sábado, 19 de setembro de 2015

Tributo ao Meu Pai - II


Lagos, 12 de Junho de 2013
Os Verdes Anos do Meu Pai
O avô materno do meu pai era uma pessoa muito instruída, educada, sábia e gostava muito de crianças. Chamava-se César Marreiros e era católico assumido; tinha um filho Capelão do Exército que orientou três sobrinhos, irmãos do meu pai a se integrarem nas Forças Armadas profissionalmente. Possuía um grande armazém de tudo em Santo Amaro, junto à Estrada de Sagres e lá trabalhava coadjuvado pelos seus empregados. Os meus avós paternos moravam perto do moinho de Santo Amaro e, portanto perto deste grande armazém; logo o meu pai, com poucos anos de idade, quando davam por ele, já estava com o avô César. O meu pai nasceu a 22 de Janeiro de 1930. 
Com o avô, o meu pai aprendeu a ser homem, a portar-se como um homem, a respeitar o seu semelhante segundo os valores cristãos e ajudava o avô no seu trabalho. Verificando o interesse do neto pelo negócio, começou a incentivá-lo e a aconselhá-lo a ter um negócio assim. ‘Ó avô, como é que eu posso ter um negócio destes? É impossível!’
‘Pois começares logo por um negócio destes é mesmo impossível, mas se começares devagarinho podes chegar lá. O importante é gostares deste negócio, teres confiança em ti e fé em Deus e vais conseguir.
Olha, primeiro tens de começar a trabalhar e poupar bastante para poderes arrendar uma casa, pagares o trespasse do negócio e comprares os primeiros artigos para a tua loja e ainda ficares com algum dinheiro de lado para alguma eventualidade que sempre surgem.’
O meu pai, jovenzinho, andava feliz!
‘Já cá estás? Ainda é muito cedo. Olha que a tua mãe ainda se zanga comigo.’
‘Não, ela sabe que eu estou aqui e disse-me “Lá está bem. Fico descansada. Mas vê se não vais para lá e me enganas. Então é que não sais daqui para lado nenhum!’
‘Sabe, avô, é que eu queria mesmo aprender.’
‘Está bem, está bem.’ e ria-se com muita vontade e o meu pai fazia tudo o que o seu avô lhe pedia e estava atento a tudo.
Quando tinha dezassete anos, o meu pai foi trabalhar para o mestre de obras, o Senhor Barroso, um pedido do seu avô César porque o seu pai não queria que ele continuasse com o avô ‘Assim não aprendia o que era a vida; o duro da vida.’ O seu avô não levantou mais problemas para não haver discussões e fez um pedido ao Senhor Barroso.
Sempre obediente, o meu pai aprendeu depressa a fazer o seu trabalho, mas não esqueceu o seu sonho e foi amealhando quanto pôde e ia aprendendo a contabilidade com o avô.
Quando tinha vinte e dois anos, sempre com o avô como mentor e coadjutor, arrendou um armazém, onde tem sido a sede do Benfica em Lagos, e montou o seu negócio, do mesmo género do avô e teve muito sucesso.
Pouco antes, tinha conhecido a minha mãe num baile, no Clube Artístico, em Lagos, namoraram e, passados quase quatro anos, casaram.
A minha mãe gostava muito de conversar e sempre que tinha alguém por perto arranjava logo motivo de conversa. Certo dia, em casa, estando eu presente e o meu pai também, começou a contar que… 
“Um dia, quando o teu pai estava na sua loja, durante as horas de trabalho, entrou pela loja adentro uma andorinha e o teu pai ficou quieto a observá-la. Ela escolheu um lugar junto das traves do tecto e saiu. Depois voltou e com o seu parceiro começaram a construir o seu ninho. Na hora de fechar a loja, o casal de andorinhas olhou para o teu pai e o teu pai para eles. Então decidiu:
«Vou deixar o postigo da porta entreaberto para elas poderem entrar e sair enquanto eu não estou cá.» E dirigindo-se ao casal de andorinhas, disse-lhes:
- E vocês guardem bem a loja. Não deixem os ladrões virem cá roubar-me. Não me façam arrepender de vos ter aceitado.
Elas começaram um grande chilrear e o teu pai assim fez.
Ora acontece que o teu pai, depois de fechar a loja vinha ter connosco à fazenda do Porto de Mós para jantarmos todos juntos e assim termos um tempinho para conversar porque o meu pai gostava também muito de conversar. Só que houve um dia que o teu pai fechou o postigo da porta, esquecendo-se das andorinhas que tinham lá o ninho. Já estava um pouco atrasado para o jantar e sabia que nós estávamos à espera dele. Monta na bicicleta a pedal e lá vem ele a caminho do Porto de Mós. Nós começámos a namorar tinha ele vinte anos e namorámos quase quatro anos.
Quando ia a meio da estrada para a nossa casa, lembrou-se de que tinha fechado o postigo da porta e assim as andorinhas não conseguiam entrar para alimentar os filhinhos.
- Bem, tenho de voltar para trás e ir abrir o postigo. Eles esperam mais um bocadinho. – pensou para consigo e assim fez. Já tinha a barriguinha a apertar, mas tinha de ser.
Voltou para trás, abriu a porta da loja, entreabriu o postigo, fechou a loja e lá foi ele novamente a caminho do Porto de Mós.
Entretanto nós estávamos preocupados; ele nunca tinha demorado tanto.
- Vai a ver, o Francisco cansou-se de nós e foi para outro lado. – disse eu ao meu pai.
- Não sejas assim, filha. Se ele ainda não chegou, deve ter os seus motivos; mas vai chegar e explicar tudo. Vais ver! Entretanto vamos nós começando a jantar que a fome aperta e o trabalho foi duro. – explicou-me o meu pai.
Quando o Francisco chegou já estávamos quase no fim da refeição.
- Ó homem, então a estas horas é que aparece! Nós estamos a acabar de comer, mas a sua parte está guardada. Fortunata, faz lá o prato para o Francisco. Já deve ter apetite!
- Muito, Sr Custódio.
- Então, lave as mãos e sente-se à mesa. Primeiro, coma e depois conte o que aconteceu.
- Sr Custódio. Foi um destes dias! Só azares.
Eu olhava de soslaio para ele, despeitada; mas muito atenta a tudo o que ele dizia.
- Foi assim, não foi, Francisco?

