sábado, 31 de dezembro de 2011

Boas Festas 2011



Venho desejar-vos que a festa do Natal tenha sido passada com muita alegria, saúde, paz e amor e toda a época natalícia o seja também e desejo o mesmo para a Passagem do Ano e que o Novo Ano de 2012 seja melhor do que este que está a terminar. Tudo de bom!
Saudações em Jesus Cristo e Maria
Maria Figueiras

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

0 Legado da minha mãe


Lagos, 08 de Dezembro de 2011

Hoje - Dia da Nossa Senhora da Conceição – quero dar-vos a conhecer o legado que a minha mãe que, com a graça de Deus ainda está entre nós, nos tentou transmitir desde pequenos até quando o passou a escrito.

Ela estava sempre a contar-nos estas estórias informando-nos que eram estórias que o seu pai, nosso avô materno, lhe contava quando ela era pequena e, à noite, depois do trabalho, ele a sentava no seu colo e ela as ouvia embevecida.

Era um património da família que ela nos queria transmitir, mas nós não compreendíamos e, na adolescência, ela começava a nos contar estas estórias e nós dizíamos: - Essas estórias já as ouvimos muitas vezes.

Na verdade, nenhum de nós era capaz de as repetir, apesar de as ouvirmos com bastante frequência, reconhecíamo-las sempre que ela as recomeçava e não percebíamos a sua intenção até que no ano de 2001, depois de passados cerca de quarenta anos, eu lhe disse: - Vá, tome este caderno e passe as suas estórias a escrito. Eu passo-as ao computador, imprimo-as e põe-se capa de livro e a mãe oferece um livro a cada um dos filhos.

Ela aceitou a ideia e assim se fez. Nunca mais ela voltou a repetir estas estórias. Tinha passado o seu legado. Estava feliz, tranquila e em paz. Nenhum de nós, durante cerca de quarenta anos, tinha compreendido o seu objectivo e nunca teríamos sido capazes de transmitir este legado às gerações vindouras.

AS ESTÓRIAS QUE O MEU PAI ME CONTAVA

A Adivinha
Vou tentar contar a estória de um rapaz muito pobre e também um pouco atrasado mental que em tempos viveu em Portugal.

Há muitos anos atrás havia em Portugal a monarquia. No tempo deste rapaz os reis tinham poder absoluto. Um destes reis tinha uma filha muito inteligente, pois conseguia decifrar todas as adivinhas que lhe contavam. Chegou a altura em que na corte já ninguém sabia adivinhas que a princesa não conhecesse. Então o pai espalhou um edital por todo o país e arredores informando que se algum rapaz fosse capaz de colocar à princesa uma adivinha que ela não conseguisse decifrar, casaria com a princesa, pois certamente seria também inteligente.
Apareceram muitos rapazes, vários príncipes e ela a todos soube dar resposta adequada à adivinha proposta.
Um dia o herói desta estória soube do edital e disse à sua mãe:

- Vou contar uma adivinha à princesa que ela não é capaz de adivinhar. 

A mãe do rapaz ficou triste, pois sabia que esta não era aventura para o seu filho e o mais certo seria que, o rei ao conhecer-lhe o filho, o mandasse matar. Mas o rapaz era decidido e nessa mesma noite disse à mãe que ia com toda a certeza e levaria a Joana com ele. Joana era a burra que o acompanhava para todo o lado e o palácio real ficava bem distante da sua aldeia.
Nessa noite a mãe não dormiu a pensar no que faria para evitar que o filho fizesse tamanho disparate. Então decidiu fazer para a viagem três bolos envenenados para o filho comer quando tivesse fome.
No outro dia de manhã lá partiu o rapaz montado na sua burra e com o farnel que a sua mãe lhe tinha preparado. O sol já ia alto e deu a fome ao rapaz. Este pegou nos bolos para comer, mas pensou para consigo:

- Se eu tenho fome, a minha Joana também tem. O melhor é dar o meu farnel à Joana e assim ela consegue levar-me até ao palácio.

Assim pensou, assim fez. Claro que a Joana morreu e ele ficou apeado. Ora no campo quando morre um animal vêm logo os abutres comê-lo. Como a Joana morreu envenenada os abutres ao comer a sua carne também morreram envenenados.
Por aqueles dias por aquele caminho passou uma quadrilha de ladrões de sete homens. Viram os pássaros mortos e como já havia um dia que não comiam, decidiram aproveitar e levaram os abutres, prepararam-nos e comeram-nos. Também os ladrões morreram.
Entretanto o rapaz escondia-se por aquelas redondezas e já havia dois dias que não comia; então decidiu pegar na espingarda que tinha levado e caçar qualquer coisa para matar a fome.
Lá se meteu por aquelas árvores e arbustos à procura de caça. De repente, salta-lhe de uma moita um coelho que se pôs a comer a erva fresquinha, verdinha e viçosa que por ali havia. O rapaz, com todo o cuidado para não fazer o menor ruído leva a espingarda à cara e dispara. Acontece que não consegue acertar no coelho; mas, sorte das sortes, acerta numa lebre que estaria escondida por ali, pois ele não a tinha visto. Ora esta lebre estava prenha e tinha vários filhotes dentro dela.
O rapaz pensa com os seus botões: 

- Sei lá se esta lebre está ou não envenenada e eu posso morrer se comê-la. O melhor é comer os filhotes porque esses estão vivos portanto não podem estar envenenados.

Se pensou melhor o fez. Abriu a barriga da lebre tirou-lhe os filhotes, preparou-os e comeu-os.
De seguida pôs-se a caminho para a cidade onde morava o rei. Quando lá chegou já era noite e decidiu que seria melhor não se aproximar do palácio de noite. Verificou que por ali havia um rio, viu vários barcos na sua margem e disse para consigo:

- Não conheço cá ninguém. o melhor será procurar um bom barquinho com redes e deitar-me lá, pois já tenho muito sono.

E assim fez. E dormiu que nem um rei. Quando os raios de sol de um dia que amanhecia muito bonito lhe deram nos olhos ele acordou, sentou-se, esfregou os olhos, lavou-se no rio e lá seguiu a caminho do palácio.
Quando já estava perto da porta principal do palácio os dois guardas vieram ter com ele e perguntaram-lhe a que vinha ao palácio. Então ele, com o maior à-vontade, disse que tinha uma adivinha para contar à princesa. Os guardas mandaram-no esperar ali e um deles dirigiu-se para dentro do palácio e foi contar ao rei o que se passava. Como o edital dizia qualquer rapaz poderia apresentar a sua adivinha, o rei disse ao guarda que o deixasse entrar e à hora do almoço ele contaria a sua adivinha à princesa, na presença da corte.
Assim aconteceu e ele começou a contar a sua adivinha à princesa:

Saí de casa da minha mãe com a Joana. A minha mãe deu-me três e três mataram a Joana. A Joana matou quatro e quatro mataram sete. Atirei ao que vi e matei o que não vi. Comi carne sem ser nascida nem criada. Dormi sem ser no chão nem na terra.”

