Hoje
venho partilhar convosco este meu trabalho que escrevi em 2006 numa
homenagem sentida a este homem tão importante das artes e cultura
portuguesas devido às notícias que corriam na altura sobre a
destruição da sua casa em Lisboa.
Lagos, 01 de Abril de 2006
As
Viagens
na Minha Terra
de Almeida Garrett fizeram-me estudar novamente as Invasões
Francesas de 1807-1811 e verifiquei que, desde o início o Algarve
foi ocupado por regimentos franceses e isso levou-me a outra ordem de
pensamentos: exactamente à Praia de S. Roque e a uma espécie de
bivalves que lá se apanham nas alturas das marés grandes. Aquele
cujo nome varia de lugar para lugar onde é apanhado; em Lisboa são
cadelinhas e cá no barlavento são conquilhas ou condelipas.
Se nos
quisermos debruçar sobre o assunto, acho que, com estes bivalves
aconteceu o mesmo que com muitas outras coisas que temos: foram os de
fora que nos ensinaram a reconhecer e a aprender a gostar daquilo que
temos e não damos a nossa menor atenção até que um dia chega
alguém de fora e nos mostra como é bom.
Se
tomarmos atenção à palavra conquilha,
ela é uma adaptação da palavra francesa conquilles
e certamente não é pela erudição da população do barlavento,
mas sim porque os soldados franceses já conheciam este género de
alimento e ensinaram aos nativos a cozinhá-los para eles e claro que
quem cozinha, prova e gostaram e adoptaram o nome para conquilha e o
alimento.
No
entanto, reza a lenda que não foi só a soldadesca que gostou das
conquilhas. Diz-se que havia um general ou um comandante francês
cujo passatempo favorito era apanhar conquilhas entre a Praia de S.
Roque e Alvor: era o conde de Lippe. Certamente haveria portugueses
que perguntariam aos seus soldados em português, apontando para o
conde:
- Ele, que
faz?
E o
soldado francês, que não tinha estudado português teria
respondido:
-
Conde de Lippe. (pensando
que lhe estariam a perguntar quem ele era)
O
português de certeza que iria ter com ele, porque somos muito
curiosos, e dir-lhe-ia:
-
Condelipa?
- Sim.
O
comandante teria no pensamento a sua pessoa e o português aquilo que
ele estava a apanhar.
Assim
passou a existir mais uma palavra nova na nossa língua – condelipa
para designar aquela espécie de bivalves. ❐
Apresentação
Neste
país, mais uma vez, se está a desprezar e a destruir a memória de
um português que lutou pela sua pátria, que arriscou a SUA vida e
quis valorizar o povo português. Além do seu exemplo de vida,
deixou uma obra valorosa e vasta escrita que devia ser mais divulgada
e apreciada.
Os meios
de comunicação têm divulgado que a bonita casa de Almeida Garrett,
onde ele viveu e de onde ele partiu para o outro mundo, está em
risco de ser demolida para lá ser construído um edifício moderno
de um banco. Parece-me mais uma vontade mesquinha de alguém que quer
apagar esta memória, talvez por motivos correlegionários, mais do
que por falta de espaço. Se assim for, é triste que, em pleno
século XXI, ainda não se saiba reconhecer uma pessoa de valor e um
património inestimável; ainda não se saiba respeitar quem pensa
diferente, quem age diferente, quem é diferente. Ainda não se saiba
respeitar e valorizar o património e a memória de um país e de uma
nação, seja o seu representante de que quadrante for.
Não
conhecem a liberdade; não respeitam a Liberdade! ❐
Lagos,
20 de Março de 2006
Análise
do século XVIII
D.
João V
Comecemos
por situar Almeida Garrett no contexto histórico que o antecedeu e
também naquele em que viveu.