- Foi. – concluiu o meu pai com um sorriso distante nos lábios.   
Os meus pais casaram no dia 04 de Outubro de 1953. Eles queriam casar e ir morar na sua própria casa. Os meus avós paternos moravam na sua própria casa num terreno bem espaçoso; os meus avós maternos também tinham a sua própria casa com um óptimo quintal e um espaço ainda maior para uma horta doméstica. Foi uma oportunidade que surgiu e que eles aproveitaram para depois ter algum rendimento e quando já não pudessem trabalhar, “terem onde se abrigar”, como lhes dizia o Dr Gracias, proprietário da fazenda que tinham arrendado.
Então os meus pais procuraram casa/ terreno perto do local onde o meu pai tinha o estabelecimento comercial. Encontraram um bom lugar para construírem a sua própria casa e o meu pai foi falar com o proprietário; acertaram um valor – 4600$00 (quatro contos e seiscentos). O meu pai, todo feliz, foi contar ao seu pai e este teve a reacção oposta àquela que o meu pai esperava.
- Filho, tu não podes ir morar tão longe de nós; tu és o nosso guardião.
- Paizinho, não é longe, dez minutos a quinze de caminho a pé e a Emília vem ver-vos todos os dias. Além disso, a mana pode ser a vossa guardiã. Ela continua solteira e a morar convosco.
- Filho, tu não podes ir morar noutro lugar. Tens de morar aqui connosco!
- Paizinho, a Emília gostaria muito de que ficássemos com aquela casa. É perto da loja.
- A Emília não é chamada para aqui. Quem manda é o homem e tu és o homem da tua casa. Quanto vais pagar por esse terreno?
- 4600$00.
- O quê? 4600$00? Tens assim tanto dinheiro? Olha, tu sabes que nós não vivemos em fartura e esse dinheiro faz-nos falta. Tu dás-me esse dinheiro e ficas com o terreno que quiseres para construir a tua casa.
- Paizinho, eu vou casar com a Emília e ela tem direito à sua opinião e eu quero escutá-la. Eu também já dei a minha palavra de compra ao proprietário perto da loja…
-Essas coisas fazem-se e desfazem-se. Tu entregas-me esse dinheiro e podes começar já hoje a construir a tua casa…
- Eu vou falar com a Emília. É minha obrigação. Depois se vê.
Esta foi a resposta do meu pai já todo enervado e com a lágrima no olho. Não estava à espera de uma reacção daquelas do seu pai. Tinha vinte e três anos. Saiu do quintal onde estava com o seu pai e foi directo para a casa dos meus avós maternos.
Quando a minha mãe olhou para ele, disse logo:
- Bem, há coisa!
- Francisco, o que se passa para vires nesse estado?
- Não imaginas o que se passou. Fui falar com o meu pai sobre a compra do terreno para construirmos a nossa casa e o meu pai quer que lhe dê o dinheiro a ele e fique com o terreno que quiser para construir a nossa casa.
- Vem! Almoças connosco e conversamos com os meus pais.
Assim foi. E ficou decidido, em primeiro lugar, consultar o Doutor Gracias que estava sempre pronto a ajudá-los no que fosse preciso.
O Doutor Gracias escutou-o atentamente e disse-lhes:
- Em primeiro lugar, um pai não pode vender a um filho e o melhor que o Marreiros pode fazer é esquecer a proposta do seu pai e comprar o terreno que já está apalavrado.
- Doutor, os meus pais agora não me vão deixar em paz, enquanto eu não lhes der aquele dinheiro. A questão para eles é que eles se acham com direito a todo o dinheiro dos filhos e eu sou o guardião da família, mas quero casar e ter a minha família ”, disse o meu pai já num choro que não conseguia conter.
-Bem, o melhor é acalmar-se e falar do que eu lhe disse ao seu pai. Voltem cá amanhã!
Assim aconteceu.
- Paizinho, o paizinho não me pode vender o terreno porque sou seu filho.
- Filho, e quem precisa da lei para isto? Dás-me o dinheiro e constróis a tua casa e mais nada.
- Paizinho, não pode ser assim porque depois quando os pais um dia falecerem e houver partilhas, eu vou ter problemas com os manos.
- Não vais ter não, confia em mim!
- Paizinho, eu vou comprar o outro terreno. Eu não quero problemas com ninguém!
Surge a mãe do meu pai a apoiar o marido a 100% e nenhum dos dois queria compreender os motivos do meu pai. O importante era que ele lhes desse aquele dinheiro e construísse ali a sua casa; não havia necessidade de papéis. E não havia volta a dar à questão por parte do meu pai.
No dia seguinte, lá foram os meus pais encontrar-se novamente com o Doutor Gracias que era advogado de profissão.
- Não consigo, Doutor. Já me ameaçaram os dois de cortar relações comigo, eles e toda a família. Eu já não sei que fazer…
- Há sempre uma solução, mas que lhe vai trazer muitos dissabores no futuro, contudo a decisão só pode ser sua.
- Diga, Doutor, o que é que eu posso fazer?
- Se realmente decidir ficar junto dos seus pais; para ter alguma salvaguarda e poder, mais tarde, vender a sua casa, se quiser, precisa de ter tudo de acordo com a lei e com as assinaturas de ambas as partes. Para esta situação, só pode haver uma doação graciosa do seu pai para si, isto é, de graça, sem lhe entregar dinheiro nenhum.
- Doutor, eles só falam no dinheiro que lhes faz muita falta, mais do que ao outro a quem estava disposto a comprar.  
- Ai, Marreiros, vai meter-se num grande sarilho: fica sem o dinheiro e só vai arranjar inimigos…
- O Doutor ajuda-me nessa questão da doação; sempre é melhor do que nada. Emília, que me dizes?
- Eu não digo mais nada. Já sabes qual a minha opinião, mas não vou fazer finca-pé, estando tu no estado em que já estás. Sabes que eu não concordo nada com isso e, por mim, devíamos comprar o terreno ao pé da loja. Contudo aceito o que decidires.
- Então, Doutor, vamos para a doação. O que temos de fazer?
- Os seus pais que venham cá ao escritório falar comigo e depois vamos à Conservatória.
Assim ficou decidido e assim foi feito. O meu pai entregou os 4600$00 ao seu pai em dinheiro e eles foram à presença do advogado e depois à Conservatória.