A princesa ficou a pensar na adivinha e disse que daria a sua resposta durante o jantar. Chegou a altura do jantar, o rapaz apresentou-se na sala e a princesa informou todos que não tinha conseguido decifrar aquela adivinha.
Então o rei, um pouco embaraçado, disse:

- Bem, palavra de rei não volta atrás. Portanto, meu rapaz, casas com a minha filha. Comecem amanhã os preparativos para a boda e seja o que Deus quiser.

No dia marcado a princesa casou com o rapaz e houve grandes festas entre o povo e também na corte.
O certo é que foram muito felizes.

FIM

Os dois irmãos
Vou contar a estória de uma família muito pobre: pai, mãe e dois filhos. Viviam numa serra e os terrenos eram muito pobres: semeavam, trabalhavam a terra, mas o que recolhiam dela era muito pouco.
Certo dia aconteceu uma desgraça àquela família: a mãe morreu. Vendo-se sozinho o pai disse para os filhos:

- Agora que a vossa mãe faltou, vocês já são dois homens; está na altura de vocês partirem em busca de uma vida melhor. Isto aqui não é futuro para ninguém. 

Acontece que os dois rapazes eram completamente diferentes: um era bom, tinha bom coração. Se alguém lhe pedisse qualquer coisa que ele tivesse, dava-a logo. O outro, pelo contrário, era muito egoísta. Tudo queria para ele e tirava tudo o que podia dos outros. 
Quando chegou o dia de partirem o pai disse-lhes:

- Bem, filhos, tenho muita pouca coisa para vos dar. Por isso dou-vos a minha benção e alguma coisa para comerem pelo caminho. Agora digam o que querem.

O mau pediu logo a comida e tudo o que era bom; o filho bom pediu a benção e um farnel a cada um para a longa caminhada, mas o que era mau recusou a benção. Assim partiram os dois pelo mundo fora.
A certa altura o irmão bom já se sentia muito cansado e com muita fome e pediu ao irmão que parassem para descansar um pouco e comer qualquer coisa. O irmão mau disse que ainda era muito cedo e continuou sempre a andar. Lá continuaram até que o irmão bom disse:

- Já não posso mais!

Então o irmão mau propôs o seguinte:

- Então vamos fazer uma coisa. Agora comemos o teu farnel e mais tarde comeremos o meu.

O outro irmão porque era bom e confiava, concordou. Puseram-se os dois a comer e depois de saciados, descansaram. O irmão bom ficou sem comida. Mais tarde puseram-se a caminho. Foram andando, andando. Já havia um dia inteiro que caminhavam e o irmão bom disse para o outro que já tinha fome, então o irmão mau respondeu-lhe:

- Se queres comer, tens de me deixar cegar-te uma vista.

O irmão bom ficou sem palavras quando ouviu esta proposta e como o irmão não parasse, lá o foi seguindo. Mas chegou um momento em que o irmão bom já não aguentava mais, então disse ao irmão: 

- Está bem, eu aceito.

O irmão mau cegou-lhe uma vista e deu-lhe um bocado de comida e lá continuou sempre a andar e o irmão bom seguia-o. Já havia tanto tempo que caminhavam e a fome voltou a apertar. O irmão bom que estava cheio de dores e muito cansado volta a pedir ao irmão:

- Já tenho tanta fome e estou tão cansado, dá-me alguma comida!

O irmão mau respondeu-lhe:

- Se queres mais comida, tenho de te cegar a outra vista.

O irmão bom como não aguentava mais, concordou. Ora o outro bem o disse, melhor o fez. Acontece que já era noite, mas eles ainda estavam um pouco longe de qualquer povoado. Assim que o irmão mau pôs o seu irmão completamente cego, abandonou-o no meio daquele campo.
Havia ali perto uma árvore. O rapaz bom tinha medo de ficar no chão por causa dos bichos que andam pelos campos durante a noite e lá se pôs a andar com os braços estendidos, às apalpadelas para ver se conseguia encontrar uma árvore e ia pedindo a Jesus Cristo que o guiasse. Foi andando, andando até que conseguiu encontrar uma árvore. Assim que a sentiu, subiu para os seus ramos, procurou uma posição mais ou menos confortável e lá passou a noite.
Acontece que aquela árvore era o ponto de referência de uma quadrilha de ladrões que tinha arranjado um buraco e um esconderijo debaixo do chão. Lá pela noite fora começa o rapaz a ouvir muitas falas de homens e ele apercebeu-se que eles se dirigiam para aquela árvore; então todo receoso aconchegou-se mais à árvore e ficou, todo caladinho, à espera.
Os homens chegaram à árvore, sentaram-se ao pé, bem debaixo do rapaz e começaram a contar o que tinham roubado, como tudo tinha acontecido, o que tinham feito durante o dia ao mesmo tempo que contavam o dinheiro todo, produto dos roubos que fizeram.
Depois começaram a contar as novidades uns aos outros, cada um contava a sua. Um contou que tinha sabido que o rei tinha uma filha cega e tinha mandado apregoar que daria a sua filha em casamento a quem a curasse da cegueira. Também lhe daria uma cidade para governar e os terrenos à volta dela. Outro disse que tinha ouvido uma novidade boa sobre aquela cidade vizinha onde havia muita falta de água. A verdade é que passava um grande caudal de água mesmo debaixo do palácio, sob uma grande laje.
Entretanto perguntaram ao primeiro que falou sobre a cegueira da princesa se ele sabia de alguma coisa que lhe desse a cura. Ele respondeu que sim; bastava apanhar algumas folhas daquela mesma árvore onde eles estavam; pôr a água a ferver, deitar lá dentro as folhas, esperar um quarto de hora e depois lavar os olhos com essa água e a princesa ficaria curada.
O rapaz bom estava escutando tudo em cima da árvore e ficou muito contente ao saber disto. Os ladrões contaram mais algumas novidades e depois levantaram uma laje e desapareceram já ia amanhecendo.
Quando tudo ficou silencioso o rapaz pôs-se a apanhar muitas folhas da árvore e a metê-las dentro da camisa para ninguém as ver. Depois desceu da árvore e pôs-se a andar às apalpadelas para não bater em nada.
De repente ouve-se um tiro e ele pensou que deveria andar por ali perto um caçador; então pôs-se a chamá-lo. O homem ouviu e veio ter com ele. O rapaz pediu-lhe que o levasse à aldeia ou cidade mais próxima e o caçador concordou. No entanto pediu ao rapaz para esperar um pouco, pois ele precisava de apanhar uma peça de caça, pelo menos, para levar para casa.
Assim o rapaz ficou ali à espera e o caçador partiu, mas passado um bocado, regressou e lá foram os dois a caminho da cidade.
O caçador deixou o rapaz numa taberna que é uma casa onde se juntam muitos homens a conversar, comer e beber. O rapaz dirigiu-se à dona da casa e pediu-lhe se poderia pôr a água a ferver e deitar lá dentro as folhas que ele lhe estava a dar para pô-las de infusão. A senhora assim fez. Ele depois pediu-lhe uma casa para ele se poder lavar com aquela água. A dona da casa indicou-lhe o quarto; ele lavou-se com aquela água e daí a pouco já estava a ver. Ficou muito contente por ter acreditado no que ouviu dos ladrões.
Então decidiu levar a cura à princesa que estava no palácio e lá se pôs a caminho do palácio com todo o desembaraço de quem está feliz e quer fazer outros felizes.
O guarda estava de sentinela ao portão de entrada e o rapaz disse que trazia uma boa notícia para o rei. Levaram-no então à presença do rei. Ele esclareceu o rei de que tinha tomado conhecimento de que o rei tinha uma filha cega e ele sabia como curá-la. Só precisava de estar a sós com ela e que lhe dessem uma vasilha com água a ferver. O rei concordou, pois desejava muito que a sua filha voltasse a ver.
Quando o rapaz ficou a sós com a princesa no quarto, ele fez uma infusão e pôs-se a lavar os olhos à princesa com muito cuidado. Aconteceu que, passado pouco tempo, a princesa começou a ver. Ficaram os dois muito felizes e o rei cumpriu a sua promessa, pois “palavra de rei não volta atrás” e houve uma grande festa de casamento, tanto dentro do palácio como por todas as redondezas. O povo pulou, cantou, festejou o casamento real; tudo oferecido pelo rei.
Durante a lua-de-mel o rapaz bom verificou que havia falta de água e lembrou-se da outra história dos ladrões que ouviu quando estava em cima da árvore: “ Naquele reino há muita falta de água, mas debaixo do palácio corre um grande caudal de água.” Assim que os noivos regressaram ao palácio o rapaz foi logo dar a novidade ao rei e este ficou muito contente e disse-lhe:

- Se isso for verdade, meu filho, dar-te-ei um ducado para tu governares e viveres dos seus rendimentos.

O rei mandou averiguar e os conselheiros do rei encontraram a laje e quando a levantaram, viram um grande caudal de água. O rei pulava de contente. Mandou fazer os editais da entrega do ducado ao genro e filha e estes foram viver para o palácio que estava situado na capital daquela região. Ambos eram muito amigos um do outro e viviam felizes.
Certo dia estava o príncipe e a princesa à janela do seu palácio quando ouviram e viram um cauteleiro a vender cautelas. Então o príncipe reconheceu no cauteleiro o seu irmão que o tinha cegado e abandonado na floresta.
O príncipe chamou o cauteleiro e comprou-lhe várias cautelas e então perguntou-lhe:

- Então, não me conheces?

O cauteleiro como julgava o irmão tinha morrido, comido pelas feras ou à fome, olhou para o príncipe e disse-lhe que não o conhecia.
Então o príncipe pediu ao cauteleiro para esperar um pouco e foi para dentro do palácio. Vestiu a roupa que trazia quando o irmão o cegou e voltou à presença do cauteleiro:

- Agora ainda não me conheces?

O cauteleiro respondeu-lhe:

- Agora conheço-te, mas não acredito no que vejo, pois não podes ser o meu irmão. Eu deixei-o no meio da floresta, cego. Como vieste aqui parar?

O príncipe, porque era bom, contou-lhe resumidamente o que se tinha passado e convidou-o a ficar na sua casa. O cauteleiro disse logo que sim. No entanto todos os dias, (porque era mau), perguntava ao irmão como é que ele tinha arranjado aquela fortuna. O príncipe começou a pensar que, mais dia menos dia, o irmão o mataria. Então pensou o seguinte: “Eu sei que, quando os ladrões souberem que alguém ouviu a conversa que eles tiveram naquela noite debaixo da árvore, o matarão; pois eles juraram que assim o fariam, se apanhassem essa pessoa.”
Assim o príncipe disse ao irmão:

- Se quiseres ficar rico, deves ir para cima daquela árvore perto do lugar onde me cegaste e me abandonaste. Quando os ladrões estiverem a conversar sobre este assunto, tu dizes que foste tu que ouviste a conversa e os ladrões dar-te-ão uma fortuna.

O cauteleiro, como era muito ambicioso, partiu logo para aquele local e lá ficou à espera em cima de uma árvore. Noite alta apareceram os ladrões e sentaram-se em círculo junto à árvore a contar o dinheiro, a contar as novidades e a conversar até que disseram:

- Mas quem terá sido que se aproveitou da nossa conversa? Só pode ter sido um de vocês.

Então o irmão mau, muito feliz, disse logo:

- Fui eu.

Ora os ladrões puxaram-no logo da árvore e mataram-no.
Assim o irmão bom viu-se livre do irmão mau, sempre pronto a lhe fazer muito mal por mais bem que o outro lhe fizesse.
O irmão bom, agora príncipe, teve sempre a mão de Deus sobre ele e viveu sempre feliz com a família e amigos e nunca lhe faltou nada, nem a quem ele soubesse que estava em necessidade.
É sempre assim: não vale a pena as pessoas serem más, terem inveja daqueles que são bons; Deus ajuda e protege sempre as pessoas de bom coração.

FIM
 O Grilo
Vou contar uma história que dizem ter sido verdadeira e que terá acontecido com pessoas do concelho de Lagos numa terra chamada Espiche.
A história começa assim:

Naquele tempo havia rei em Portugal. Os rapazes iam fazer a tropa para Lisboa e outros lugares do país. O palácio do rei era guardado pelas tropas.
Houve uma grande festa que o rei deu pelo aniversário do seu casamento. Para esta festa convidou todos os príncipes e princesas da Europa. Foi uma festa muito linda. Quando a festa estava no auge entra no salão uma quadrilha de ladrões mascarados e armados e roubam todas as jóias que aquela nobreza ostentava em si. O rei ficou muito envergonhado por não ter conseguido garantir a segurança a todos aqueles parentes e amigos e ordenou aos seus conselheiros para apanharem os ladrões e as jóias e que estas fossem devolvidas aos seus proprietários.
O tempo ia passando e os conselheiros não lhe traziam nenhuma notícia nem do paradeiro dos ladrões nem das jóias.
Nessa altura estava na tropa em Lisboa um rapaz de Espiche que foi destacado para fazer guarda ao palácio real. Este rapaz, sabendo da aflição em que vivia o rei, pediu uma audiência ao rei e contou-lhe:

- Sabe, meu amo e senhor, na minha terra há um homem que adivinha tudo e por isso as pessoas o chamam de Adivinhão. Quando alguém quer saber alguma coisa, vai ter com ele e o que ele diz e aconselha, bate sempre certo. Às vezes não chove durante muito tempo e as pessoas ficam aflitas porque não sabem quando podem semear. Então vão ter com ele para saber quando vai chover e o que ele diz bate sempre certo.

O rei disse logo:

- Tragam-me, o mais rapidamente possível, esse homem à minha presença.

Assim aconteceu. O adivinhão de Espiche foi à corte falar com o rei. O rei perguntou-lhe:

- Ouve lá, é verdade que adivinhas tudo o que te pedem?

