das normas da família, só estudava, convivia pouco enquanto a mãe era o oposto. Esta parece estar sempre em dívida com a irmã dando a entender que só pôde seguir a sua vida e casar devido à ajuda da irmã. A tia acha que nunca foi recompensada pelo que fez.
No intervalo, os terapeutas reuniram-se e reflectiram sobre a confirmação da rivalidade entre mãe e tia. Surge a ideia de que a tia sempre cuidou de todos sem que os outros, no momento adequado, se importassem muito com isso. Parece importante que a família possa metacomunicar sobre esta problemática.
Na conclusão da sessão: pediu-se que pensassem em conjunto e identificassem algumas pequenas histórias significativas dentro da história familiar que tinham acabado de contar. Poderiam ser alguns dos episódios já contados ou outros. O importante era que em conjunto as seleccionassem.
A sós com a Liliana verifica-se que fez xixi duas a três vezes por semana o que ela associa aos testes escolares.

Pressessão da terceira consulta:
Reavalia-se a hipótese que parece parcialmente confirmada. O problema parece não estar centrado num conflito mãe-tia, mas numa triangulação tia-mãe-PI. A Liliana poderá sentir-se presa num conflito de lealdades agravado pela atitude da tia em relação à família paterna que a PI tanto gosta. O equilíbrio controlo-descontrolo que atravessa toda a história da família materna pode ser a pista para um tópico comum às famílias que permitisse desmontar o jogo e se pudesse transformar num elemento de mudança no sentido do reenquadramento da situação.

Terceira consulta:
A tia faltou. Os presentes dizem ter pensado na tarefa, mas não conversaram nem decidiram que histórias contar.
Foram dados dez minutos a sós aos presentes para conversar sobre o assunto. Já a sós optaram que cada elemento contasse um episódio. Fora da sala, os terapeutas observaram a facilidade de contacto e diálogo entre pai e filhas parecendo que a mãe se colocava um pouco à margem desta interacção.
No intervalo houve oportunidade para a equipa reflectir sobre a confirmação da ideia de que o controlo-descontrolo é importante na família. A Liliana parece ser o elemento mais expressivo na geração mais nova. Seria interessante que a família pudesse metacomunicar sobre este tema.
Depois do intervalo, é-lhes solicitado o cumprimento de uma tarefa ritual. Pede-se que, de forma ritual (cada um à vez, com ordem e tempo determinado) atribuam um nome a cada uma das histórias e dêem três boas razões para se ser controlado e três boas razões para se ser descontrolado. Pede-se a participação da tia.
A sós com a Liliana, verifica-se que a enurese melhorou, mas as notas baixaram; só que já não se preocupa tanto com isso.

Pressessão da quarta consulta:
Transformação/reafinação da hipótese. Emerge a crença da família em que os controlados são infelizes, sem vida própria e destinados a cuidar dos outros. Uma vez que a justificação académica é pouco consistente; parece ser este o destino da Liliana ao ser mandada para junto da tia, ficando separada de uma família feliz.
Para esta família os descontrolados são mais felizes e mais capazes. Para a Liliana manter-se enurética e com descontrolo nos estudos pode ser uma ponte para os descontrolados.

Quarta consulta:
Da esquerda para a direita, em circunferência ficaram: tia, irmã, pai, P.I., mãe, terapeuta 2, terapeuta 1. Aparentam um ar tenso. Cumpriram a tarefa que o pai secretariou e cujos resultados comunica. O controlo aparece-lhes como autocontrolo, enquanto resposta adequada às situações de descontrolo com o objectivo de criar bom ambiente. A mãe acrescenta como causa do descontrolo a insegurança, enquanto a irmã apresenta como exemplo os seus pesadelos e o medo do escuro. O pai encara o descontrolo como fuga a um excesso de controlo sendo assim justificável, se não for por motivos fúteis.
No intervalo, o supervisor admite que a tensão da família não tenha a ver só com a mudança de contexto, mas a própria tarefa. Acha que é de insistir nesta hipótese. Poder-se-á tentar que a família faça estas ligações no sentido de equacionar como os adultos podem ajudar os mais novos a fazer a passagem entre os diversos tipos de descontrolo.

Conclusão da sessão:
Metadiálogo com a família sobre a própria tarefa.
Como foi fazer a tarefa?
Como se sentiram? 
Ficaram a conhecer-se um pouco melhor?

Os terapeutas vão orientando a conversação conforme o planeamento feito no intervalo e a família conclui que todos se descontrolam. Admitem que provavelmente também se podem aprender formas adequadas de descontrolo e que os mais velhos podem ajudar com a sua experiência. Os terapeutas concluem, considerando a evolução de um descontrolo para outro como uma forma de crescimento que poderá ser ensinado e orientado pelos mais velhos.

Pressessão da quinta consulta:
Fazer uma entrevista, mantendo apenas as regras básicas da entrevista familiar. O objectivo é ver agora o tipo de interacção e preocupações espontâneas da família e perceber até que ponto se mantêm centradas na P.I.

Quinta consulta:
Todos concordam que a Liliana apresenta grandes melhoras em relação à enurese. O resto da sessão é ocupado com os projectos e expectativas para férias.
No intervalo, é decidido que na conclusão se marcaria unicamente a próxima e última sessão.
A sós com a Liliana, verificou-se que desta vez não trouxe e não fez a automonitorização. Este facto foi enquadrado como autonomia perante os terapeutas e afirmação do seu autocontrolo.

Pressessão da sexta consulta:
Fazer a avaliação global do processo e avaliar até que ponto a família confirma as mudanças ou se exprime ainda necessidade de ajuda.

Sexta consulta:
Falam que as férias foram boas. Estão preocupados com o novo ano escolar. A tia afirma que vai mudar: vai cuidar de si e fazer o que gosta. A Liliana volta a trazer a monitorização. A equipa decide que a família se propõe enfrentar as novas dificuldades sozinha e conclui o processo afirmando a sua disponibilidade caso voltem a necessitar de ajuda.
Analisando este processo, os terapeutas concluíram que ficou claro a coconstrução de hipóteses e que esse processo permite desafiar as velhas histórias e as hipóteses prévias. Em cada momento desenhando um novo mapa que não é o mapa da família nem o do terapeuta, mas que pode favorecer a mudança do mapa de cada um. A hipótese permite ainda descobrir o padrão que liga terapeutas e clientes, criando o sistema terapêutico e conduzindo por três parâmetros fundamentais da terapia:
Parâmetro ético: entre as histórias do terapeuta, da família e de cada elemento da família deve existir um ajustamento nas experiências, percepções e sentimentos;

Parâmetro estético: esse ajustamento é procurado pelo terapeuta, não através de uma qualquer forma de mimetismo, consenso ou acordo, mas através da variação e diversificação do seu comportamento e das suas histórias. Aqui se encontra a arte do terapeuta;

Parâmetro pragmático: na busca desse ajustamento o terapeuta recorre a várias ferramentas, isto é, aos modelos e técnicas que no momento lhe parecem mais úteis. Os modelos são então fonte de desenvolvimento das hipóteses a introduzir na conversa terapêutica; expandem o leque de alternativas possíveis conquanto não sejam rigidamente encarados como verdades, mas como lentes que proporcionam uma visão útil na situação.