Tudo o que o advogado previu, aconteceu e o meu pai arrependeu-se muitas vezes de ter resolvido as coisas a favor dos seus pais. Na mesma, mais tarde, teve de cortar relações com os pais que ofenderam e muito durante várias vezes os meus pais e, quando eles já estavam velhotes, foram os meus pais que os socorreram e lhes deram o apoio de que necessitavam. Todos os outros seis filhos moravam longe de Lagos.
Os meus avós paternos tinham uma casa com grande quintal e um portão de entrada que ficava junto à Rua de Santo Amaro, em Lagos. Um dia, um homem dirige-se à casa dos meus pais e diz ao meu pai:
- Senhor Marreiros, acabo de ver um quadro muito triste. Os seus pais estão os dois sentados em cadeiras ao portão. A sua mãe está num estado lastimoso, muito suja (ela sofria de aterosclerose e nas crises, sujava-se toda, dizendo que se estava a lavar) e o seu pai ali está muito triste. Disse-me que há três dias não comem e ele pediu-me para vir falar consigo e para a Emília começar a tratar deles. Foi ele que me indicou a sua casa.
- Eu nem sabia que eles estavam em casa. A minha irmã, que mora em Lisboa, tinha-os levado para a sua casa. Nós estamos de relações cortadas já há muito tempo e eles ofenderam-nos muito, principalmente à minha mulher.
- Ele disse-me isso, mas pedem-lhes muita desculpa. Que a sua esposa lhes perdoe, Deus também perdoa. A filha trouxe-os e foi-se embora sem dizer nada a ninguém.
- Bem, vou falar com a minha mulher e vamos já lá os dois. Muito obrigado, sempre são os meus pais.
Depois o meu pai foi falar com a minha mãe e lá foram os dois a casa dos meus avós paternos. Assim que o meu avô, José Inácio, viu os meus pais levantou-se da cadeira.
- Perdoem-nos, filhos, perdoem-nos! Eu sei que vos ofendemos muito e fomos culpados de muitas ofensas que vocês receberam, mas estamos arrependidos. Perdoem-nos!
- Sabe, foram ofensas terríveis, – disse a minha mãe – mas a vossa situação é muito triste. Nós trouxemos o jantar para os dois, mas primeiro vão lavar-se e vestir roupa lavada. O Francisco ajuda-me.
- Obrigado, Emília, obrigado. Que Deus a cubra de muitas bênçãos por tanto bem que nos faz.

