domingo, 13 de setembro de 2015

Tributo ao Meu Pai - I


Sobre “À Memória do Meu Pai”
Lagos, 16 de Junho de 2013
O meu pai gostava muito de cantar, mas não o fazia frequentemente. Cantava apenas se estivéssemos nalgum convívio e lho fosse pedido.
Nos últimos tempos de convívios, lembrava-se só de três fados que cantava: Maria José dos Santos – Novo Fado da Severa – Marco do Correio. “Maria José dos Santos” era o fado de que mais gostava e que mais gostava de cantar. Em casa nunca cantava por cantar, mas ouvia muita rádio e discos de vinil e tinha uma voz bonita. A minha mãe nunca cantava, mas contava que, quando era solteira e ficava sozinha em casa, cantava com muito gosto a acompanhar os cantores da rádio enquanto fazia as suas tarefas. Uma ou outra vez a apanhei a cantar, acompanhando a rádio e dirigi-me para a divisão da casa onde estava, dizendo-lhe “canta muito bem; tem uma voz bonita.” Ela imediatamente parava de cantar e não voltava a fazê-lo. Não me dizia absolutamente nada.
Não sei o que se passava; talvez algum compromisso que tenham ambos assumido. Sei que o meu pai, quando era solteiro, passava muitos sábados e domingos sem se deitar por causa dos bailes. Após o casamento, isso não aconteceu nem uma única noite. Assumiu plenamente o seu estatuto de pai de família. 
Nos últimos tempos, a memória do meu pai começava a fraquejar-lhe. Ajudava-os (pai e mãe)  psicologicamente as canções e fados que iam escutando na rádio SIM da época da sua juventude.
Nós pedimos ao meu pai que fosse escrevendo o que gostasse. Ele assim o fez. Escreveu letras de canções e fados de que gostava e se ia lembrando. Depois chegou uma altura em que deixou de o fazer. Dizia que o cansava muito. Nós respeitámos e não insistimos mais. Contudo ainda se estava a dois anos do período dos AVC e seu falecimento.
Desses apontamentos transcrevo:
Maria José dos Santos

Maria José dos Santos
Formosa, cheia de encantos
Há três anos que namorava
Com um moço bem comportado
Rapaz pobre, mas honrado
Que cegamente a amava.

Ela aos seus pais deu a entender
O que tencionava fazer
Era com ele casar
Mas seu pai assim falou
Agora dizer-te vou
O que andamos a tratar.

Esse rapaz de quem gostas
Deves virar-lhe as costas
Não lhe queiras ter amor.
Tens o teu primo que é rico
E eu muito contente fico
Ver-te casar com um doutor.

Que me importa o ser doutor
Se eu não lhe tenho amor
A filha assim respondeu
Tu tens de me obedecer
Ao que eu te vou dizer
Se pai me queres chamar.

Eu lhe obedecerei
Mas nunca esquecerei
Do homem que p’ra mim nasceu.
Bem contra a sua vontade
Aos pais mostrou lealdade
E com seu primo casou.

No dia do casamento  
Com grande acompanhamento
Ela à igreja chegou ....
(não há mais escrito ou porque acabou assim ou porque o meu pai se esqueceu do resto.)
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Amor  não me engana

Que amor não me engana
Com a sua bravura
Se da antiga chama
Mal vive a amargura.

Numa mancha negra
Numa pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia.

Às vezes se abraçam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apertam
Mais se ouve o seu grito.

Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem p’ra minha beira
Em novas cantadas.

Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela primavera.

Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer se me esperas
Ao nascer do dia.=
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O fado da Mouraria.
Zanguei-me com meu amor
Não o vi em todo o dia
À noite cantei melhor
O fado da Mouraria.

O sopro de uma saudade
Vinha beijar-me hora a hora
P’ra ficar mais à vontade
Mandei a saudade embora.