- Assim tem acontecido, meu rei.

- Passa-se o seguinte: dei uma grande festa aqui neste palácio e uma quadrilha de ladrões interrompeu a festa e assaltou todas as senhoras e cavalheiros que lá se encontravam e roubaram-lhes as jóias que traziam consigo. Peço-te que me descubras quem foram os ladrões.

O homem ficou muito atrapalhado e pensou com os seus botões: “Agora é que estou perdido. Como é que vou adivinhar quem foram os ladrões?”

Este homem tinha muita fé em Deus, então invocou a Sua ajuda e foi atendido.
O Adivinhão pediu ao rei para ficar numa casa sozinho durante três dias, dentro do próprio palácio, pois precisava pensar sobre o caso. O rei concordou e assim foi feito.
Havia três criados no palácio que faziam serviço de quartos e era da sua conta levar as refeições e tudo o que fosse necessário ao Adivinhão. Cada dia o Adivinhão era servido por um dos criados. Quando chegou a noite e o criado foi levar a última refeição desse dia ao Adivinhão, este exclamou:

- Um já cá canta!

O criado ficou muito aflito e foi logo contar aos outros dois colegas:

- Sabem o que o Adivinhão disse quando lhe entreguei o jantar esta noite? “Um já cá canta!”

Dizem logo os outros dois:

- Amanhã vais tu e tomas atenção ao que ele disser.

No dia seguinte lá foi o outro criado e à noite o homem voltou a dizer:

- Dois já cá cantam!

O criado ainda ficou mais aflito do que o outro e foi logo contar esta frase aos colegas. Os três disseram ao mesmo tempo:

- Estamos perdidos! Ele é mesmo adivinhão.

Diz um deles:

- Amanhã é a minha vez. Vamos lá a ver o que ele diz.

No dia seguinte lá foi o terceiro criado servir o Adivinhão, mas todo o dia andou muito nervoso e receoso. Quando foi entregar o jantar o Adivinhão disse-lhe:

- Até que enfim já cá cantam três!

O criado ficou tão assustado que disse logo:

- O senhor é mesmo adivinho! Acaba de dizer que já tem os três. Pois é verdade. Fomos nós os três que roubámos as jóias durante a festa.

O homem ficou muito satisfeito e disse:

- Eu já sabia que tinham sido vocês, por isso eu dizia aquela frase. Também acho que vocês ainda têm as jóias dentro do castelo; por isso os conselheiros dos rei não conseguiram descobri-las.

O criado ficou todo atrapalhado e disse que as jóias estavam enterradas no jardim do palácio. O Adivinhão ficou todo feliz e pensou: “Desta já me safei. Vou pedir ao rei que me seja permitido regressar a minha casa.”
O homem não era adivinho. Ele tinha muita fé em Deus. Quando as pessoas lhe pediam ajuda, ele pedia a Deus que o ajudasse a descobrir a resposta certa para assim poder ajudar as outras pessoas.
Quando ele dizia aquelas frases na presença dos criados estava a referir-se aos dias que tinha pedido ao rei para encontrar a resposta. Só que os criados, como tinham a consciência pesada, atribuíam a frase ao que eles tinham feito e deduziam que ele os estava a contar como ladrões.
Tinham-se acabado os três dias que o homem tinha pedido ao rei para pensar e o rei mandou chamá-lo. Quando o homem ficou na presença do rei disse-lhe:

- Saiba Vossa Majestade que já sei quem foram os ladrões. Também onde estão enterradas as jóias.

O rei pediu logo para ele lhe dizer o que sabia. O homem informou-o:

- Foram os seus três criados de quarto que roubaram as jóias e foram enterrá-las no jardim do palácio

O rei mandou logo prender os ladrões e desenterrar as jóias. Então o homem disse ao rei que queria regressar à sua terra e à sua casa, mas o rei não concordou:

- Uma pessoa assim faz falta no palácio.

Lá ficou o infeliz do Adivinhão a viver no palácio.
Um dia a rainha ficou grávida e logo o rei quis usar os talentos do Adivinhão para saber se seria rapaz ou rapariga. O homem ficou todo atrapalhado, mas não se desorientou. Disse ao rei que, para saber tal coisa, necessitava ficar numa casa sozinho com a rainha. O rei concordou logo todo satisfeito.
Quando se encontrou a sós com a rainha pediu para esta se despir completamente e a rainha assim o fez. Depois pediu para a rainha virar as costas para ele. Mirou a rainha, remirou e disse:

- É rapaz.

Depois pediu para a rainha se pôr de frente para ele. Novamente mirou e remirou e disse:

- É rapariga.

De seguida pediu à rainha para se vestir e ele próprio foi falar com o rei e disse-lhe:

- Vossa Majestade, é necessário esperar o tempo necessário para saber se estou certo ou errado. Na minha ideia parece-me serem um rapaz e uma rapariga.

Assim fizeram e quando os bebés nasceram, eram dois gémeos: um rapaz e uma rapariga.
O rei e a rainha ficaram tão satisfeitos que de maneira nenhuma o deixavam ir embora, pois ele era muito precioso para aconselhar o rei a decidir bem os assuntos do reino.
Um dia andavam o rei e a rainha a passear nos jardins do palácio com o príncipe e a princesa quando a rainha viu um grilo e o apanhou. Fechou o grilo na sua mão e disse para o rei:

- Agora vou perguntar ao Adivinhão se sabe o que tenho na mão. 

Acontece que o verdadeiro apelido do Adivinhão era Grilo. Quando a rainha lhe faz a pergunta ele fica todo aflito e pensa: “Qualquer dia não acerto, descobrem que não adivinho nada e mandam-me matar por trapaceiro.”

Então sem pensar o Adivinhão diz assim:

- Ai Grilo, Grilo; em que mãos estás metido!

A rainha olhou para o rei e disse-lhe:

- Olha, voltou a adivinhar. É verdade que tenho um grilo na minha mão.

Lá continuou o Adivinhão no palácio cada vez mais assustado.
E assim acaba esta história. Quem quiser continuá-la mais amigos fará.