D. João
V, um homem muito culto, começou o seu reinado a nove de Dezembro de
1706 e governou quase meio século. Foi um dos reinados mais
brilhantes e prósperos da nossa história. Foi um rei absoluto, sem
a convocação das Cortes, mas ouvia quase sempre os seus
conselheiros e dava, duas vezes por semana, audiência pública ao
povo que se queixava livremente e o rei mandava atender os seus
pedidos e queixas. O absolutismo de D. João V apresentava, ainda e
apesar de tudo, um carácter paternal pela noção que o rei tinha de
que era responsável diante de Deus pela maneira como governasse o
seu povo.
D. João V
era um rei excepcionalmente dotado para a arte de governar e
conseguiu realizar uma obra notável nos vários sectores da vida
portuguesa.
Na
política externa concluiu o Tratado de Utreque que pôs termo à
Guerra da Sucessão de Espanha.
Internamente,
reorganizou as forças armadas – exército e marinha – que tinham
chegado à última penúria e desprestígio.
Defendeu a
causa da cristandade a pedido do Papa Clemente XI, organizando uma
esquadra que derrotou os turcos em Matapão em 1717.
Conseguiu
salvar o país da crise económica em que se arrastava desde o século
XVII, graças às riquezas vindas do Brasil e aos esforços
despendidos para manter Portugal afastado dos conflitos que
ensanguentavam a Europa. Soube sabiamente reorganizar a
administração, sanar as finanças e fomentar a vida económica.
Fundou ou desenvolveu indústrias, entre as quais as do papel, dos
metais, das sedas e do vidro e favoreceu a agricultura.
Foi grande
protector das letras, das artes e das ciências. Fundou a Academia
Real da História e a Escola de Música em Lisboa; a Academia de
Portugal em Roma. Deu protecção pessoal a muitos escritores, sábios
e artistas. É do seu reinado a invenção do primeiro aparelho para
viajar pelo ar do Pe. Bartolomeu de Gusmão.
Mandou
construir grandes monumentos notáveis: o Aqueduto das Águas Livres
em Lisboa, que resolveu o difícil problema do abastecimento de água
a Lisboa, condenada a não se desenvolver e que imediatamente passou
a alargar a sua área, com rapidez incrível, ganhando condições de
grande cidade que depois foi. Também mandou construir o Convento de
Mafra, obra artística de valor inestimável, que se tornou um
importante centro de cultura, pela riquíssima biblioteca que lá
fundou, pela criação da aula de arquitectura que lá criou. Dotou
também a Biblioteca da Universidade de Coimbra de um conjunto de
valiosas obras que a elevaram a uma das melhores bibliotecas da
Europa.
A
sua política, na ordem internacional, foi tão acertada que Portugal
gozava de imenso prestígio, difícil de igualar, por essa Europa
fora e soube manter Portugal fora das numerosas e sangrentas lutas
que fervilhavam entre as várias nações e até serviu de árbitro
diplomático nelas.
D.
José I
D.
José I, bem preparado para governar, pois falava correctamente
italiano, francês e espanhol; conhecia bem os autores clássicos, em
especial os religiosos. Além de uma rica cultura humanista, aprendeu
a arte militar, geografia, matemática, música sendo um excelente
apreciador de música coral e sinfónica. Inicia o seu reinado a 8 de
Agosto de 1750 e vai adoptar as ideias em moda na Europa do
despotismo
esclarecido
ou Iluminismo
que pretendia concentrar nas mãos do rei todos os poderes para
realizar a tarefa de difundir entre o povo as luzes da cultura, da
civilização, forçando-o a elevar-se do estado de obscurantismo
para o da razão esclarecida.
Assim D.
José transformou completamente a política portuguesa e o
absolutismo real perde o carácter familiar para ser um poder rígido,
intangível e total em que a vontade do rei não tem quaisquer
limites. D. José suspende as audiências ao povo; ficará
inacessível, nas alturas do poder, ajudado apenas pelos seus
ministros, também isolados do contacto fecundo com a nação, mas
preocupado com a publicação de leis justas e de boa razão para a
felicidade dos seus súbditos.