Quando regressou ao ninho
Ele que nem assobia
Vinha a assobiar baixinho
O fado da Mouraria.=
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LÁGRIMA
Cheia de penas, cheia de penas me deito
E com mais penas com mais penas me levanto
No meu peito já me ficou no meu peito
Este meu jeito de te querer assim tanto.

Eu desespero tenho por meu desespero
Dentro de mim dentro de mim o castigo
Eu não te quero eu digo que não te quero
E à noite de noite sonho contigo.

Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile estendo o meu xaile no chão
Estendo o meu xaile e deixo-me adormecer.

Se eu soubesse se eu soubesse que morrendo
Tu me havias tu me havias de chorar
Por uma lágrima tua por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar.=
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Marco do correio
Minha rua é sossegada
Tem à beira do passeio
A coisa mais engraçada
Que é o marco do correio.

Marco do correio
De totinho ao centro
Não sabes eu creio
O que tens lá dentro.

Quantas raivas e desejos
Mil respostas e perguntas
Quantas saudades e beijos
E muitas lágrimas juntas.

Marco do correio
Deixa-me espreitar
Deixa que eu não leio
Nem vou divulgar.

Vá lá não fiques zangado
Deixa-me ler por favor
A carta que tens ao lado
A carta do meu amor.=
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AI MOURARIA
Ai Mouraria
Da velha rua da Palma
Onde eu um dia
Deixei presa a minha alma.

Por ter passado
Mesmo ao meu lado
Certo fadista
De cor morena
Boca pequena
E olhar trocista.

Ai Mouraria
Da mulher do meu encanto
Que me mentia
Mas que eu adorava tanto.

Amor que o vento
Como um lamento
Levou consigo
Mas que ainda agora
A toda a hora
Mora comigo.

Ai Mouraria
Da velha rua da Palma
Onde eu um dia
Deixei presa
A minha alma.

Por ter passado
Mesmo ao meu lado
Certo fadista
De cor morena
Boca pequena
E olhar trocista.

Ai Mouraria
Da mulher do meu encanto
Que me mentia
Mas que eu adorava tanto.

Amor que o vento
Como um lamento
Levou consigo
Mas que ainda agora
A toda a hora
Mora comigo.=
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Vielas de Alfama
Vielas de Alfama
Horas mortas noite escura
Uma guitarra a trinar
Uma mulher a cantar
O seu fado de amargura.

Através da vidraça
Enegrecida e quebrada
Aquela voz magoada
Que entristece quem lá passa.

Vielas de Alfama
Ruas da Lisboa antiga
Não há fado que não diga
Guisas do vosso passado.

Vielas de Alfama
Beijadas pelo luar
Quem me dera lá morar
Para viver junto do fado.

Às vezes a lua desperta
E apanha desprotegidas
Duas bocas muito unidas
Numa porta entreaberta.

Então a lua curvada
Pressente a sua culpa
E como quem pede desculpa
Esconde-se envergonhada.=
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Novo Fado da Severa
Ó rua do Capelão
Juncada de rosmaninho
Se o meu amor vier cedinho
Eu beijo as pedras do chão
Que ele pisar no caminho.

Tenho o destino marcado
Desde a hora em que te vi
Ó meu amor adorado
Viver abraçado ao fado
Morrer abraçado a ti.=
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Fado das Mãos Sujas
Ter as mãos
sujas do trabalho
É ser alguém
O que só pode acontecer
Aos homens sãos.

Tenho as mãos
sujas do trabalho
Não me importa
Ainda bem
Mas ai de quem
Não tem coragem
De sujar um dia as mãos.

Mãos sujas do suor
Mãos negras do trabalho
Penhor de gente humilde
E do melhor brasão.
São quem desbrava a terra
Quem semeia o pão.

Mãos que um dia
Em França
Olhando a Pátria-Mãe
Pegaram no cornetim
Tocando unir fileiras.