FIM

Os três amigos
Esta é mais uma das estórias que o meu pai me contava quando era pequena.
O herói desta estória chama-se João da Burra. A mãe dele morreu de parto quando ele nasceu. Naquele tempo não havia farinhas e leites para bebés como há hoje. Assim para criar bebés que não tinham mãe só havia uma maneira: era criar o bebé com o leite de certos animais como vacas e burras, mas o leite da burra era muito forte e assim o bebé foi alimentado e criado com o leite da burra.
Este bebé fez-se menino e de menino fez-se homem e era um homem muito forte como não havia nenhum nas redondezas e não havia outro homem que se atrevesse a enfrentá-lo.
A certa altura ele começou a dizer ao pai que queria correr mundo para ver se encontrava alguém tão forte como ele para assim ter um amigo. Por ser muito forte ninguém se aproximava do João nem acompanhava com ele, pois todos tinham medo dele.
O pai do João concordou com o pedido do filho, mas ficou receoso que lhe acontecesse algum mal e imaginando o pior mandou fazer uma bengala de ferro que pesava cem quilos. Assim sempre tinha uma defesa, pois poderia encontrar por esse mundo homens mais fortes do que ele e também malvados.
Certo dia lá partiu o João por esse mundo com a bengala que, apesar de pesar cem quilos, nas mãos dele era como se fosse igual a qualquer outra. Começou a andar por esse mundo fora até que um dia, quando ia atravessando uma charneca onde havia pinheiros e outras árvores, de repente encontra um rapaz que estava a arrancar pinheiros com a mão. O João parou e ficou a olhar para aquilo e pensou: “Ora aqui está um homem tão forte como eu.”
Aproximou-se do rapaz e fez-lhe a seguinte pergunta:

- Queres ir comigo correr mundo para ver se encontramos alguém tão forte como nós?

o rapaz concordou imediatamente e lá foram os dois muito contentes porque ninguém tinha coragem para os enfrentar.
Andaram por montes, serras, vales e montanhas até que vêem um rapaz com uma grande enxada e cada vez que ele cavava a montanha ficava rasa, transformava-se numa planície. Então disseram um para o outro:

- Aqui está um homem tão forte como nós! Vamos falar com ele e convidá-lo a vir connosco.

Quando se aproximaram do rapaz este parou muito surpreendido, pois imaginava-se único na Terra. Os três combinaram o seguinte: pôr alcunhas aos três. Um chamar-se-ia João da Burra; o outro Arranca-Pinheiros e o terceiro chamar-se-ia Arrasa-Montanhas e lá partiram os três.
Após terem caminhado durante bastante tempo ficaram com fome e como eram muito grandes e fortes também comiam muito. Assim quando encontraram no caminho uma casa velha decidiram lá ficar e combinaram o seguinte:  

- Tu ficas aqui para arranjar lenha para cozinhar e nós os dois vamos por aí buscar pão e carne para a nossa refeição.

E lá partiram os dois, mas não tinham dinheiro; então trataram de imaginar a possibilidade de conseguir trazer comida para casa. O primeiro a encontrar uma saída foi o João da Burra. Ia um homem com um burro e este levava um seirão cheio de pão que o homem ia vender a uma feira que ficava ali perto. O burro tinha um cabresto enfiado na cabeça que estava ligado a uma arreata que o homem tinha enrolado à volta do braço para segurar o burro. Ao ver aquilo o João pensou logo na maneira de tirar o pão ao homem sem ele dar por isso. O que é que ele fez? O João tirou o cabresto da cabeça do burro e enfiou-o na sua cabeça e continuou a andar. Passado algum tempo o dono do burro olhou para trás e qual não foi o seu espanto quando viu o João, enorme, atrás dele com o cabresto enfiado na cabeça.
O espanto foi tal que se transformou num grande medo, pois o pobre homem imaginou que o seu burro se tinha transformado em homem e ... pernas para que te quero; desatou a correr e o susto foi tal que só parou na feira sem nunca ter olhado para trás. Foi isto que o João da Burra tinha premeditado. Agora, nas calmas, tirou o seirão que estava cheio de pão e foi escondê-lo por ali e foi levar o burro para a feira e lá o deixou. Entretanto o dono do burro que por lá, na feira, andava viu o seu burro e reconheceu-o, mas disse em voz bem forte:

- Quem não te conhece que te compre!

E não mais quis saber do burro.
Por outro lado o João da Burra, após deixar o burro na feira, voltou para trás; apanhou o seirão cheio de pão e dirigiu-se para a casa velha.
E o que aconteceu ao Arranca-Pinheiros?
Bem, o Arranca-Pinheiros viu um pastor que andava a guardar um grande rebanho de ovelhas e à socapa apanhou uma e imediatamente se dirigiu para a casa.
Quando o Arranca-Pinheiros e o João da Burra se aproximam da casa velha e abandonada ouvem um grande choro e ficam aflitos. Correm para a casa para saberem o que se passa. Era o Arrasa-Montanhas que chorava e ele contou aos amigos o que tinha acontecido:

- Sabem lá o que aconteceu. A casa estava muito suja e eu pus-me a limpar tudo. Quando me aproximei da chaminé comecei a ouvir uma voz:

- “Olha que eu caio.”

Olhei por todo o lado da casa e não vi ninguém. passado algum tempo cai, pela chaminé, uma perna; depois outra; depois os braços e depois o resto do corpo. Foi um susto tão grande que ainda não estou em mim.

Aquela casa era habitada pelo diabo e ele não queria que ninguém vivesse lá. Então o diabo voltou a sujar tudo e a deixar a casa tão suja como estava antes de o Arrasa-Montanhas ter começado a limpá-la.
O João da Burra consolou o amigo. Eles tinham combinado que cada dia ficaria de faxina à casa um deles e disse logo ao amigo:

- Deixa lá, não te preocupes. Quando for a minha vez de ficar na casa, eu trato dele!

No dia seguinte calhou a vez de ficar na casa ao Arranca-Pinheiros. Este também devia limpar a casa e fazer a refeição para os três. Um dos outros foi tratar de trazer a lenha para casa e o outro o vinho. Novamente, quando se aproximavam da casa, ouviram o choro do amigo. O Arranca-Pinheiros estava desesperado. O diabo, para além de ter deitado um corpo humano aos pedaços para dentro de casa e ter sujado a casa toda depois de limpa, ainda fez cocó no panelão da comida e agora não tinham que comer. Então o João disse logo:

- Amanhã fico eu de faxina! 

De manhã cedo os outros dois partiram a ir buscar o que fazia falta na casa e lá ficou o João da Burra. Quando este estava a cozinhar começa a ouvir:

- Olha que eu caio! Olha que eu caio!

O João tratou logo de agarrar na sua bengala que pesava cerca de cem quilos e ficou muito quieto à espera que o diabo caísse. Quando o diabo caiu o João deu-lhe logo com a bengala; o diabo ficou ferido e não teve tempo para fazer porcaria para dentro do panelão e saiu a fugir a sete pés de casa. O João saiu logo atrás dele e viu onde ele se meteu. Era um grande buraco muito fundo que ninguém conhecia a sua profundidade. Então o João voltou para casa para acabar de fazer o almoço e a faxina da casa.
Chegou a hora do almoço e os dois amigos aproximavam-se da casa. Quando se encontraram logo falaram que desta vez iriam encontrar o João também a chorar. Ao se aproximarem mais da casa começaram a ouvir um grande barulho, mas qual não foi o seu espanto: não era o João a chorar. Aquele barulho não era de choro, não. Pararam um pouco a escutar – verdade; o João estava a cantar. Correram ambos para casa e ficaram admirados com o que viram. O João correu logo ao seu encontro e cheio de alegria disse-lhes de um só fôlego:

Já sei quem é ele, o diabo. Também sei onde vive.

