segunda-feira, 24 de abril de 2017

João da Nova e a Terceira Viagem à Índia em 1501-02”

PRIMEIRA PARTE DA CRÓNICA

sobre “João da Nova e a sua viagem até à Índia em  1501-02”

CHRONICA DE D. MANOEL escrita por Damião de Goes; 1749; PDF - pp. 95 –97   
Capítulo LXIII
            De como o rei mandou João da Nova à Índia por capitão de quatro naus e do que se passou até regressar ao reino de Portugal.
Com a informação que Dom Vasco da Gama deu ao rei das coisas da Índia e da Etiópia, modo e relacionamento da gente destas províncias, decidiu mandar regularmente cada ano uma armada àquelas partes e porque a que fora por capitão Pedro Álvares Cabral lhe pareceu suficiente para as coisas de Calecut se apacificarem e reforçarem as amizades com os reis da terra, não quis mandar no ano de 1501 mais do que treze naus e uma caravela grande de que deu a capitania a João da Nova, galego de nascimento, bom cavalheiro, em África tinha feito muitos serviços ao reino de Portugal e servia então como alcaide de Lisboa, ofício que, naquele tempo, não se confiava senão a homens fidalgos de boa consciência, por ser um dos principais da cidade que então servia um só homem (o rei) e não tantos como agora o fazem.
Os outros capitães eram Diogo Barbosa, criado de Dom Álvaro, irmão de Dom Fernando, duque de Bragança, Francisco de Novais, criado do rei e, da caravela, Fernão Vinet, florentino de nascimento e criado de Bartolomeu Marchione de Florentim, senhorio da caravela, mercador muito rico, residente na cidade de Lisboa.
Partiu esta armada do porto de Belém no dia 05 de Março de 1501. Nesta viagem, estando já no hemisfério sul, acharam uma ilha a que puseram o nome de Conceição e sem mais nada acontecer de relevo, chegaram a Moçambique no início de Agosto e dali foram ter a Quíloa onde encontraram António Fernandes, degredado, carpinteiro de naus que deu uma carta a João da Nova de Pedro Álvares Cabral, em que contava o mesmo que Pedro de Ataíde deixara escrito numa carta que acharam metida num sambarco (= faixa larga), pendurado numa árvore na aguada de São Brás, que relatava os negócios de Calecut.
De Quíloa navegou a Melinde, onde o rei lhe deu muita informação sobre todo o negócio de Pedro Álvares Cabral e partiu logo para a Índia e, com bom tempo, chegou à ilha de Anchediva, no mês de Novembro e depois de fazer aguada se foi a Cananor para se encontrar com o rei que lhe fez muito bom acolhimento e pôs à sua disposição carga para as naus se a quisesse comprar e empréstimo de dinheiro se dele precisasse, mostrando ser muito amigo do rei Dom Manuel. De tudo João da Nova lhe agradeceu, afirmando que não podia fazer nada sem primeiro ir a Cochim. No caminho tomou à força uma nau de Calecut que, depois de despejada, mandou queimar. Antes que João da Nova partisse de Cananor, o rei de Calecut mandou-lhe recado por um português de nome Gonçalo Peixoto.
“No dia em que mataram Aires Correia, eu próprio me salvei em casa de Cojebequi. Peço desculpa do que aconteceu a Pedro Álvares Cabral, mas não tenho culpa do que então se passou. Peço-lhe que venha encontrar-se comigo como amigo e tome carga no meu porto, onde achará tudo o que lhe for necessário.”              
Por Gonçalo Peixoto, Cojebequi mandou dizer a João da Nova:
“Não se fie no rei de Calecut. Tudo são falsidades para o ter próximo e o matar e tomar as suas naus.”
João da Nova não quis responder a nenhum dos recados e Gonçalo Peixoto não quis regressar a Calecut. A chegada de João da Nova a Cochim foi para os nossos ressuscitar e voltar de novo ao mundo porque ainda que o rei de Cananor os favorecesse muito e os mandasse de noite e de dia guardar pelos seus naires, andavam tão atemorizados por causa dos mouros da terra que lhes parecia que não podiam escapar de serem mortos e não mais verem pessoa do reino de Portugal.