Andar arranhado
Nas terras de ninguém
Ao alto das fileiras
Levantaram austeros
As suas mãos.

Ter as mãos
sujas do trabalho
É ser alguém o que só
Pode acontecer
aos homens sãos.=
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A Canção do Mar
Fui bailar
No meu batel
Além no mar cruel
E o mar bramindo
Diz que eu fui roubar
A luz sem par
do teu olhar tão lindo.

Vem saber
se o mar terá razão
Vem cá ver
bailar meu coração.
Se eu bailar
no meu batel
Não vou ao mar cruel.

E nem lhe digo
aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar,
 Viver, sonhar contigo.=
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CARTAS DE AMOR
Cartas de amor
Quem as não tem?
Cartas de amor
Pedaços de dor
Sentida de alguém.

Cartas banais
São andorinhas
Num vaivém.
Cartas de amor
Pedaços de dor
Sentida de alguém.=
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onde estão teus olhos negros?
Onde estão teus olhos negros?
Onde estão teus olhos negros?
Que de noite quando me deito estão juntos.
Que de noite quando me deito estão juntos.

Quando me levanto estão longe.
Quando me levanto estão longe.
Quando me levanto estão longe.
Onde estão teus olhos negros?=
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Povo que lavas no rio
Povo que lavas no rio
Que talhas com teu machado
As tábuas do teu caixão
Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não.

Fui ter à mesa redonda
Beber em malga que esconda
O beijo de mão em mão
Era o ninho que me deste
Água pura, fruto agreste
Mas a tua vida não.

Aromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição
Povo, povo, eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso
Mas a tua vida não.=
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Entre as letras das canções/fados que o meu pai ia escrevendo, encontrei estes poemas que não me parece tenham sido cantados. Parecem-me mais poemas escritos pelo meu pai para a minha mãe celebrando o seu amor. Era uma relação muito bonita e com muito amor. Contudo parece-me recordar-me que o meu pai tenha passado à minha mãe o bloco de apontamentos quando o escreveu para que a minha mãe o lesse, mas tudo se passou sem alarido, sem uma palavra. No silêncio e com muita cumplicidade que sempre existiu entre os dois. Acredito que estes poemas vêm dos seus tempos de namoro.

No teu vidro da janela
Eu escrevi “quero-te bem”
Tu para mim és uma estrela
Não sonho com mais ninguém.

És uma estrela diferente
daquelas que há no céu
O sol nascente e o poente
do que somos tu e eu.

Temos o mesmo olhar
as mesmas mãos inquietas
Acertamos sem falar
 pensamentos como setas.

Há tanto na nossa alma
que o corpo não descobriu
Há tanto nada se há calma
 e  não me cessa o brio.=
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Vamos acordar cedinho.
Amor, anda beber devagar
Nas fontes do ar
Como fora vinho.

Os dois pela estrada fora
Como sendo um  só
sem espaço nem hora
E sem temor
Qual réstia de pó.

Amor, anda ver
O sol a nascer
Sobre o horizonte.
Amor, anda ver
A água a correr
Debaixo da ponte.

Dar-te-ei a flor
Da mais linda cor
Que por lá houver.
E o sol como em sonho
Vestirá risonho
A flor que prefere.

Tu vais de certeza
Do solo à cabeça
Respirando vida
E no tronco forte
Da árvore mais alta
Gravado em corte
“Amor” exalta.=



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Os meus filmes

1.º – As Amendoeiras em Flor e o Corridinho Algarvio.wmv           http://www.youtube.com/watch?v=NtaRei5qj9M&feature=youtu.be
2.º – O Cemitério de Lagos
3.º – Lagos e a sua Costa Dourada


4.º – Natal de 2012

Os meus blogues

http://www.psd.pt/     - “Povo Livre” - arquivo - PDF
http://www.arteemgestao.pt/  (empresa de consultoria e negócios utilizando a metodologia 'coaching')

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