Os amigos disseram-lhe:

Calma, calma, amigo! Conta lá tudo o que se passou.

E o João contou que quando ouviu ele dizer que ia cair, agarrou logo na sua bengala e quando ele caiu deu-lhe tantas bengaladas que ele ficou num oito e desatou a fugir. Ele desatou a correr atrás do diabo e viu onde ele se meteu e disse aos amigos:

- Agora vamos comer. Depois vamos ver onde ele está.

Assim fizeram. Quando acabaram a refeição lá foram os três ver o lugar onde o diabo se tinha metido. Era um buraco muito fundo, mas os três rapazes eram corajosos. Ao se aproximarem do buraco encontraram um camponês de certa idade que os avisou que aquele lugar era muito perigoso; tão perigoso que o rei tinha ali três filhas encantadas e não havia ninguém que se atrevesse a ir buscá-las. O João disse logo:

- Eu sou capaz de ir lá buscá-las; mas primeiro temos de ir falar com o rei.

Assim foi feito. Quando falaram com o rei sobre o assunto, o rei disse logo que era verdade. Tinha lá três filhas encantadas: uma estava guardada por um leão; a outra estava guardada por uma serpente de sete cabeças e a terceira estava guardada pelo diabo. Se se atrevessem a ir lá buscá-las tinham de trazer provas de lá terem estado para poderem comprovar que tinham tentado salvar as princesas. O João da Burra afirmou logo que lá iria buscar as princesas e o rei prometeu que, se ele e os amigos conseguissem salvar as princesas, ele as daria em casamento aos três e ficariam a pertencer à família real. As promessas foram feitas e os amigos partiram.    
Ao se aproximarem do buraco o João da Burra disse logo:

- Eu vou à frente.

Lá se meteram os três amigos pelo buraco até que encontraram a porta de uma casa. O João da Burra, que levava sempre consigo a bengala, bateu com ela na porta. Veio logo o leão, que era enorme, para matar os três amigos, mas o João estava preparado e deu-lhe logo várias bengaladas na cabeça que o leão caiu para o lado morto. O João entrou de repente com os dois amigos e agarraram na princesa para saírem dali o mais rápido possível. A princesa pede para não ser salva deixando as irmãs ali. Assim os quatro dirigem-se para o quarto onde estava a outra princesa guardada pela serpente de sete cabeças. O João que era mais corajoso ia à frente e bateu na porta com a bengala. Logo vem a serpente ameaçadora e pronta a comê-los. O João dá-lhe com a bengala nas sete cabeças de uma só vez e a serpente morreu. As duas irmãs ficaram muito contentes e abraçaram-se muito e agradeceram muito ao João e pediram-lhe para salvar a sua irmã que estava fechada noutro quarto e guardada pelo diabo. O João disse logo com uma gargalhada:

- Ah, desse é que eu ando à procura.

As princesas avisaram-no que o diabo era muito mau; mas o João respondeu-lhes que isso sabia ele. Era por isso que ele andava à sua procura. Lá partiram os cinco e o João ia sempre à frente. Quando chegaram à porta do quarto onde estava a princesa prisioneira, o João bateu à porta com a sua bengala e quem veio abrir foi o diabo muito sorridente. O que ele queria era apanhar o João e os amigos confiantes para atacá-los de surpresa e matá-los como era seu costume; mas o João tinha sempre a sua fada-madrinha a avisá-lo e quando o diabo o ia atacar o João dá-lhe uma grande bengalada mesmo em cheio no meio da cabeça que o diabo caiu logo por terra. Então o João arranca-lhe uma orelha e guarda-a na algibeira. Assim que o diabo volta a si, levanta-se meio tonto e de repente desaparece. As três irmãs finalmente estavam livres e muito felizes e disseram aos três amigos que estavam cheias de saudades dos pais e queriam voltar para o palácio o mais depressa que fosse possível para os abraçarem. Então o João pediu aos amigos para arranjarem uma corda e uma caixa para levar as raparigas. O primeiro a sair do buraco foi um dos amigos do João que puxou a caixa com a princesa e depois foi a vez de fazer sair do buraco o outro amigo. O último a sair do buraco foi o João.
O Arranca-Pinheiros e o Arrasa-Montanhas tinham muita inveja do João porque ele era mais forte e mais corajoso do que eles. O João da Burra, porque tinha muito bom coração, tinha a sua fada-madrinha que o avisava do mal e ele escutava-a e seguia os seus conselhos. Então quando chegou a sua vez de entrar na caixa ele seguiu o conselho da sua consciência, a fada-madrinha, e em vez de entrar na caixa colocou lá a sua bengala que pesava tanto como ele. Os amigos, ao sentirem a caixa pesada, concluíram que era o João que vinha lá dentro e quando calcularam que estivesse a meio caminho, largaram a corda e a caixa caiu a grande velocidade junto da casa. O Arranca-Pinheiros e o Arrasa-Montanhas disseram às princesas que tinha sido um acidente; que, de certeza, o João estava morto e lá partiram os cinco para o palácio.
Quando chegaram ao palácio o rei e a rainha ficaram tão felizes por verem as filhas que correram a abraçá-las e assim ficaram longos momentos em que o tempo não passou, todos abraçados e esquecidos de tudo ao seu redor. Depois foram para a sala familiar e aí as filhas contaram e contaram tudo o que tinham passado e como o João tinha sido valente e o que lhe tinha acontecido depois. Após escutá-las com muita atenção o rei pediu as provas da sua participação no salvamento das filhas ao Arranca-Pinheiros e ao Arrasa-Montanhas conforme tinha  sido combinado. Eles entregaram o que tinham que era a língua do leão e as sete línguas da serpente, mas sem as pontas, pois o João é que tinha cortado primeiro a língua por ter sido ele quem os tinha morto; e entregaram também um bocado do cabelo do diabo, pois o João tinha cortado a orelha. O rei decidiu esperar por aquele rapaz que lhe tinha parecido ser tão corajoso, mas como ele nunca mais aparecia o rei decidiu mandar os seus criados procurar alguém que tivesse as pontas das línguas que estavam na sua posse. Os criados partiram e procuraram e perguntaram por todo o lado num grande raio de superfície, mas não encontraram ninguém e regressaram ao palácio desiludidos.
Perante tal situação não restou ao rei outra alternativa que não fosse iniciar os preparativos para os casamentos das suas duas filhas. Faltavam dois dias para os casamentos e por esta altura o João, que continuava preso no buraco, já tinha muita fome e lembrou-se da orelha do diabo que tinha na algibeira; tirou-a, deu-lhe uma dentada e logo apareceu o diabo que lhe disse:

- Pede tudo o que quiseres, mas não mordas a minha orelha!

Então o João disse-lhe:

- Quero sair daqui!

Então o diabo disse-lhe:

- Sobe para as minhas costas e eu levo-te já lá para cima.

Assim foi. Quando o João chegou lá em cima ficou muito contente e agradeceu ao diabo. Este pediu-lhe a orelha, que era preciso que o João lhe desse a orelha. O João foi firme e disse:

- A orelha não dou que ainda me vai fazer muita falta!