- E ao Francisco também. – arrematou a minha mãe.  
Também me lembro de, quando tinha por volta dos oito anos de idade e tinha o meu irmão mais novo menos de um ano de idade, portanto cerca de 1963 – 64, de repente o meu pai começar a sentir as pernas muito fracas até que passou a não ter firmeza nenhuma nas pernas e, para andar, fazia-o, amparando-se às paredes e móveis. O meu pai já tinha deixado o seu emprego na fábrica da cortiça e já tinha montado o seu negócio na área alimentar com a minha mãe a apoiá-lo e já era proprietário de um bom gasolino.
Este passou a ser um tempo de grande aflição para todos nós.
- Francisco, como vamos fazer? Eu não dou conta de tudo sozinha e contigo não posso contar. – disse a minha mãe com as lágrimas nos olhos. Os filhos já eram três.
- Tem calma. Não percas a esperança!
Os meus pais percorreram todos os médicos que conheciam e sabiam ser dos melhores e outros que as pessoas que, vendo o sofrimento dos meus pais, aconselhavam. Foram feitos todos os exames que os médicos pediam. Nada, todos os médicos diziam que o meu pai não tinha doença nenhuma; não apresentava nenhuns sinais de doença.
- Doutor, eu não estou a fingir! É mesmo a sério; eu não consigo aguentar-me de pé. – disse o meu pai, desesperado e fazendo um esforço enorme para não desatar num pranto enorme tal era o desespero por que estava a passar. A loja estava fechada e a minha mãe acompanhava-o para todo o lado.
- Olhe, sabe o que me parece tudo isto? Outras coisas, outras doenças… procure outras ajudas e que Deus o ajude e encaminhe… - disse-lhe o último dos médicos que consultaram.
E os meus pais passaram a percorrer esses especialistas por todo o lado e todos lhes diziam:
- Fizeram-lhe um grande mal. Não tenho como ajudá-lo. Se é pessoa de fé, reze muito, faça promessas… a Deus nada é impossível!
O meu pai então lembrou-se de o seu avô César lhe ter contado que tinha passado por muito e que a Rainha Santa Isabel sempre lhe atendeu os seus pedidos e ele também nunca deixou por cumprir nenhuma das recompensas que prometeu.
Então o meu pai pediu à Rainha Santa Isabel, na sua muita fé que sempre teve, que, se voltasse a andar com as suas pernas com o vigor que sempre tiveram, oferecia pão a todos os pobres, estivessem eles onde estivessem.  
Nos dias seguintes, começou a sentir um calorzinho da cintura para baixo até à ponta dos pés e cada dia ia sentindo mais confiança até que, um dia, o meu pai sentiu-se com à-vontade para andar normalmente.
- Isto está. Emília, o milagre aconteceu. Já sou capaz até de saltar. Olha!
- Tem juízo, Francisco! Olha que para trabalhos, já basta!
- Não, estou bem. Estou mesmo curado.
Abraçaram-se os dois a chorar e eu também abracei os dois.
No dia seguinte, o meu pai encomendou ao fornecedor do pão o triplo do pão que costumava.
- Sr Francisco, como vai conseguir vender esse pão todo? Há para aí algum casamento?
- Não, é para pagar uma promessa minha.
- Por causa das pernas?
- Sim.
- Felicito-o e pode contar com esse pão e até mais se for preciso.
- Obrigado. – disse o meu pai com a voz embargada pela emoção.
No dia seguinte, a quem era pobre, oferecia o pão que ele/ela vinha comprar à loja e pedia ao cliente para dizer aos pobres que conhecesse para virem buscar o pão que precisassem que ele oferecia; foi às instituições de caridade da cidade de Lagos oferecer o pão que lhe pedissem.
Sr Francisco, amanhã já não precisamos de comprar pão. Bem-haja! Se houvesse mais gente assim o mundo estaria muito melhor!
O meu pai punha os olhos em baixo e as lágrimas escorriam pela cara abaixo e dirigia-se para a porta.
Depois foi aos bairros mais pobres de Lagos com sacos de pão, fazendo o percurso as vezes que fossem necessárias, para dar o pão que lhe pedissem e, no dia seguinte, ainda voltou porque o pão que tinha comprado não tinha chegado e só parou de oferecer quando não havia mais ninguém que não tivesse o pão que precisasse.