Não podia
assim D. José delegar o poder soberano nas mãos de secretários do
Estado que fossem únicos responsáveis da acção política. Cabia a
D. José I conduzir os negócios públicos e assumir as
responsabilidades inerentes à soberania, deixando aos seus ministros
executar o precioso depósito da sua real autoridade.
De
imediato escolheu Sebastião José de Carvalho e Melo – conde
de Oeiras,
um entusiasta do despotismo esclarecido, por sugestão do duque
Manuel Teles da Silva que o conhecia da Áustria, para Secretário
de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra
e outros colaboradores com as mesmas ideias. Criou-se uma eficiente
legislação nas áreas do Ultramar, Justiça e Fazenda.
Restabeleceu-se a segurança pública em muitas zonas do reino onde
os roubos e os assassínios traziam as populações em sobressalto.
Passados
cinco anos desde o início deste reinado, a um
de Novembro de 1755,
pelas nove e meia da manhã de sábado, dá-se um enorme cataclismo –
o Terramoto
– que abalou Portugal e a Europa e assim se fecha a primeira fase,
bem clara, do reinado de D. José I. Face ao cataclismo que destruiu
uma grande parte de Lisboa e que lançou a miséria e a dor em muitos
lares, o rei confiou as soluções imediatas a Carvalho e Melo que
foi o único Secretário de Estado a impor-se em tão duras
circunstâncias. Passados
seis meses,
com a morte do ministro do Reino, Carvalho e Melo entrega o seu
ministério e passa
a ministro do Reino.
Terramoto
de 1755
A um de
Novembro de 1755, pelas nove e meia da manhã de sábado, dá-se um
enorme cataclismo – o Terramoto – que abalou Portugal,
principalmente e com enorme veemência Lisboa, mas também Cascais,
Peniche, Setúbal, Alentejo e Algarve; também a Espanha e Marrocos.
O
terramoto, por ocorrer no Dia
de Todos-os-Santos
e durante a hora da missa, fez com que grande parte da população
ficasse sepultada nos escombros dos templos que ruíram. As velas e
as lamparinas que ardiam nos santuários criaram numerosos focos de
incêndio que rapidamente se propagaram, devido às características
dos edifícios e ao traçado sinuoso de Lisboa, por um grande
amontoado de casas.
A Terra
tragou, as ruínas esmagaram, o fogo consumiu riquezas enormes
adquiridas nas colónias e graças à explosão do barroco em todas
as suas manifestações no reinado de opulência de D. João V. O
próprio palácio real se desmoronou, ardeu toda a magnífica
biblioteca privada da responsabilidade de D. João V e o seu núcleo
de livros de música.
Os templos
mais fortes e os edifícios mais seguros ficaram reduzidos a
escombros. Acompanhava o tremor de terra, um rugido medonho como o de
um espantoso trovão. O mar, com espantosa braveza, saia dos seus
limites.
Os homens
que ficaram vivos, mais pálidos que os mesmos cadáveres, vagavam
loucamente sem acertar caminho; uns cobrindo com um lençol a sua
nudez, buscavam o lugar do refúgio; outros com os corpos meio
enterrados nas ruínas pediam, com desconcertados gritos socorro aos
que passavam junto a si; outros com os braços e pernas quebrados
lamentavam a sua desgraçada miséria. Ninguém sabia onde
refugiar-se e só se lembravam de fugir para os campos. Tudo era
pasmo, horror e confusão e em toda a corte não se viam mais do que
ruínas e morte. Em breve espaço de tempo a cidade se viu reduzida a
um montão de pedras: os bens do Príncipe, da Igreja e do Estado
sofreram todos a mesma sorte. No meio desta confusão os Ministros do
Evangelho puseram-se em campo a semear a Palavra Divina, pregando
penitência e depois do terramoto se ateou improvisamente das
próprias ruínas um horrível fogo que queimou muita gente e
incendiou os templos, mosteiros e palácios, secretarias, cartórios,
ouro, prata, tapeçarias quanto havia de maior valor. Este fogo durou
seis dias sem haver quem o dominasse. Os ladrões aproveitaram-se
desta conjuntura fazendo muito furtos, roubando casas e templos.