A coconstrução é hipotetização e uma metodologia de mudança coevolutiva, pois não só sustenta a continuidade do processo terapêutico como facilita e promove a mudança do sistema de crenças dos seus principais protagonistas (terapeutas e elementos da família) através da cocriação de histórias que reflectem e (re)criam essas crenças.

PARTE III

10. As Teorias do Comportamento

Após a abordagem da terapia familiar psicanalítica e sistémica considero interessante debruçarmo-nos sobre as várias teorias de tratamento de comportamentos, já que após detectar a causa e o causador dos distúrbios do paciente identificado, urge anular a causa na medida do possível. Em termos de atitudes e comportamentos, parece-me que ninguém tem a veleidade de alterá-los durante um tratamento, mas sim fazer o causador do problema reconhecer que está mal e que provoca o mal-estar na família, no paciente identificado PI) e a si próprio porque com certeza não se sente feliz, pois é prisioneiro da própria rede que talha para os outros.

Ganhando este conhecimento e sendo apoiado pelo terapeuta para fazer uma nova aprendizagem em ordem a ganhar novas atitudes e novos comportamentos, ele(a) próprio(a) irá trabalhando a sua personalidade com vista à mudança e ao reequilíbrio do bem-estar da família.

10.1. As Teorias Behavioristas da Aprendizagem


E. THORNDIKE e a Lei do Efeito (1898)

Na sua formulação, a satisfação do sujeito após uma resposta, aumenta a força de conexão entre estímulo e a resposta. Thorndike constatou que, se este primeiro segmento da sua lei se verificava regularmente, o mesmo não acontecia para o aspecto punitivo. Aqui a punição enfraquece uma resposta de modo irregular ou nem isso. A importância deste facto em terapia:

Uma aprendizagem efectua-se melhor através de um sistema de recompensas do que através de mecanismos punitivos.

V. B. F. SKINNER e o Condicionamento Operante (1972)

A análise de condutas operantes do ser humano põe em evidência um grande número de comportamentos que não foram adquiridos por uma aprendizagem ligada às contingências do meio físico. A criança pode aprender a não se queimar no fogo sem ter de viver a experiência de uma queimadura. Os seus pais ter-lhe-ão dito que o fogo é perigoso e doloroso. Um comportamento de evitamento, que é adquirido verbalmente e sem dor, que é estabelecido por regras próprias da comunidade verbal enquanto que, se aprendesse por se ter queimado, seria uma aprendizagem modelada por contingências. Toda a sociedade tem um grande número de regras: regras morais, religiosas, políticas e administrativas, máximas, provérbios, ... que definem uma cultura.

O que acontece se mudam as contingências, mas não as regras?
Estas podem tornar-se fonte de tensões e de conflitos; por exemplo, as tensões entre gerações têm origem em parte, no facto de que as regras propostas pelos pais não correspondem aos reforços que o adolescente encontra nas contingências quer nas regras transmitidas pelos seus iguais.
A elaboração das regras resulta de uma análise de contingências às quais o indivíduo é exposto directamente ou de um exame dos sistemas que regem essas contingências.
Ao nível individual o ser humano é capaz, graças à linguagem, de uma autodescrição que consiste em tomar consciência (identificar) variáveis que controlam o seu próprio comportamento. É desta autodescrição que ele pode retirar as regras.

10.2. As Teorias Cognitivas da Aprendizagem

Os Modelos Mediacionais da Aprendizagem

Mahoney (1974) define três modelos que cobrem o essencial das pesquisas na perspectiva mediacional:

1 – o condicionamento interno “covert conditioning

2 – o tratamento da informação “information processing”

3 – a aprendizagem cognitiva

O interesse destes três modelos é o de inventariar as orientações de investigação de um modo que simplifique a sua leitura.

1. A maior parte dos behavioristas analisou o universo interno, privado, constituído por pensamentos, imagens, sensações, ... e postulou que obedecia às mesmas leis que os comportamentos públicos, externos.

Se aceitamos este postulado, deveríamos então encontrar estímulos, respostas e reforços internos, privados.

2. As teorias cibernéticas e a evolução da tecnologia dos computadores estão incontestavelmente na base deste modelo que vê o ser humano como um elemento activo entre o input do estímulo e o output da resposta.

Nesta perspectiva o organismo não reage a um meio real no sentido físico do termo, mas sim ao que capta enquanto organismo específico a partir deste meio. O que eu percepciono do universo real é o resultado de uma filtragem, de uma selecção operada por estruturas filogenéticas e ontogenéticas. Esta selecção natural implica a existência de percepções diferentes de um indivíduo para outro a partir de um estímulo externo idêntico. A resposta é o resultado de uma série de modificações exercidas a nível central pelo tratamento da informação.

Categorias de processos que transformam deste modo os estímulos:

  1. A atenção
A atenção é um fenómeno selectivo. O nosso sistema nervoso central é constantemente bombardeado por estímulos de todos os tipos tanto internos como externos. Nós só retemos alguns deles. Se assisto a uma conferência apaixonante, posso não ver a cor do fato do conferencista; não ouvir os meus vizinhos que falam sobre o último jogo de futebol da sua equipa preferida; não sentir o desconforto do lugar em que estou sentado.
Por outro lado, em alguns casos, somos igualmente capazes de exercer um controlo voluntário sobre uma atenção específica. Numa reunião mundana, poderia estar interessado no que se diz num círculo de discussão próximo do meu e continuando a reagir educadamente ao meu próprio círculo de discussão. Isto deve-se à nossa capacidade de executar dois tipos de comportamentos simultaneamente sendo um dos comportamentos, rotina. Posso conduzir um carro ao mesmo tempo que reflicto sobre um capítulo de um livro que estou a ler. Só uma estimulação fora do vulgar me faria abandonar a minha reflexão intelectual para voltar a factos mais terra-a-terra.
A atenção pode também ser determinada por factores ligados às minhas aprendizagens anteriores ou à especificidade de um ambiente. Cada sujeito selecciona deste modo as suas estimulações do mundo exterior em função de uma certa expectativa. O resultado pode ser uma distorção ao nível do segundo mecanismo da informação: a codificação.