Muitos anos mais tarde, nos anos oitenta, quando me vi em grande aflição por causa dos esgotamentos cerebrais que me causaram, lembrei-me disto que os meus pais passaram, mas eu também vivi.
Gostaria de deixar uma nota para o facto de que o meu pai, depois de recuperada a sua saúde, ter deixado de beber e de fumar completamente; não mais o voltou a fazer.
Assim desde crianças que à nossa mesa de refeições não havia uma garrafa de vinho, pois o meu pai não bebia, a minha mãe já antes também não bebia e nós crianças também não bebíamos. Os meus irmãos, quando passaram a ter a sua família e casa, começaram a beber às refeições. Contudo, mesmo quando nos visitavam ou amigos que os meus pais convidavam e vinha garrafa de vinho para a mesa nem o meu pai nem a minha mãe nem eu os acompanhávamos. Muitas vezes diziam ao meu pai:
- Acompanhe-nos; um copo apenas não faz mal.
- Não, eu não bebo e não bebo mesmo!
- Desculpe!
Quando se fazia um brinde, eu e a minha mãe sempre tomávamos um pouco de Porto num cálice, mas o meu pai brindava com sumo de fruta.
Deixar de fumar foi bem difícil para ele, pois fumava desde os dezasseis anos. Lembro-me de uma vez em que o meu pai contestou algo que a minha mãe lhe disse num tom que ela não gostou:
- Francisco, olha bem como estás. Vê como estás a falar comigo; eu não te ofendi.
O meu pai bateu o pé e disse para si próprio em voz firme, olhando para o chão:
- Não me vences! Não me vais vencer!