E o diabo partiu.
Saindo daquele lugar o João dirigiu-se para a cidade e por onde quer que passasse só ouvia falar dos casamentos das princesas: “Faltavam dois dias para os casamentos e o rei não estava muito convencido que tivessem sido aqueles dois rapazes que salvaram as princesas. As provas não estavam completas. O rei tinha mandado perguntar por toda a parte e não tinham encontrado ninguém com o restante das provas; por isso tinha mandado iniciar os preparativos para as bodas.”
O João tinha as provas com ele e começou logo a pensar como agir para desmascarar os dois falsos amigos.
Antes do dia dos casamentos o rei mandou fazer umas grandes festas em honra das princesas. Como elas eram três, ficou decidido serem três dias de festa.
O primeiro dia foi em honra da princesa mais velha que tinha estado prisioneira do leão e que tinha dado ao João uma maçã de bronze como prova do seu reconhecimento por tê-la salvado.
A fada-madrinha do João levou-o a pensar em ir ver a grande festa que havia no palácio em honra da princesa mais velha. Só que ele não tinha roupas adequadas para aparecer numa festa real e também não tinha cavalo que era absolutamente necessário naquele tempo, pois todos os senhores eram cavaleiros. O João não tinha nada dessas coisas. Pensou, pensou como iria resolver a situação e lembrou-se da orelha do diabo. Tirou-a da algibeira, deu-lhe uma dentada e logo lhe apareceu o diabo dizendo a mesma frase:

- Pede tudo quanto queiras, mas não mordas a minha orelha!

Então o João pediu-lhe um cavalo que corresse tanto que não houvesse seta nenhuma que o apanhasse. O cavalo tinha de ter arreios todos em cobre e estar adornado com tudo de cobre.
Quando chegou a altura de os cavaleiros começarem o desfile aparece o João montado num lindo cavalo todo adornado a cobre e o próprio João também tinha uma armadura toda de cobre.
No camarote da família real estavam o rei, a rainha, as três princesas, o Arranca-Pinheiros e o Arrasa-Montanhas. Quando o João passou diante da família real e estava em frente da princesa mais velha atirou para o regaço dela a maçã de cobre que ela lhe tinha oferecido. Ela tentou identificar quem tinha sido o cavaleiro que tinha atirado a maçã, mas o João desapareceu num instante e ninguém mais o viu. A princesa reconheceu a maçã que tinha dado ao João em reconhecimento pelo seu salvamento; mostrou-a ao pai e explicou-lhe que maçã era aquela, mas não tinha conseguido identificar o cavaleiro.
No dia seguinte houve a festa em honra da princesa que tinha nascido a seguir. À mesma hora o João tira a orelha do diabo e dá-lhe uma dentada. Aparece-lhe o diabo com a mesma frase e desta vez o João pede-lhe uma armadura toda de prata e arreios de prata para o cavalo.
Quando chegou a altura dos cavaleiros desfilarem o João brilhava tanto que todos os convidados se voltaram para olhar para ele e quando ele passou em frente da princesa do meio atirou-lhe a maçã de prata para o regaço dela e ela gritou logo para o rei não deixar sair aquele cavaleiro. Só que, quando as ordens foram dadas, o João já tinha desaparecido; pois o cavalo era mais veloz do que o vento.
No dia seguinte a festa era em honra da princesa mais nova e o rei deu logo ordens aos seus criados para que, quando entrasse aquele cavaleiro estranho no palácio tudo se fechasse atrás dele para poderem saber quem era ele.
O João apareceu na festa desta vez com uma armadura de ouro e o cavalo com arreios de ouro. Estava lindo e todos os convidados ficaram a admirar aquele cavaleiro que brilhava como o sol. Quando passou em frente do camarote real, durante o desfile dos cavaleiros, atirou para o regaço da princesa mais nova a maçã de ouro que esta lhe tinha oferecido em reconhecimento pelo João a ter salvado. Ela levantou-se imediatamente e pediu ao pai, que era o rei, permissão para falar com aquele cavaleiro. Os outros dois, que tinham sido os falsos amigos do João, já estavam com medo e queriam fugir; só que as princesas pediram ao seu pai para os mandar prender. Entretanto o João foi apanhado pelos criados do rei porque ele quis; pois se ele tivesse dado ordens ao seu cavalo para ultrapassar os muros, ele tê-lo-ia feito.
Uma vez em presença do rei, da rainha e das princesas o João entregou as provas que tinha de ter salvado as princesas e contou ao rei tudo aquilo por que tinha passado. O rei comovido agradeceu imenso ao João por ter salvado as suas três filhas e mencionou a grande coragem e valor da sua pessoa. O rei perguntou-lhe se queria que mandasse matar os dois falsos valentões, mas o João, porque tinha muito bom coração, disse que não e que o melhor seria que eles casassem com as outras duas princesas.
Assim aconteceu: o João da Burra, o Arranca-Pinheiros e o Arrasa-Montanhas casaram com as três princesas e foram muito felizes.
Assim acaba a estória.   