  1. a codificação e a descodificação
O nosso cérebro dispõe de uma memória a curto prazo e de uma memória a longo prazo. O limite entre estas duas memórias está muito mal demarcado.
Os principais factores que influenciam a memória a curto prazo são o tempo de exposição significativo a um estímulo, a repetição desse estímulo e a sequência temporal dos estímulos apresentados (numa cadeia de estímulos retemos melhor o primeiro e o último do que os estímulos intercalares). O factor essencial da memória a curto prazo parece ser o próprio sistema de codificação.
Há algumas informações que parecem gravadas para sempre na nossa memória.
O que é que explica que um material seja retido ou esquecido?
Parece evidente que um estímulo ou uma situação que só teve na nossa vida uma existência temporária e pouco significativa se esfume progressivamente da nossa memória. Uma outra forma de esquecer é viver, após uma situação ou após um dos comportamentos emitidos, numerosas situações diferentes que interferem com o armazenamento informacional anterior.
Para Mahoney, a memória por imagens é mais antiga do que a memória que utiliza a codificação linguística. Não poderíamos analisar o facto de, nas fobias a objectos externos, as terapias que utilizam sistemas de imagens objectivas ou subjectivas obterem melhores resultados do que uma terapia estritamente verbal?
  1. A motivação activa e o comportamento.
A nossa história comportamental anterior e as nossas aprendizagens, por observação de condutas dos outros, dão-nos cognitivamente uma imagem daquilo que é bem ou mal, bom ou nocivo, desejável ou indesejável ...
A partir destes padrões autoavaliamo-nos cognitivamente. Servimo-nos de reforços positivos ou negativos consoante analisamos os nossos comportamentos internos e externos como válidos ou não em comparação com estas referências.
As mudanças de comportamento não são só devidas a associações de acontecimentos do mundo exterior, mas também à representação cognitiva que fazemos do nosso universo. Regra geral, só somos sensíveis às consequências concretas dos nossos comportamentos, se constatarmos a relação existente entre os acontecimentos. O terapeuta sabe qual a mudança comportamental importante que pode desencadear no seu paciente só por pôr em evidência as relações causais entre antecedentes e consequentes de comportamentos no plano cognitivo. A percepção cognitiva das contingências do meio é um elemento fundamental para explicar toda uma série de distorções e paradoxos. Uma vez adquirido no plano cognitivo, o comportamento entra numa certa rotina e já não é necessária uma consciência permanente durante a sua execução.
As capacidades cognitivas de que dispomos, permitem-nos resolver a maior parte dos nossos problemas através do pensamento mais do que pela acção directa. Os processos simbólicos, em particular a linguagem, as operações cognitivas e as suas inter-relações são os veículos essenciais do pensamento. Pela manipulação destes símbolos, podemos compreender as relações causais entre acontecimentos, deduzir novas formas de conhecimento, resolver problemas e prever as consequências de uma conduta antes de a iniciar. Assim os processos do pensamento tornam-se progressivamente independentes das suas referências concretas imediatas.
Para Kuhn as ciências evoluem através de paradigmas: o paradigma é um conjunto de leis, de teorias, de aplicações e de técnicas que fornecem à pesquisa científica modelos coerentes aceites por todos.

10.3. O processo terapêutico nas terapias behavioristas

A acção psicoterapêutica deve compreender uma série lógica de operações indissociáveis:
  1. fazer um diagnóstico tão preciso quanto possível a partir dos dados recolhidos;
  2. estabelecer um plano de tratamento tendo em vista atingir objectivos claramente definidos;
  3. avaliar a adequação e especificidade da terapia a partir dos resultados observados.
O modelo proposto por Kanfer e Saslov (1969) tem o propósito de investigar no comportamento as classes de variáveis a partir das quais seria possível determinar os factores actuais que controlam esses comportamentos, os estímulos sociais e fisiológicos assim como os reforços de que estes comportamentos são função. O objectivo desta análise é especificar que comportamentos devem ser modificados, saber em que condições foram adquiridos, conhecer os factores que os mantêm actualmente. Graças a estes dados, poderemos especificar os processos terapêuticos a utilizar para atingir a modificação comportamental. Kanfer e Saslov propõem, para realizar este programa, sete categorias de análise:
  1. Exame do problema específico. Trata-se de precisar, até ao mínimo detalhe, todos os acontecimentos ou situações relativos ao problema: por exemplo a sua frequência, a sua intensidade, a duração, as formas que pode tomar, as situações que o podem rodear ...
  2. Clarificação da situação-problema. Examinar-se-á aquilo que no ambiente do paciente concorre para manter o comportamento-problema assim como as consequências que este comportamento pode ter no próprio meio e no paciente.
  3. A análise motivacional. O seu objectivo é precisar aquilo que para um dado indivíduo, em função de uma história pessoal única, constitui um reforço (quer seja positivo ou negativo). A lista de reforços assim obtida será, em seguida, utilizada como alavanca terapêutica.
  4. Análise desenvolvimentista. O terapeuta fará um exame preciso do passado, tanto biológico como sociocultural, do paciente, das condições específicas nas quais ele evoluiu ao longo da sua existência.
  5. Análise do autocontrolo. Visa conhecer os meios e a importância dos métodos de que dispõe o paciente ao nível do seu autocontrolo na vida do dia-a-dia. Da mesma maneira, procurar-se-á saber quais foram as consequências positivas ou negativas deste autocontrolo noutras circunstâncias.
  6. Análise das relações sociais. O exame não dirá só respeito à sociabilidade geral do paciente, mas também à influência que ele próprio exerce sobre as pessoas significativas do seu meio ou inversamente até que nível estas podem influenciar o seu comportamento. Isto permite fazer uma ideia precisa das contingências sociais nas quais o paciente é levado a evoluir.
  7. Análise do meio sociocultural e físico. Tem por objectivo analisar o paciente nas suas possibilidades e limitações em relação às normas-padrão nas quais ele evolui.
Como salientam Ulmann e Krasner (1969), na realidade prática quotidiana, o terapeuta behaviorista interessa-se por aquilo que o seu paciente faz ou não faz, pelo problema que o levou a consultá-lo. Uma vez posto este problema, o terapeuta tentará conhecer as condições em que este comportamento aparece ou não aparece. Consoante a natureza do problema apresentado, seleccionará as fontes de informação que lhe parecerem pertinentes em relação a esse problema. Depois tentará reformular em termos comportamentais os acontecimentos que lhe acabam de ser descritos. A partir daqui escolherá um tratamento.
A entrevista continua a ser a ferramenta fundamental de análise. Penso que cada terapeuta estabeleceu ao longo do tempo o seu próprio esquema de anamnese. A atitude do terapeuta behaviorista na sua anamnese é directiva. O comportamento do terapeuta é o de um ser humano que investe juntamente com um dos seus semelhantes na resolução de um problema. É uma relação de ajuda, de contacto terapêutico no qual se envolve aceitando a sua parte de responsabilidade tanto no insucesso como no sucesso.
Qual a qualidade das informações recebidas?
Elas dependem de uma série de variáveis. Da parte do cliente: a sua inteligência, o seu estado emocional na situação de entrevista, a percepção cognitiva que tem de si próprio que o levará a seleccionar e a modificar a informação, a sua motivação ...
Da parte do terapeuta: o seu grau de empatia que dá confiança ao paciente e o tranquiliza, a constante vigilância dos pormenores que podem ser cruciais, a sua avaliação das distorções cognitivas das afirmações do paciente, ... É aqui que se faz o verdadeiro trabalho clínico; aquele que, apesar de todas as contribuições teóricas e técnicas, permanece o mais individualizado.
Cada terapeuta tenta assegurar um enquadramento teórico que o leva a uma interpretação do que se passa no decurso da sua terapia elaborando um esquema descritivo da evolução do tratamento. Esta esquematização não pode ser feita sem que se estabeleça uma escolha relativamente aos factos que são retidos. A análise do resultado estabelece-se geralmente sobre uma impressão global que se supõe confirmar ou infirmar a interpretação. Esta prova do resultado, seja ele positivo ou negativo, repousa unicamente nas pressupostas capacidades do terapeuta para integrar os fenómenos nos quais teve um papel.