E foi para outra divisão da casa. O seu sistema nervoso acalmou-se e não voltou mais a fumar na sua vida. Acredito que foi pedir ajuda à Rainha Santa Isabel.  
Um dia, já depois de os meus pais casados há alguns anos, veio para Lagos a primeira indústria, a fábrica da cortiça. A cidade de Lagos foi electrificada e esse facto mudou bastante o modo de vida em Lagos. A cidade modernizou-se...
O carvão, o petróleo e outros bens que o meu pai vendia, deixaram de se vender e as receitas diminuíram bastante, pois aqueles eram bens essenciais e de boa venda. O meu pai manifestou as suas preocupações à minha mãe e concordaram em que o meu pai fosse trabalhar para a fábrica da cortiça porque era um salário pequeno, mas certo e as despesas eram certas na família.
Mais tarde na sua vida, o meu pai voltou a ser um empresário de sucesso até ao 25 de Abril de 1974, mas depois continuou sempre empresário durante toda a sua vida activa. foi proprietário de três gasolinos alternadamente e empresário na área comercial.
O meu pai foi sócio n.o 443 do Clube Artístico Lacobrigense e sócio n.o 745 da Associação dos Bombeiros Voluntários de Lagos.
O meu pai foi membro do Apostolado da Oração desde 22 de Agosto de 1993 e membro do Movimento Cruzados de Fátima desde 17 de Outubro de 1993.
Desde que começou a receber o jornal “Barlavento” de divulgação com sede em Portimão o meu pai fez-se assinante deste jornal até que passou a receber também o jornal “Correio de Lagos” de divulgação. Então desistiu do jornal “Barlavento” e fez-se assinante do jornal “Correio de Lagos” e foi-o até ao seu falecimento.
O meu pai foi assinante do jornal diocesano “A Folha de Domingo”. =
O meu pai guardou na memória muitas coisas que o avô lhe ensinou e que nos repetia de vez em quando:
“Sabes, Francisco, o segredo de uma vida boa não é ganhar muito, mas sim gastar pouco. Gastar pouco não é comprar barato que depressa se estraga e lá temos de comprar novamente ou então faz mal à saúde; pelo contrário, é comprar bom, mas com conta, peso e medida e ir gastando segundo as necessidades.”
1. “Há dias que encontro o Dias que me aperta muito a mão.
- Ó Dias, o que dirias se te pedisse um tostão?
Vou bem, muito obrigado; mas sempre levo uma pressa.”

2. Quadra popular

Salsa verde na parede
Torce o pé e deita a rama
Assim eu torcesse a língua
A quem me deita má fama.

3. À Rainha Santa Isabel
Rainha Santa Isabel
rainha sem igual
pede a Deus pelos pobres
que morrem em Portugal.

Se tu fosses viva
com tuas mãos carinhosas
tornavas a dar a vida
aos pobres tal como fizeste
transformando o pão em rosas.




Os meus filmes

1.º – As Amendoeiras em Flor e o Corridinho Algarvio.wmv           http://www.youtube.com/watch?v=NtaRei5qj9M&feature=youtu.be
2.º – O Cemitério de Lagos
3.º – Lagos e a sua Costa Dourada
4.º – Natal de 2012
5.º – Tempo de Poesia

Os meus blogues

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http://www.passo-a-rezar.net/       meditações cristãs
http://www.descubriter.com/pt/             Rota Europeia dos Descobrimentos
http://www.psd.pt/ Homepage - “Povo Livre” - Arquivo - PDF
http://www.radiosim.pt/        18,30h – terço todos os dias
(livros, música, postais, … cristãos)
http://www.livestream.com/stantonius         16h20 – terço;  17h00 – missa  (hora de Lisboa)        http://www.santo-antonio.webnode.pt/