O porto de
Lisboa, na altura cheio de navios carregados de mercadorias das
colónias e para as colónias, ficou todo destruído.
O ar, a
água, a terra e o fogo, cada qual de modo mais medonho prosseguiu na
ruína da cidade.
Todos os
lugares onde foi sentido este tremor de terra, o mar entumescido,
afogou muita gente que se tinha refugiado nas praias.
Àquela
imensa ruína os homens assistiam impotentes, aniquilados, apanhados
na armadilha dos elementos da natureza em fúria, sem que nem do céu
nem da terra lhes viesse auxílio ou possibilidade de fuga.
Várias
réplicas se seguiram depois.
Podemos
considerar este terramoto – de 1755 – como factor de uma atitude
de viragem, causa de uma mudança imposta pelas medidas que foi
necessário tomar para superar a crise que, em ondas concêntricas,
alastrou pelo país e se repercutiu em todos os sectores da sociedade
desta época, abalando-a desde os alicerces.
Perante um
desastre de tais proporções que subverteu profundamente o habitual
curso da vida, os homens interrogaram-se e, consoante a sua cultura,
formação e estrato social, procuraram dar uma explicação que
respondesse cabalmente às dúvidas suscitadas. Um fenómeno que
atingiu todos os estratos da população, criava a necessidade
urgente de encontrar uma explicação que serenasse os espíritos e
que, de uma forma metafísica ou religiosa ou simplesmente
naturalista, justificasse o carácter intempestivo e violento do
terramoto.
Miguel
Tibério Pedegache escreveu, em 1756, e descreve com minúcia as
condições naturais registadas durante o terramoto, o estado do
tempo – sereno e puro e barómetro a 27 polegadas e sete linhas, a
temperatura – 14 graus, os impulsos da terra – tremeu a terra com
três impulsos. Ele aponta com exactidão a turvação das águas dos
rios, o ruído subterrâneo que precedeu o terramoto, a direcção do
abalo que veio do ângulo do Sudoeste para Nordeste e o mar seguiu a
sua impulsão. Considera como uma das principais causas da ruína dos
edifícios, além do incêndio a terra que ora se movia verticalmente
ora se inclinava para um e outro lado. Enfim os movimentos eram tão
contrários e tão opostos que os muros mais fortes e mais grossos
facilmente se separaram e caíram.
Neste
contexto se desenvolveu a intervenção imediata e eficaz da política
seguida pelo conde de Oeiras – Sebastião Carvalho e Melo que a 18
de Setembro de 1770, após vinte anos de apego ao serviço público e
de provada dedicação a D. José I, se viu recompensado com o título
de 1º
marquês de Pombal.
O
terramoto de Lisboa representa, sem dúvida, um dos mais importantes
acontecimentos que modificaram a estrutura da sociedade portuguesa na
segunda metade do século XVIII. Além de medidas inovadoras a nível
económico, social e político que posteriormente foram tomadas, fez
desencadear o aparecimento de diversas correntes de opinião em que
se questionaram conceitos fundamentais como a Providência, a Justiça
Divina e a interpretação científica dos fenómenos naturais.