11. Relações terapêuticas

Kanfer e Goldstein (1975) definem cinco objectivos terapêuticos fundamentais que se retiram da diversidade dos problemas postos ao terapeuta:
  1. Reduzir o sofrimento ligado aos fenómenos subjectivos ou objectivos das emoções;
  2. Obter uma mudança num problema comportamental particular;
  3. Mudar o modo de vida do paciente, não somente por uma modificação dos seus comportamentos, mas igualmente agindo sobre as contingências do seu meio;
  4. modificar as distorções cognitivas que o indivíduo possa ter sobre si próprio e sobre os outros;
  5. Ajudá-lo a compreender os motivos das suas dificuldades e das perturbações emocionais que a acompanham;
  6. Tratar os sintomas funcionais e somáticos quando a intervenção dos factores psicológicos nestes é claramente posta em evidência. 
A relação terapêutica é também uma relação humana na qual o comportamento do terapeuta, enquanto indivíduo específico, vai ter um papel importante.

Quais são os parâmetros essenciais da relação terapeuta-paciente que acrescem a eficácia dos meios terapêuticos?

1) A preparação do paciente para a relação terapêutica.

Há dois argumentos que determinam a decisão de uma pessoa ir a uma consulta: a competência e a amabilidade.

2) A competência do terapeuta na relação

As experiências provam que, na nossa sociedade, seja qual for a idade ou a classe social, existe nos pacientes um conservadorismo evidente. Assim os resultados de uma mesma estratégia terapêutica serão melhores se o terapeuta se fizer tratar por professor ou por doutor e ele será mais eficaz se a sua lista de espera for longa e os seus honorários elevados.
Schmidt e Strong (1970) demonstram que, para além dos atributos externos que envolvem o psicoterapeuta, o paciente é fortemente influenciado pelo comportamento observável do terapeuta, comportamento a partir do qual deduz a maior ou menor competência deste pela sua observação.

- A pessoa competente é interessada, mas descontraída;

- Não é nem familiar nem arrogante;

- Tem uma expressão de rosto amigável, móvel e que varia em função do discurso do outro;

- Quando fala, fá-lo com segurança;

- As suas questões não são postas ao acaso, seguem uma linha lógica;

- Não interrompe constantemente, mas consegue levar rapidamente o diálogo para o centro do problema.

3) O conhecimento do paciente

Conhecer um paciente é também chegar à vivência emocional na qual se desenvolve este conjunto de factos e de situações.
A empatia não requer do terapeuta uma participação nas emoções do seu paciente, isto é simpatia. A empatia implica, no mínimo, da parte do terapeuta, uma vontade de compreender as dificuldades com as quais se debate o seu paciente a partir das perturbações de comportamento que exprime. O terapeuta empático tenta, através das informações que lhe são fornecidas, exprimir ou ajudar o paciente a exprimir os seus sentimentos de um modo que ultrapassa frequentemente as possibilidades de verbalização a que o indivíduo pode chegar espontaneamente. A empatia permite ao paciente e ao terapeuta construir uma espécie de conivência, na qual o primeiro percebe claramente que o outro compreendeu o seu problema e a sua preocupação. Neste momento, o terapeuta atento constata uma verdadeira viragem na relação: esta mudança exprimir-se-á quer por uma mudança na atitude exterior que se torna menos crispada, mais confiante quer através de frases tais como “ao menos o senhor compreende-me”; “acho que hoje foi uma boa sessão”; “acredito que realmente me resolverá o problema”; ...
A partir de agora é possível estabelecer estratégias de acção com o máximo de hipóteses de sucesso.

4) Relação humana e psicoterapia
O psicoterapeuta, sejam quais forem as suas concepções pessoais no plano dos conceitos filosóficos, políticos, morais, ... aceita o paciente tal como ele é e sem julgamento de valor, sem condições prévias. Isto não significa que seja obrigado a estar de acordo com as opções cognitivas do paciente, mas sim que introduza na sua relação um respeito pelo outro, um esforço máximo de compreensão, uma vontade sincera de ajuda, uma espontaneidade no diálogo.
Quando um terapeuta prova a sua empatia; quando estabelece uma relação humana calorosa, ele realiza uma psicoterapia mesmo que não tenha utilizado técnicas e métodos estruturados.