domingo, 13 de setembro de 2015

Tributo à Minha Mãe - 2


Lagos, 15 de Junho de 2013

No sábado, dia 25 de Maio, o INEM levou-a para o hospital. No domingo, eu, o neto e a sua mulher fomos lá visitá-la. Começámos a pedir-lhe para ela nos contar dos seus tempos de infância, do que fazia, ...
Então a minha mãe começa a contar-nos dos seus tempos na casa do Visconde de Miranda. Disse-nos ela ”Foram os tempos mais felizes da minha vida. Desde os meus quatro anos até aos onze, quando nasceu o meu irmão, passei praticamente o tempo todo com eles. A minha tia convenceu os meus pais que era melhor estar com eles do que sozinha em casa e eles também assim estariam mais descansados e os meus pais concordaram. Naquela casa da praça Luís de Camões, tive o amor, o carinho, a atenção, a educação do Visconde de Miranda, da sua irmã mais nova, Joanita, que lá vivia, da minha tia, de todos lá da casa.
Sempre que estava sozinha ia para a biblioteca e o visconde ia lá encontrar-me a olhar com muita atenção os livros das estantes, os quadros nas paredes, ... não tocava em nada; não mexia em nada, mas olhava, olhava ... depois, cansada, ia para o balcão que dava para a praça e aí via as pessoas a passar, escutava as suas conversas ... O tempo passava e não dava por isso.
Então o visconde dizia “Emília, estás bem? Ninguém dá pela tua presença. Ninguém te ouve!”
“Estou bem, Senhor Visconde.” respondia-lhe.  
“Anda cá. Senta-te aqui ao pé de mim. Olha, este livro é uma enciclopédia e desfolhava o livro e explicava-me as gravuras; lia-me algumas passagens e dava-me o contexto e eu não dizia nada, mas estava embevecida. Outras vezes eram outros livros de literatura. Outras vezes falava-me dos quadros que tinha nas paredes e contava, contava, contava ... e eu felicíssima escutava e admirava-o ainda mais pelo seu conhecimento. Entretanto vinha a minha tia que se punha a bordar ou fazer crochet e eu acompanhava as conversas; que, com ela, já me sentia mais à vontade para dizer alguma coisa.
Com a irmã do Senhor Visconde aprendi a ler, escrever e os conhecimentos básicos. Ela tinha uma biblioteca particular na área que lhe estava reservada. Quando o meu irmão nasceu e eu passei a estar com os meus pais e a olhar pelo meu irmão, ela emprestou-me muitos livros que eu lia quando os meus pais estavam fora. Todos os bocadinhos que tinha, usava-os a lê-los. Conheci os clássicos portugueses e estrangeiros e os livros que ela achava que me ajudariam na minha educação. Também a ela, lhe devo muito!
Quando havia festa na cidade ou iam a alguma feira, iam sempre à minha casa pedir aos meus pais que me deixassem ir com eles. Na maior parte das vezes, os meus pais permitiam e depois ia um criado da casa buscar-me.
Por tudo isto, digo que a minha infância e adolescência foram as melhores épocas da minha vida.”
Olhámos para ela e acariciámo-la. Ela sorriu. Estava cansada, notava-se, mas estava feliz!
O Visconde de Miranda, engenheiro agrónomo Joaquim Lopo de Miranda, e o seu pai, Custódio José, foram as pessoas que ela mais admirou na sua vida.
Nós despedimo-nos dela e saímos. Também tínhamos já ultrapassado o tempo das visitas.
Não voltou a conversar ou falar; foram aquelas as suas últimas palavras.
Passou a estar cada vez mais sonolenta; passou a estar a soro ... e faleceu passados cinco dias desde que deu entrada no hospital de AVC cerebral. Faleceu na manhãzinha de quinta-feira, dia 30 de Maio de 2013, com 84 anos de idade.
Recebi um telefonema a me informar que ela tinha falecido e dirigi-me ao hospital. Pelo caminho, encontrei uma vizinha que é voluntária no hospital e me disse “A sua mãe morreu tranquila e em paz. Teve uma morte linda”. Consolou-me um pouco. É bom quando assim é. Agradeci-lhe a atenção de me informar; é algo importante.
O Visconde de Miranda era presidente  da Ordem Terceira dos Carmelitas e ele convidou a minha mãe para membro desta Ordem. Aos 17 anos, em 1945, a minha mãe foi convidada para ser Secretária pelo Presidente, Visconde  de Miranda. Quando este faleceu, em 1947, o Movimento ficou sem governo por uns tempos.
Quando o Movimento retomou, em 1950, foi presidente a D. Floripes, cabeleireira, e após o casamento da minha mãe, em 1953, ela aceitou ser Presidente da Ordem Terceira Carmelita em Lagos e desempenhou estas funções de Janeiro de 1954 a Janeiro de 1959, por um mandato.