O rei de Cochim fez muita honra e acolhimento a João da Nova, mandando-lhe logo dar toda a carga que lhe fosse necessária para as naus, emprestando-lhe dinheiro e todas as coisas que dele, do seu reino e vassalos viesse a precisar. Carregadas as naus com as especiarias que o feitor Gonçalo Gil Barbosa tinha prontas e outras que se compraram depois, João da Nova despediu-se do rei de Cochim e dos portugueses que ficavam na cidade para ir a Cananor comprar o que lhe faltava para a carga das naus ficar completa.
Quando já estava prestes a partir, no dia 16 de Dezembro, apareceram, do mar, mais de oitenta paraus que o rei de Cananor mandou dizer a João da Nova que eram do rei de Calecut e que o vinham acometer. O seu conselho era se chegarem bem a terra para ele, se necessário fosse, o mandar socorrer porque com quatro velas que tinha, seria impossível defender-se de tantas e de tanta gente que nelas vinha.
João da Nova ficou muito agradecido e mandou-lhe dizer que esperava no Senhor Deus ter deles vitória sem outra ajuda. No dia seguinte, pela manhã, amanheceu a terra de Cananor cercada destes paraus e de outras naus que, ao todo, eram mais de cem. João da Nova, vendo que o porto e passo por onde havia de sair lhe estava tomado, veio colocar-se no meio da baía de tal maneira que tanto ele como os outros capitães se podiam ajudar com a artilharia, mandando que jogassem com ela sem cessar de modo que os inimigos não os abalroassem porque nisto estava toda a sua salvação. Isto se fez com tanta ordem que, apesar de as naus e paraus de Calecut trabalharem muito para os abalroar não o conseguiram fazer. Nisto se passou todo o dia até quase ao sol-posto e, nesta altura, já havia, dos indianos, quatrocentos e dezassete mortos como depois se soube e muitos feridos, algumas das naus e paraus foram metidos ao fundo. Então levantaram os inimigos uma bandeira de paz que pareceu mais manha do que vontade ou desejo de paz. João da Nova mandou levantar o seu guião, sem a artilharia cessar. Os inimigos não quiseram retirar a bandeira da paz, mas antes, capeando, davam a entender que queriam falar ao capitão. João da Nova mandou hastear outra bandeira, dando-lhes sinal de paz. Veio  logo à nau-capitã um mouro pedir tréguas a João da Nova até ao outro dia. João da Nova concedeu-lhe a condição desde que saíssem logo da baía e deixassem o passo livre para a sua armada sair quando ele quisesse. Eles assim fizeram e indo eles adiante e a nossa frota na sua alçada, saíram todos da baía já era de noite, com pouca distância uma frota da outra.
Apesar da trégua ainda durar, nem por isso os inimigos deixaram de mandar a nado alguns dos seus para cortarem as amarras às nossas naus e atrás deles almádias com gente para, assim que as amarras fossem cortadas, lançarem fogo para dentro das naus. O que fariam se não fossem pressentidos, tendo logo como resposta tiros de espingarda e de bombardas com que os fizeram afastar. Nisto se passou toda aquela noite até ao alvor do dia em que os nossos verificaram que toda a frota dos inimigos se ia recolhendo para Calecut. Os nossos agradeceram muito a Deus por os livrar de um tamanho perigo.
Dali partiu João da Nova sem regressar a Cananor por já se ter despedido do rei e dos portugueses que ficavam na cidade. Seguindo assim a sua viagem para diante até ao monte Deli, tomou uma nau de Calecut que, depois de saqueada, mandou queimar e dali veio ter a Melinde e de Melinde a Moçambique e, passado o cabo da Boa Esperança, veio ter a uma ilha a que pôs o nome de Santa Helena, onde fez aguada. Era uma ilha de muito bons ares, apesar de pequena. É muito proveitosa a todas as nossas naus que a ela vão ter pela boa água, frutas e carnes que nela encontram.
Seguindo viagem, chegou a Lisboa com a sua frota junta no dia 11 de Setembro de 1502 e foi recebido pelo rei e por todos da cidade com muito prazer pela boa viagem que fizera e ilhas que descobrira.=    p. 97

Transcrita para o português actual por Maria Carmelita de Portugal

Lagos, 24 de Abril de 2017