12. O Treino Assertivo

Os problemas assertivos cobrem todas as dificuldades que um indivíduo possa sentir em emitir comportamentos sociais adequados. O sujeito assertivo não consegue ou tem dificuldade em defender-se, em defender pessoas do seu ambiente ou em defender as suas ideias face a outras pessoas. Não consegue ou tem dificuldade em exprimir os seus sentimentos sejam eles positivos (amor, amizade,...) ou negativos (incapacidade de dizer não, de exprimir uma agressividade justificada e comedida ...) de um modo habitual. Sente-se pouco à vontade no contacto com os outros.
O indivíduo não se torna socialmente incompetente porque é ansioso, mas torna-se ansioso porque não adquire a competência desejada.
As técnicas mais usadas na asserção social são:

1. Dessensibilização sistemática

A Técnica de Wolpe (1958) – comporta dois elementos: a segmentação da situação ansiogénica numa série de etapas indo gradualmente da menos ansiogénica para a que desencadeia as reacções emocionais mais intensas. A prática deste método comporta três tipos de operações:
    1. O estabelecimento de hierarquias de estímulos ansiogénicos em relação a uma situação bem definida através de uma anamnese detalhada;
    2. A escolha e a aquisição de uma resposta de não-ansiedade supostamente antagónica;
    3. A dessensibilização sistemática por inibição recíproca que é a fase activa do tratamento.
A alternância das fases de concentração do sujeito nas situações ansiogénicas evocadas de um modo imaginado e nas fases de repouso criadas pelo relaxamento ou por imagens agradáveis sem relaxamento. Esta alternância constituirá uma espécie de entretenimento que permite ao indivíduo adquirir uma forma de controlo sobre a situação ansiogénica.

A exposição voluntária a uma situação de não-evitamento.

O paciente nunca recebe informação sobre as consequências de um comportamento de não-evitamento de situações ansiogénicas na medida em que as evita sistemáticamente. A técnica de Wolpe ensina-lhe a confrontar estas situações.

2. Técnica de ensaio de atitudes (role-playing)

Nesta técnica o paciente com o terapeuta ou outro paciente aprende a desempenhar um papel definido a partir de situações específicas que se deduzem da análise das suas dificuldades.
As técnicas de ensaio de atitudes introduzem os diversos modelos de aprendizagem. Um ensaio de atitudes deve ser precedido de uma análise funcional extremamente detalhada das situações-problema do paciente assim como dos diversos registos comportamentais que é capaz de emitir.
É a partir desta análise que o terapeuta estabelecerá um certo número de objectivos que servirão de temas ao ensaio de atitudes. Este pode ser realizado no gabinete do terapeuta ou in vivo. O terapeuta hierarquiza as situações de modo a que o paciente receba reforços positivos em número suficiente. Também pode ser proposto em grupos terapêuticos em que se dará a cada um dos protagonistas um papel definido em função dos seus próprios problemas.
Esta técnica foi usada principalmente no treino da competência social.
A qualidade dos resultados obtidos depende do valor da análise funcional que foi estabelecida assim como da competência do terapeuta em utilizar as diferentes leis das teorias da aprendizagem.

3. Aprendizagem através de modelos (modeling)

Nesta técnica, o paciente visualiza através de imagens o comportamento de um outro em situações que lhe causam problema.
O comportamento pode ser modificado ou adquirido pela observação do comportamento de outra pessoa. Quando um indivíduo observa os comportamentos de um outro, aprende os comportamentos do modelo (fase de aquisição). Neste período a aprendizagem estabelece-se sem que sejam necessários reforços externos e sem o indivíduo passar à prática os comportamentos que acaba de observar.
À fase de aquisição sucede a fase do desempenho durante a qual o indivíduo vai emitir os comportamentos que aprendeu por observação

Quais são, para Bandura, os mecanismos de acção da aprendizagem por modelagem?

Antes de mais o observador pode aprender comportamentos que nunca emitiu antes; é a verdadeira aprendizagem por observação. A aprendizagem por modelagem pode ter um efeito desinibidor sobre um comportamento que o observador já não pode emitir devido por exemplo a uma certa ansiedade ou um efeito inibidor sobre o comportamento que emite ou deseja emitir e que se considera como indesejável por exemplo o tratamento de uma fobia em que o indivíduo reaprende por modelagem a aproximação ao objecto fóbico. Bandura insiste que a noção de modelo se pode alargar também a comportamentos verbais, simbólicos, à aprendizagem de regras comportamentais ...
O modelo deve ser logicamente competente no comportamento que desejamos ensinar ao sujeito. De todas as maneiras esta competência não deve ser muito grande, tornando o modelo inacessível para o observador. De um modo geral, deve, em toda uma série de reportórios comportamentais, estar tão próximo do observador quanto possível. Noutros termos, o modelo deve estar um ou dois passos à frente em relação ao observador.
Por último o modelo deve criar no paciente um sentimento de simpatia.
Quando o observador está na fase de aquisição, é necessário velar para que os comportamentos emitidos pelo modelo não desencadeiem no sujeito uma reacção emocional demasiado forte. Se isto acontecer, torna-se incapaz de realizar uma observação adequada ao modelo. Assim utilizam-se situações hierarquizadas ou métodos para reduzir a ansiedade do paciente.

Ritter (1968-9) desenvolveu uma técnica de aprendizagem por modelagem de um tipo particular a que chamou participant modeling (modelagem de participação) na qual o terapeuta desempenha o papel de modelo. Depois de ter descrito e mostrado o comportamento a adquirir, guia e participa com o paciente na aquisição do comportamento desejado. Este tratamento revelou-se positivo especialmente com problemas fóbicos.
No plano experimental a aprendizagem por modelagem foi utilizada principalmente na aquisição de condutas sociais, na redução de respostas emocionais, na aprendizagem de comportamentos diversos em crianças deficientes mentais, no tratamento do autismo e em certas psicoses.

4. Shaping operante das respostas

O método shaping é um treino que, por aproximações sucessivas do comportamento, selecciona condutas cada vez mais próximas do fim fixado pelo terapeuta. É um método reservado a problemas muito particulares como o tratamento do autismo, a aquisição de aprendizagens específicas no débil mental e no psicótico ou a reeducação de pacientes que perderam a maior parte dos seus reportórios comportamentais depois de uma lesão cerebral pós-traumática, por exemplo. É um método muito lento e difícil.
O papel do terapeuta como agente reforçador na relação psicoterapêutica é fundamental.
Um treino assertivo seguirá rigorosamente um certo número de etapas:

a) Análise funcional bastante detalhada de todas as situações sociais nas quais o sujeito sente dificuldades. Estas situações serão organizadas de um modo hierárquico, partindo das menos ansiogénicas para as mais angustiantes.

b) Em cada uma das situações e seja qual for a técnica utilizada o terapeuta deve imaginar com o seu paciente o maior número de possibilidades de interacções sociais assim como o máximo de respostas tanto verbais como não-verbais que o paciente poderá emitir em resposta a estes estímulos.

c) Quando o treino por imaginação chega a um determinado estado, o terapeuta propõe ao paciente passar à acção na vida real partindo sempre das situações mais simples. Os resultados obtidos serão comentados e discutidos na sessão seguinte para pôr em acção a fase ulterior. O terapeuta reforçará socialmente os resultados positivos obtidos e banalizará os insucessos objectivos ou subjectivos descritos pelo paciente.

d) Seja qual for o nível do desempenho a que o paciente consiga chegar, é inevitável que certas situações não sejam ultrapassadas com toda a competência desejada. O terapeuta terá de ajudar o paciente a aceitar certos insucessos objectivos desencadeados pelo treino de inserção social.