FIM

 O filho rebelde
Esta é mais uma das estórias que o meu pai me costumava contar.
Havia um senhor rico que tinha um navio de carga daqueles muito grandes. Era nesse tipo de navios, chamados navios mercantes, que se transportava qualquer tipo de carga; tanto se transportava coisas de comida como outros materiais. 
O proprietário deste navio era também o seu comandante. Ele era casado e tinha filhos. Há muitos comandantes que não são casados para não terem problemas porque andam sempre fora de casa, mas este senhor tinha esposa e filhos. Um dos filhos deste comandante era muito forte e grande; então havia sempre sarilhos com os outros rapazes. O pai nunca estava em casa e ele não tinha respeito à mãe; assim o pai pensou levá-lo com ele para bordo do navio, já que o pai era o proprietário e o comandante; talvez ele tivesse respeito ao pai e não provocasse desordens no navio com os outros rapazes que trabalhavam a bordo. Só que aconteceu tudo ao contrário. Por tudo e por nada havia logo sarilhos e ele como era muito forte pegava nos outros rapazes e atirava-os ao mar. os outros rapazes começaram a ter medo dele e já não queriam trabalhar mais no barco. Ora o pai tinha de ter homens a bordo a trabalhar e já estava desesperado sem saber que fazer. Então pensou fazer o seguinte: continuar a levar o filho a bordo e quando houvesse oportunidade, deitá-lo ao mar; mas como era seu filho, não tinha coragem de lhe fazer isso. Então decidiu outra coisa: combinou com alguns homens da sua tripulação que, quando passassem perto de alguma ilha deserta, daquelas que há lá fora onde não habita ninguém, por isso são ilhas desertas; deixariam o seu filho abandonado na ilha. Assim fizeram; quando passaram perto de uma ilha deserta o pai, comandante do navio, deu ordem para alguns dos seus homens arrearem uma baleeira para a água. Baleeira é um barco pequeno que vai em cima do navio. Foi falado que o objectivo da ida a terra era trazer água fresca e alimentos frescos para o navio; pois aquela ilha não tinha habitantes e tinha muitas árvores que davam bons frutos. 
Assim lá partiram o filho do comandante e dois homens da tripulação para a ilha na baleeira.  
Quando já estavam na ilha os dois homens pediram ao filho do comandante para subir determinada árvore que tinha muitos frutos maduros e saborosos e o rapaz nem pensou duas vezes; num instante subiu à árvore.
Quando estava lá em cima e começava a atirar frutos para os homens, estes desataram a correr para a baleeira e a remar com todo o vigor para chegarem depressa ao navio e partirem. O rapaz só se apercebeu quando a baleeira ia a entrar pelo mar adentro. Ainda chamou por eles, mas eles não responderam e, pelo contrário, ainda remavam com mais vigor, se possível. Então o rapaz compreendeu o verdadeiro motivo daquela saída do navio e nem tentou descer da árvore para os seguir. Decidiu continuar em cima da árvore porque esta tinha muita fruta e enquanto houvesse fruta para comer não sairia de cima dela, pois aquela ilha também estava povoada de animais ferozes como tigres, leopardos, leões e outros animais selvagens e ele tinha medo deles.
Mas houve um dia que a fruta acabou e ele teve de sair de cima da árvore para se alimentar, pois já tinha muita fome e aí é que foi o pior porque o rapaz teve de enfrentar as feras ou elas comê-lo-iam. Como o rapaz era muito forte e alto começou a lutar com as feras e conseguiu vencê-las, então aí perdeu o medo e passou a matá-las. Depois tirava-lhes a pele, fazia uma fogueira e assava a carne. Neste lugar ele não tinha fósforos nem petróleo ou gasolina, então fazia o seguinte: procurava uma pedra e um pau fino e bicudo e depois esfregava com muita força o pau na pedra onde antes já tinha posto ervas secas. Assim o pau aquece e pega fogo às ervas secas. Depois era só manter o lume aceso. Ele de dia comia fruta e à tardinha acendia a fogueira para assar a carne dos animais que caçava e mantinha a fogueira acesa para o aquecer à noite e manter os animais longe dele enquanto descansava.
Assim passaram vinte anos. O pai do então rapaz pensava que o seu filho estaria morto, comido pelas feras que habitavam a ilha, pois, apesar da força, era um rapaz da cidade e não se saberia defender num ambiente selvagem.
Como já sabemos não foi isso que verdadeiramente aconteceu. Depois de ter perdido o medo das feras, passou a explorar a ilha para saber o que havia nela e foi descobrir uma caverna na rocha onde passou a se abrigar quando havia mau tempo. A roupa que ele tinha no corpo com o tempo apodreceu e ficou sem roupa nenhuma e passou a utilizar as peles dos animais que caçava. Ele era um rapaz com muito pêlo no corpo e o facto de viver nesta ilha sem roupa fez com que o seu corpo se cobrisse ainda mais de pêlos; ficasse com barba grande e cabelo comprido. Assim ele parecia um macaco grande.
Aquela ilha era mesmo um ponto de abastecimento de alimentos dos navios de longo curso, mas só a conheciam alguns, pois não estava divulgada e aqueles que a conheciam pretendiam guardar bem este lugar secreto para o utilizarem quando sentissem necessidade; quando precisavam de falar da ilha diziam precisamente o contrário da verdade, assim ninguém se atrevia a passar por lá. Por isso durante vinte anos ninguém se aproximou da ilha; mas aconteceu. Certo dia atracou perto da ilha um navio que negociava animais selvagens vivos para jardins zoológicos e circos e esta ilha era um dos seus locais de boa caça.
Quando os caçadores, vindos do navio, começaram a andar pela ilha, não viam nenhuns animais selvagens e começaram a estranhar o facto, pois já conheciam muito bem a ilha. Quando chegaram perto da caverna onde o rapaz se abrigava, um deles entrou nela e qual não foi o seu espanto quando vê um monte enorme de ossos. Foi logo chamar os outros colegas; entraram todos de rompante e todos ficaram admirados com o que viram. De repente começam a ouvir uns urros muito grandes e um deles vai espreitar e vê um grande macaco ao longe. Os outros aproximaram-se dele e disseram que parecia mais um homem primitivo do que um macaco. Decidiram regressar o mais depressa possível para o navio para trazerem todo o equipamento necessário para caçar aquele homem-macaco e vendê-lo por bom dinheiro a um jardim zoológico.
Passados alguns dias lá voltaram os mesmos homens àquela ilha e com o equipamento que levavam foi fácil caçar aquele homem com uma armadilha bem preparada e venderam-no a um jardim zoológico.
Já na jaula aquele homem não tocava na comida que os tratadores lhe punham lá dentro, pois tinha levado vinte anos a comer carne crua. Nem sempre era possível acender a fogueira devido à humidade do ar ou à chuva e depois o próprio se foi desleixando, pois dá muito trabalho fazer fogo como já repararam quando foi explicado o processo. Assim as refeições que se tomam em casa já não faziam nenhum sentido para aquele homem.
Então os tratadores decidiram dar-lhe carne crua a comer e foi assim que ele começou a comer qualquer coisa. Depois quem o via começou a compreender que ele era realmente um homem e não um tipo de macaco e experimentaram cortar-lhe o cabelo à homem civilizado, fazer-lhe a barba e vestir-lhe roupa de homem da época. De seguida tiraram-lhe fotografias e publicaram-nas em jornais. A notícia deste estranho homem encontrado numa ilha deserta percorreu mundo.
O pai do então rapaz agora, passados vinte e tal anos, já estava velhote, mas lia sempre os jornais. Foi com enorme surpresa que viu aquelas fotografias no jornal. Primeiro duvidou que fosse o seu filho, mas cada vez estava mais perturbado e a curiosidade de o ver perto de si ia aumentando. Foi mesmo ver o filho e quando olhou para ele perdeu todas as dúvidas e ia para abraçá-lo, só que os guardas não o permitiram; pois se ele era bastante forte em rapaz, agora ainda estava mais forte; tão forte como uma fera e os guardas receavam que ele matasse o velhote.
O homem-macaco, como era conhecido, quando viu o pai reconheceu-o e começou a dar muitos urros. Como durante vinte anos o rapaz não falou, ele perdeu esta capacidade e passou a agir como as feras. Com gestos ele mostrava que queria abraçar o pai e este pediu aos guardas permissão e assumindo o risco, aproximou-se do filho e abraçou-o. Ambos começaram a chorar; ambos choravam.
O pai não mais abandonou aquele seu filho e os remorsos amargavam-lhe a vida, muito arrependido de o ter abandonado naquela ilha. Ele apenas tomou aquela atitude devido aos problemas enormes que o filho lhe  causava; mas Deus é grande e misericordioso e os dois passaram a viver juntos com muita paz, harmonia e amor até ao fim dos seus dias.
Foi uma velhice feliz.
Assim termina esta estória.  

FIM