Em Lagos, havia principalmente a Ordem Terceira Carmelita ligada ao Convento das Carmelitas situado no Largo actualmente designado Largo Dr Vasco Gracias e a Ordem Terceira Franciscana ligada ao Convento Nossa Senhora da Glória, actualmente posto da GNR desde 1910.
Contudo a minha mãe teve outras épocas também muito boas até casar.
Quando o irmão da minha mãe tinha cerca de três anos e ela catorze, ela passou a frequentar a casa da sua madrinha-tia paterna, Margarida Cristina, que tinha três filhas pela idade da minha mãe e um filho que era o mais novo dos quatro. A 08 de Março de 1970, os meus pais foram padrinhos de Baptismo e de Registo de uma criança, para a qual a minha mãe escolheu os nomes Maria Cristina, os dois nomes próprios que a minha mãe sempre dizia que gostaria de ter. Realizou-os na sua afilhada.
A minha mãe costumava contar como era divertida e muito bricalhona esta tia que se assemelhava muito à mãe dela, Cristina da Conceição. Ela animava toda a casa e esta situava-se na rua Infante de Sagres, ao Hospital Velho, em Lagos. A minha mãe, com elas e com a sua mãe, começou a frequentar os bailes no Clube Artístico Lacobrigense, frequentado pela classe média de Lagos. O marido da tia Margarida Cristina era feitor do Visconde de Miranda de uma propriedade situada na área de Santo Amaro. Anos mais tarde, quando tinha 22 anos, a minha mãe conheceu o meu pai num baile neste Clube.
Andava a minha mãe pelos seus vinte e um anos quando a família mudou de casa. A nova casa ficava perto do mar – Porto de Mós. A família adorava aquele lugar. Assim que tinha um tempinho a minha mãe ia à praia com o irmão. Então logo, logo um casal dirigiu-se à minha mãe enquanto o meu tio brincava à beira-mar. A mulher falou com a minha mãe “Somos vizinhas.” disse. A minha mãe ficou meio encabulada “Verdade?” “Sim, moramos mesmo no outro lado da rua. Ele é o engenheiro Vilarinho e eu chamo-me Inês.” A minha mãe respondeu-lhe “Chamo-me Emília e aquele é o meu irmão Joaquim.” e o casal sentou-se ali perto. A D. Inês era muito faladora e falou como gostava de apanhar polvos, safios, moreias, ouriços-do-mar, ... nas marés vivas quando estava baixa-mar. A minha mãe ficou encantada. Era algo que ela não conhecia, mas como sempre, gostaria de aprender; estava sempre pronta para aprender o que não sabia. A D. Inês esclareceu “Eu não sei nadar. Tenho medo, mas para apanhá-los não preciso de me aventurar pelo mar.”  “Eu também não sei nadar, mas gostaria muito de aprender consigo.” “Ótimo, vamos ser grandes companheiras. O Vilarinho não gosta nada de apanhá-los; só comê-los no prato.” “E não é uma boa opção?” Todos se riram.
Sempre que o tempo se proporcionava, a D. Inês ia à casa da minha mãe fazer o convite “Amanhã está bom tempo para irmos pescar. Precisas de te levantar bem cedo. Às 8h 30mn espero por ti na minha casa.” “Combinado.” dizia a minha mãe. “Então amanhã há refeição melhorada cá em casa.” - dizia o meu avô e todos se riam. “Tenho trazido bastante pesca.” afirmava a minha mãe.
Mesmo durante a fase de namoro com o meu pai, seu único namorado, a minha mãe ia à pesca com a D. Inês que passou a ser a sua melhor amiga, apesar da diferença de idades – cerca de vinte anos mais velha. Com o casamento, a minha mãe foi morar para a sua própria casa e não houve mais pescaria, pois passou a ficar longe nem passeios com os Miranda, só umas visitas da minha mãe de vez em quando à sua tia Maria de Miranda “Titi”.
O casamento trouxe uma mudança radical à vida da minha mãe, mesmo de 180º. A minha mãe casou com 24 anos a 04 de Outubro de 1953. 
A minha mãe foi membro do Movimento Apostolado da Oração desde 22 de Agosto de 1993 e membro do Movimento Cruzados de Fátima desde 17 de Outubro de 1993.
 A minha mãe  foi assinante da revista “Família Cristã” desde o ano de 1996.
A minha mãe fez-se assinante do jornal “Correio de Lagos” , n.º 324 de 2012, após o falecimento do meu pai. Ela foi a sócia n.o 743 da Associação dos Bombeiros Voluntários de Lagos. Ela foi uma grande mulher, apesar de tantas adversidades. =



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Os meus filmes

1.º – As Amendoeiras em Flor e o Corridinho Algarvio.wmv           http://www.youtube.com/watch?v=NtaRei5qj9M&feature=youtu.be
2.º – O Cemitério de Lagos
3.º – Lagos e a sua Costa Dourada


4.º – Natal de 2012

Os meus blogues

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