O terapeuta behaviorista actual não trata de um problema com dessensibilzação sistemática ou técnicas assertivas. Pratica uma psicoterapia complexa em que essas técnicas eficazes se integram numa abordagem bastante mais geral, visando eliminar não somente o conjunto sintomático, mas também as causas dessas perturbações. O psicoterapeuta considera que o sintoma é um simples revelador de um problema subjacente representando em si um reportório de comportamentos a tratar como tal.
Quanto às causas, o psicoterapeuta procura as origens nas contingências do meio, na organização funcional das aprendizagens desviantes, nas percepções cognitivas erróneas.
Assim causas e consequências, fundo do problema e sintomas não são mais do que elos de cadeias de condutas controladas pela história comportamental anterior, pelas interacções entre sujeito e meio, pela organização de diferentes sistemas cognitivos. O tratamento que daqui advirá, será uma procura de estímulos susceptíveis de controlar um comportamento, uma aprendizagem de novas condutas, uma supressão de condutas desviantes, uma correcção de cognições erróneas, uma aprendizagem de autorregulações complexas ...

13. As Terapias Operantes

CONTRACONDICIONAMENTO
Uma primeira táctica para eliminar uma resposta indesejável é aumentar a força ou frequência de um comportamento adaptado que seja incompatível com a conduta inapropriada. É o procedimento do contracondicionamento.
Suprimir um comportamento sem dar resposta alternativa, susceptível de levar a reforços positivos, dá origem quer a recaídas rápidas quer a sintomas de substituição por défice comportamental ou por insuficiência de reforços, o que não deixa de apresentar algum perigo.
O contracondicionamento permite agir indirectamente sobre uma conduta indesejável mesmo quando os acontecimentos que reforçam esta conduta não são acessíveis à terapia. Becker e outros (1967) demonstraram que, numa classe, o facto de o professor não prestar atenção aos comportamentos indesejáveis dos seus alunos, os aumentava bastante devido à acção intermediária dos reforços positivos que os alunos distribuíam entre si. Pelo contrário, combinar o ignorar dos comportamentos de indisciplina com o reforço positivo das respostas de trabalho e de atenção tem um efeito espectacular.
Outra técnica para reduzir ou suprimir certos comportamentos: a extinção. Muitos comportamentos desadaptados são reforçados e mantidos pela atenção que lhes é dada por exemplo o comportamento colérico na criança e condutas neuróticas nos adultos. A técnica extinção raramente se instala de um modo regular. Muitas vezes a extinção começa com um aumento paradoxal do comportamento que desejamos eliminar devido a reforços sociais e internos que escapam ao controlo do terapeuta. Esta resistência depende de muitas variáveis entre as quais o número e intensidade dos reforços ligados ao comportamento que queremos eliminar. É necessário associar esta técnica a reforços positivos de outras condutas. É importante ter sempre em mente que o comportamento está sob o controlo do meio e o meio também é controlado pelas condutas do indivíduo.(Bandura,1974)

14. A Reestruturação Cognitiva

Albert Ellis (1957, 1968) criou o método terapêutico Rational-emotional-therapy (terapia emotivorracional ou reestruturação cognitiva) que visa corrigir as distorções cognitivas que os seus pacientes formulavam desde a necessidade de ser sistematicamente aprovado pelos outros, a incapacidade de tolerar um fracasso sectorial sem ter a impressão de que ele implica a totalidade da pessoa, a convicção de que as dificuldades que se encontram são sempre devidas a causas exteriores a si próprio, a ideia de que se é irremediavelmente prisioneiro do seu passado ...
A reestruturação racional sistemática (sistematic rational restructuring) deve compreender quatro etapas:
  1. A apresentação do tratamento: o terapeuta, sem discutir o problema específico do paciente, explicita, através de exemplos simples, de que maneira ideias preconcebidas podem determinar ou modificar os sentimentos e os comportamentos. Os autores M. e A. Goldfried (1975) insistem no facto de ser importante demonstrar ao paciente que este tipo de reacção se pode ter tornado automático, não necessitando já de passar por um raciocínio consciente.
  2. Depois do paciente ter assimilado o princípio geral do método, o terapeuta examina com ele as principais dissonâncias cognitivas que se podem encontrar tais como as anteriormente mencionadas. Nesse momento, o próprio paciente dará exemplos de distorções cognitivas que constatou noutros ou em si próprio.
  3. Após traduz-se em termos racionais as dificuldades específicas do paciente. Através desta dialéctica o terapeuta tenta com o paciente reparar as dissonâncias que aparecem a este propósito e de as ligar às diferentes classes que foram descritas na fase precedente.
  4. A fase final consiste em propor ao paciente a prática desta análise nas diversas circunstâncias da sua vida diária, propondo uma hierarquização de situações tal como é feita na dessensibilização sistemática. É possível utilizar também cenas imaginadas como nos processos de ensaio de atitudes.
Esta técnica implica que o indivíduo atinja uma autodescrição pormenorizada das suas condutas e uma consciência de certos automatismos de pensamento que controlam diversos comportamentos. O controlo das condutas retomado pelos mecanismos conscientes permite uma reorganização, uma modificação de certos conceitos remodelando a inter-relação entre o indivíduo e o meio.