A
catástrofe sofrida por Lisboa, com os seus efeitos devastadores, deu
origem em Portugal e no resto da Europa a uma controvérsia sobre o
optimismo e a existência do mal na Terra, motivando diversas
posições filosóficas, metafísicas ou científicas que
sobreviveram na literatura da época e exprimem a importância deste
debate na história do pensamento europeu.❐
Percurso
de Portugal
1755
– Terramoto em Lisboa; Fundação da Companhia de Grã-Pará e
Maranhão;
1756
– Criação da Companhia Geral da Agricultura dos Vinhos do Alto
Douro;
1758
– Atentado contra D. José;
1759
– Execução dos conjurados; expulsão dos jesuítas;
1772
– Reforma da universidade;
1777
– Morte de D. José. Início do reinado de D. Maria I;
1778
- Demissão do Marquês do Pombal. Libertação dos presos do Estado;
1779
– Fundação da Academia Real das Ciências;
1780
– Fundação da Casa Pia;
1792
– Loucura da rainha;
1793
– Campanha do Russilhão;
1796
– Fundação da Real Biblioteca Pública;
1801
– Incursões espanholas; perda de Olivença;
1807
– Invasão francesa (Junot); saída da família real para o Brasil;
1808
– Vitórias de Roliça e Vimeiro;
1809
– Invasão francesa (Soult);
1810
– Invasão francesa (Massena); batalha do Buçaco;
1820
– Instauração do regime constitucional-liberal;
1822
– D. Pedro proclama a independência do Brasil;
1823-4
– Golpe de estado de D. Miguel; exílio de D. Miguel;
1828
– Regresso de D. Miguel e sua aclamação;
1832
– Desembarque no Mindelo das forças liberais;
1834
– Convenção de Évora-monte; exílio de D. Miguel; extinção das
ordens religiosas; rainha, a D. Maria II; morte de D. Pedro;
1836-47
– Revoltas e levantamentos;
1853
– Morte de D. Maria II;
1856
– Abolição da escravatura no ultramar.❐
N.A.
– As ideias iluministas que tiveram a sua concretização no
reinado de D. José I, têm a sua origem na Revolução Francesa em
1789 e expandem-se pela Europa e em Portugal durante as invasões
francesas de 1807 – 1810. Neste período das invasões francesas,
Portugal e os portugueses sofreram todas as calamidades pelas vidas
perdidas, pelo empobrecimento do país, sujeito durante anos a fio ao
saque dos estrangeiros, à guerra, à fome e à brutal carestia e à
ausência dos intelectuais, dos quadros técnicos, da arte, da
cultura e da riqueza existente no país, pois tudo foi deslocado para
o Brasil para bem do Brasil que alcançou uma dignidade e
desenvolvimento a todos os níveis que nunca tinham pensado ser
possível lá acontecer. No entanto, no país, permaneceu, em anos
vindouros, a dignificar um povo sacrificado – o elogio
às qualidades demonstradas pelo soldado português: enérgico,
frugal, paciente, dócil e engenhoso. Esta deserção completa para o
Brasil, deixando em Portugal apenas os deserdados da sorte trouxe a
Portugal onde encontrou terreno fértil uma nova filosofia de vida,
de maneira de estar e fazer, uma nova dignidade aos que ficaram, com
a ajuda das tropas francesas.
O
valor da imprensa
Com
os primeiros anos do novo século – XIX – e os acontecimentos
derivados das Guerras Peninsulares, uma nova era surgiria na edição
em Portugal. Uma mudança quase absoluta de interesses inicia-se nos
finais de 1807. Efectivamente, as publicações de tipo científico
que até aí preenchiam o campo cultural desaparecem perante o surto
inusitado de um novo tipo de publicações. Em Maio de 1808, um
extraordinário surto panfletário inicia-se em Portugal. O editor
toma consciência do valor da opinião pública perante os
extraordinários acontecimentos que ocorrem na Europa. A sua força
passa a ser instrumento que, na mente das autoridades e dos leitores,
toma o lugar das armas sendo para muitos, mais contundente e
perigoso. A tirania imposta pela França onde imperava um sistema
oriundo de uma assembleia de representantes, vai contrapor-se à
tirania tradicional do poder real. A revolução francesa criara um
clima de inquietações e dúvidas. O pequeno escrito satírico e
violento explode em torrentes para caricaturar o inimigo. Entre 1808
e 1811 estes opúsculos são de uma tenaz persistência dirigindo o
seu ataque a pessoas ou à Constituição, à França e à sua
política, a Napoleão e aos seus generais. A partir daí, afastado o
perigo do invasor a nível do território nacional, baixa
significativamente a sua edição.