15. A resolução de problemas (problem solving)

Embora resolvamos regularmente vários problemas, nem sempre é evidente que a solução adoptada seja a melhor. As reacções inadequadas a situações problemáticas estão na base de muitas perturbações mais ou menos importantes.
As pesquisas a este nível centram-se principalmente no exame dos conceitos e processos ligados ao fenómeno da resolução de problemas. Deste modo os investigadores estudaram o papel da percepção, tentaram decompor os processos de raciocínio lógico e o seu desenvolvimento, propuseram modelos matemáticos de escolha lógica, examinaram o fenómeno da criatividade ...
Actualmente todos conhecem a técnica do brainstorming desenvolvida por A. Osborn (1963). Para este autor os travões essenciais à resolução de problemas e à criatividade são os receios de emitir uma opinião não pertinente e ser criticado pelos outros. Consequentemente as regras essenciais do brainstorming serão a exclusão de toda a crítica dos outros ou de si próprio, o encorajamento a emitir ideias e soluções fora de qualquer controlo formal e a procura de múltiplas soluções alternativas.
D’Zurilla e Goldfried (1971) decompõem o método da Solução de Problemas em cinco etapas:
  1. Orientação geral: os terapeutas explicam ao sujeito as grandes linhas do método e mostram-lhe, através de exemplos simples, que as situações em que têm de resolver um problema são frequentes e fazem parte da vida normal. Trata-se de reconhecer a existência do problema, de pensar que existe provavelmente uma solução adequada e que é necessário evitar toda a ausência de solução ou reacção impulsiva. A tomada de consciência do facto de que um problema a resolver se põe num dado momento não é tão evidente como parece; frequentemente o sujeito só se dá conta indirectamente pelo mal-estar que acompanha a indecisão.
  2. Definição e formulação do problema: as soluções problemáticas da existência não são necessariamente definidas de um modo claro. Basta interrogar um paciente para ver como a sua análise permanece frequentemente vaga e abstracta. O exame funcional que é elaborado debruça-se tanto sobre as reacções emocionais do indivíduo como sobre as situações que as desencadeiam. Idealmente, no fim desta segunda etapa, o problema deve estar claramente definido em todos os seus parâmetros.
  3. Procura de soluções alternativas: M. e A. Goldfried (1975) inspiram-se na técnica do brainstorming. O paciente deve libertar-se de todo o julgamento de valor a propósito das soluções que propõe; deve deixar correr a fantasia o mais livre possível sem se preocupar em saber se as soluções que descobre são boas ou más, possíveis ou não. Quantas mais soluções evocar mais hipóteses terá de propor boas soluções.
  4. A decisão: a partir da lista de soluções que foram descobertas, o paciente examina criticamente cada uma delas: quais são as suas possibilidades objectivas de escolher com mais hipótese de sucesso esta solução do que outra; quais podem ser as consequências no plano pessoal, social, a curto prazo, a longo prazo, ... da sua escolha? Uma vez escolhidas as soluções, o paciente, com a ajuda do terapeuta, procura a melhor táctica para chegar ao resultado desejado. M. e A. Goldfried propõem que se utilize também aqui o método de brainstorming. É evidente que certas situações-problema não têm boas soluções. Assim se as reacções de um paciente são consequência de uma doença grave ou perda de uma pessoa querida ... não se tratará de ensinar ao indivíduo a resolver problemas, mas sim de analisar com ele as soluções mais adequadas a essa situação.
  5. Verificação: enquanto o treino para resolução de problemas se desenvolve essencialmente a nível cognitivo, a etapa seguinte já será a aplicação ao vivo da solução escolhida e da táctica adoptada. O terapeuta continua a ajudar o paciente neste momento; assim se a solução se mostra inadequada ou só parcialmente adaptada, se se esbarra contra uma dificuldade inesperada, examina-se outra solução sob o mesmo esquema terapêutico.
Saliente-se que o método sistematiza a sua abordagem e tenta dar ao sujeito o máximo de liberdade na escolha. Não se trata de dar ajuda em forma de conselhos baseados no bom-senso ou nas opções pessoais do terapeuta. O objectivo é treinar o indivíduo a partir de um problema particular, a considerar todas as soluções libertando-se de constrangimentos quer reais quer subjectivos, a raciocinar sobre cada solução, a fazer uma escolha, a testá-la e a avaliar os resultados. O treino na resolução de problemas tem como objectivo levar o indivíduo a apreender, a examinar e a resolver melhor, de um modo geral, a multiplicidade de situações que durante a sua existência exigem um raciocínio lógico e flexível, uma decisão que exclua ao máximo o acaso e uma acção ordenada.
O método implica muitas variáveis e processos que até agora foram pouco submetidos a uma análise experimental sistemática. Tal como a reestruturação cognitiva, poderíamos revelar a intervenção de diversos modelos teóricos para explicar o processo terapêutico. Temos a certeza de que o método é eficaz para um certo número de indicações e que os resultados obtidos são, por vezes, generalizáveis a outras situações problemáticas.