Após a
saída dos invasores, ficou o ódio e o rancor ao opressor, mas
também muito do seu credo político. Em 1816, o governo da regência
estimou que devia permitir uma liberdade de impressão ilimitada para
não deixar arrefecer o ardor do povo. Mas depressa, após assegurada
a Restauração, recuou e passou de um extremo ao outro, ao ponto de
proibir a impressão de qualquer escrito que tivesse um cheirinho a
liberdade.
A
revolução liberal de 1820
A 24 de
Agosto de 1820 deu-se uma revolução em Portugal que solidificou a
27 de Outubro e que criou a Junta Provisional do Governo Supremo do
Reino ao mesmo tempo que a Junta Provisional Preparatória das Cortes
com o objectivo de criar as condições para as eleições que se
realizaram a 10, 17 e 24 de Dezembro de 1820 e as Cortes tiveram a
sua primeira sessão a 24 de Janeiro de 1821.
A 7 de
Setembro de 1822, D. Pedro, filho de D. João VI, no Brasil, declara
a independência do Brasil.
A
23 de Setembro de 1822, foi assinada a Nova Constituição de
Portugal pelos deputados e no dia 30 de Setembro, o rei D. João VI,
fez o seu juramento solene a esta constituição. Nesta constituição
se declarava que “o
governo da Nação Portuguesa é a monarquia constitucional
hereditária.”(Art.º
29), mas o rei, embora não estivesse submetido a responsabilidade
(Art.º 127), ficava numa posição de subalternidade em relação às
Cortes, uma vez que a “autoridade
do rei provém da nação”(Art.º121)
A 12 de
Outubro de 1822, no Brasil, D. Pedro é aclamado Imperador do Brasil.
A
conjuntura internacional não era favorável aos liberais portugueses
e a pressão exercida a nível europeu e os acontecimentos que
tiveram lugar em Espanha desencadearam uma contrarrevolução em
Portugal liderada por D. Miguel, filho de D. João VI, e forças
militares que se instalaram em Vila Franca de Xira. D. João VI
junta-se ao filho, subscrevendo uma proclamação aos habitantes de
Lisboa na qual anunciava o propósito de modificar a constituição
desse ano. O governo foi dissolvido e a constituição suspensa. A
tentativa de golpe de estado em 29 de Abril de 1824 pretendeu operar
uma viragem ainda mais acentuada num sentido absolutista.
No dia 30
ocorreram prisões em massa de liberais.
O rei, D.
João VI, desterra D. Miguel que deixa Portugal a 13 de Maio de 1824.
Foi decisiva a acção do corpo diplomático no abortar deste golpe
absolutista. D. João VI continua a governar, mas a constituição
não é alterada.
D. João
VI morre a 10 de Março de 1826 e quem lhe sucede no trono?
D. Miguel
tinha sido expulso do país e D. Pedro era imperador do Brasil. Em
Outubro deste ano – 1826 – os apoiantes de D. Pedro, da Carta,
liberais e os apoiantes de D. Miguel, absolutistas, combatem por todo
o país numa guerra civil que vai durar até 27 de Maio de 1834, dia
em que é assinada a Convenção de Évoramonte por absolutistas e
liberais com D. Miguel a abdicar das suas pretensões ao trono e a
proposta de D. Pedro, de 1826, a ser aceite por ambas as partes. A
proposta de D. Pedro, imperador do Brasil, consistia na aceitação
por Portugal de uma nova constituição enviada por ele em Abril de
1826, em novas eleições em Portugal e na sua abdicação do trono
de Portugal a favor da sua filha, Maria da Glória, futura D. Maria
II. Assim aconteceu: a 15 de Agosto de 1834 reuniram as Cortes que
aclamaram D. Maria da Glória, rainha de Portugal.