16. Ética e Terapias Comportamentais  

Na elaboração de uma sociedade mais justa, os que estudam o comportamento humano têm o seu papel:
  • aumentar o conhecimento das regras que regem as condutas para chegar um dia a um conjunto estruturado que se poderá integrar com outras abordagens reformadoras;
  • denunciar a utilização inadequada e abusiva das leis da aprendizagem de que as sociedades se servem empiricamente desde sempre com rara habilidade e frequentemente com a ignorância da maioria das pessoas.
No entanto isto não permite ao psicoterapeuta, como a todos os que exercem a arte de curar, esquecer o dever que tem de responder ao pedido de ajuda imediato.
Como pessoa, o terapeuta behaviorista é um membro de um determinado sistema sociocultural. De acordo com os dados das suas experiências, admite que, ele próprio, é influenciado no seu trabalho pelas suas concepções ideológicas.
Os meios de acção de que dispõe permitem-lhe sem dúvida ser normalizador, mas também reforçar a autonomia do sujeito, alargar o seu reportório comportamental, favorecer a sua criatividade, ...
Alguns inquietam-se com o modo como poderiam ser utilizados os métodos de controlo do comportamento humano, tanto a nível individual como grupal, postos em evidência pelas pesquisas. O facto científico é eticamente neutro no sentido em que tem potencialidades para ser utilizado para bons e maus fins. A partir de leis que regem o comportamento, podemos descrever o modo de atingir um objectivo, mas nunca são essas leis que definem os fins.
A regra ética fundamental será a de servir os interesses do paciente e não os imperativos do meio. O objectivo do terapeuta é tentar inserir o paciente no melhor das suas capacidades na microssociedade em que vive. Ainda bem se o resultado satisfaz toda a gente!
Se o problema do objectivo procurado numa terapia pode, por vezes, parecer fonte de dificuldades, serão frequentemente os meios utilizados para o atingir que estarão no centro do exame das regras éticas.(Kazdin,1978)
Mais próximo do nosso propósito está a noção de controlo de comportamentos que, a muitos, parece estar em antítese com o conceito de liberdade do ser humano. Se admitimos que as nossas condutas são controladas pelas nossas experiências passadas e presentes, pelo ambiente objectivo e subjectivo no qual nos situamos, como apreende o terapeuta behaviorista a noção de liberdade?
Um indivíduo é tanto mais livre quanto mais os constrangimentos do meio externo e interno são reduzidos e quanto mais alargado for o seu reportório comportamental. A noção de liberdade não implica a supressão de controlos, mas uma melhor adequação desses controlos permitindo ao sujeito o máximo de escolhas possível num determinado contexto. É evidente que a noção de “controlo adequado” implica uma escolha na qual o terapeuta arrisca fazer intervir as suas próprias concepções. Este perigo real pode ser largamente controlado se forem seguidas algumas regras paradigmáticas simples:
  1. Anteriormente à aplicação de qualquer estratégia terapêutica, deve ser estabelecida uma análise funcional detalhada do paciente, do seu quadro sociocultural e das suas referências filosóficas e morais ... O conteúdo da estratégia deve ter em conta estes dados.
  1. Os objectivos do tratamento limitar-se-ão às condutas que perturbam o sujeito ou que constituem um risco para aqueles que o rodeiam.
  1. O terapeuta, na sua relação com o paciente, integrará a sua acção no contexto de um contrato implícito ou explícito (Ayllon e Skuban, 1973) cujos termos essenciais são empatia, respeito pelo outro, definição dos limites da intervenção.
“Os psicoterapeutas têm um papel importante a desempenhar e geralmente procuram fazê-lo correctamente. À medida que as suas capacidades de controlar e manipular o comportamento aumentam, o carácter moral do seu empreendimento torna-se mais visível e embaraçante. Ao mesmo tempo o seu conhecimento do ser humano melhora e as suas regras morais são mais defensáveis. Quando chega a este estado, a sua competência profissional será indiscutível e reconhecida e a sua capacidade de servir as pessoas, individualmente ou em sociedade, tornar-se-á preciosa.”(London, 1969)
Se o movimento das terapias comportamentais está longe de ser unitário no plano teórico guarda, através das suas diversidades, uma coerência interna: a que lhe é dada pela convicção de que é pela metodologia científica, tal como é praticada por todas as outras ciências naturais, que o conhecimento do comportamento humano poderá progredir. Por metodologia científica entende-se um processo de pensamento racional a não confundir com certos procedimentos ou métodos experimentais particulares. 
O efeito terapêutico de certos métodos precede a compreensão do terapeuta do porquê desse efeito. Deve-se prosseguir a criação e o ensaio de novos métodos sem ter necessariamente a explicação da sua acção. Este esforço de criatividade, controlada pela experimentação e enquadrada pelas regras éticas, é próprio da acção clínica.
Todos os métodos, estratégias e tácticas utilizadas pelo psicoterapeuta só podem chegar a uma modificação estável dos comportamentos se respeitarem estas duas condições:
    1. O sujeito, a partir das suas aprendizagens, aceita controlar-se segundo os modelos aprendidos ao longo da terapia;
    1. O tratamento permite que o paciente chegue, no seu diálogo interno, a uma análise diferente e mais adequada da sua relação consigo próprio e com o mundo exterior.
Já não se trata só de ajudar o sujeito a reduzir as suas perturbações emocionais, a suprimir ou reforçar um comportamento e a elaborar reestruturações cognitivas. Trata-se de abordar o estudo dos meios de que dispõe o paciente para efectuar a passagem da relação psicoterapêutica para a vida real. A relação psicoterapêutica culmina no ideal da relação psicológica: o acesso do paciente à autonomia através de uma manipulação selectiva do seu próprio meio em oposição a outros tipos de controlo externo.

Conclusão

Assim se viajou pela terapia familiar e individual. Este trabalho foi muito proveitoso para mim e ajudou-me a encontrar-me, a conhecer-me e orientar-me muito melhor na vida.
Neste trabalho verificou-se que os últimos cinquenta anos têm sido de boom nesta área, no entanto muito poucas certezas há e muito ainda há para aprender. Também se sabe que não há um método milagroso nem um especialista guru sobre esta matéria, mas domina a humildade e a vontade de uma aprendizagem mais profunda dos vários métodos para uma combinação acertada e bem ordenada para cada caso e patologia.
Parece-me que ainda há muito para conhecer e aprender sobre a complexidade do ser humano, mas o terceiro milénio ainda agora chegou ...
Quanto mais nos conhecermos e nos abrirmos a querer conhecer mais e mais sobre o ser humano e sobre cada um de nós, menos doenças sofreremos; mais saudáveis e mais felizes seremos.
Algo que ficou provado é que o terapeuta ajuda, é essencial para desbravarmos o nosso caminho, mas a mudança tem de ser desejada e querida pelo paciente e ele próprio tem de investir o máximo de si mesmo na mudança, na procura de um novo caminho, na vontade de uma nova caminhada. Sem isso os terapeutas não conseguem ter sucesso. É assim que somos. A liberdade da/e escolha são de cada um. Deus propõe; cada um de nós escolhe ... e assume as consequências da sua escolha. É assim que Deus nos fez e faz: cidadãos livres e obedientes de livre vontade à Sua Lei – Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei – transmitiu-nos e transmite-nos Jesus Cristo.
Isto é o essencial; é a Essência.

BIBLIOGRAFIA

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MEYER Luiz, Família – Dinâmica e terapia, Volume I, Colecção ALTER EGO, Lisboa, Edições SALAMANDRA, Junho 1987;

MINUCHIN, S.; FISHMAN, C. H. (1988). Tecnicas de terapia familiar. Barcelona, Paidos. Edição original, 1981;

MORIN, E.,(1992). Introduction à la pensée complexe. 4 ed., Paris, ESF., edição original, 1990 ;

RELVAS Ana Paula, Conversas com famíliasdiscursos e perspectivas em terapia familiar, nº de edição: 683, Volume 19, Biblioteca das Ciências do Homem, Porto, Edições Afrontamento, Outubro de 1999;

SAMPAIO Daniel, GAMEIRO José; Terapia Familiar, 2ª edição, nº de edição: 233, Volume 7, Biblioteca das Ciências do Homem, Porto, Edições Afrontamento, 1992;

SAMPAIO Daniel; Vozes e ruídos – diálogos com adolescentes, 2ª edição, Colecção Nosso Mundo, Lisboa, Editorial Caminho, Junho de 1993;

RELVAS Ana Paula, Por Detrás do Espelho – da teoria à terapia com a família, s/ edição, Volume III, Colecção PSICOLOGIA E SAÚDE, Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra, Quarteto Editora, Maio de 2000.


Os meus filmes
1.º – As Amendoeiras em Flor e o Corridinho Algarvio.wmv           http://www.youtube.com/watch?v=NtaRei5qj9M&feature=youtu.be
2.º – O Cemitério de Lagos
3.º – Lagos e a sua Costa Dourada

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