Apesar
disto, os ânimos em Portugal não se acalmaram e esta dualidade
permaneceu com lutas e batalhas um pouco por todo o país, mas de
forma dispersa, até finais de 1847.❐
II
PARTE
”Viagens na minha terra” de Almeida Garrett
Esta
viagem de Almeida Garrett com amigos a Santarém inicia-se no dia 17
de Julho de 1843, segunda-feira, com quarenta e quatro anos de idade.
Ele viveu as invasões francesas e as suas consequências até esta
data.
Para
compreender esta crónica e as divagações de Almeida Garrett ao
longo desta pequena viagem até Santarém, de uma semana, convém ter
sempre presente o contexto português em que ele viveu e que está
acima descrito.
Então
leiamos e ouçamos Almeida Garrett:
“Frades
... frades ... eu não gosto de frades. Como nós os entendemos hoje,
não gosto deles, não os quero para nada, moral e socialmente
falando. Porém o frade faz muita falta.
Nas
cidades, aquelas figuras altas e sérias, com os seus hábitos
talares, quase todos pitorescos e alguns elegantes, atravessando as
multidões de macacos e bonecas de casaquinha esguia e chapelinho de
alcatruz que distinguem a peralvilha raça europeia. Cortavam a
monotonia do ridículo e davam fisionomia à população.
Nos
campos, o efeito era ainda maior: eles caracterizavam a paisagem,
poetizavam a situação mais prosaica de monte ou de vale e tão
necessárias, tão obrigadas figuras eram, em muitos desses quadros,
que sem elas o painel já não é o mesmo. Além disso, o convento no
povoado e mosteiro no ermo animavam, amenizavam, davam alma e
grandeza a tudo; eles protegiam as árvores, santificavam as fontes,
enchiam a terra de poesia e de solenidade. O que não sabem nem podem
fazer os agiotas barões que os substituíram. O barão é o mais
desgracioso e estúpido animal da criação. O barão é
usurariamente revolucionário e revolucionariamente usurário.
Ora
sem sair dos barões e tornando aos frades, eu digo que nem eles
compreenderam o nosso século, nem nós os compreendemos a eles ...
Por
isso brigámos muito tempo. Afinal vencemos nós e mandámos os
barões a expulsá-los da terra. No que fizemos uma sandice como
nunca se fez outra. O barão mordeu no frade, devorou-o ... e
escouceou-nos a nós depois.
Com
que havemos nós agora de matar o barão?
Mas
o frade não nos compreendeu a nós; por isso, morreu e nós não
compreendemos o frade; por isso fizemos os barões de que havemos de
morrer.
Ora
o frade foi quem errou primeiro em nos não compreender a nós, ao
nosso século, às nossas inspirações e aspirações com o que
falsificou a sua posição, isolou-se da vida social, fez da sua
morte uma necessidade, uma coisa infalível e sem remédio.
Assustou-se com a liberdade que era sua amiga, mas que o havia de
reformar e uniu-se ao despotismo que o não amava senão relaxado e
vicioso porque de outro modo lhe não servia nem o servia.
Nós
também errámos em não compreender o desculpável erro do frade, em
lhe não dar outra direcção social e evitar assim os barões que é
muito mais daninho bicho e mais roedor.
Porque
desenganem-se, o mundo sempre assim foi e há-de ser. Por mais belas
teorias que se façam, por mais perfeitas constituições com que se
comece, o status
in
statu
forma-se logo ou com frades ou com barões ou com pedreiros-livres se
vai pouco a pouco organizando uma influência distinta quando não
contrária às influências manifestas e aparentes do grande corpo
social. Esta é a oposição natural do progresso, o qual tem a sua
oposição como todas as coisas sublunares e superlunares, esta
corrige saudavelmente às vezes e modera a sua velocidade; outras a
empece com demasia e abuso, mas enfim é uma necessidade.
Ora
eu, que sou ministerial do progresso, antes queria a oposição dos
frades do que a dos barões. O caso estava em a saber conter e
aproveitar. O progresso e a liberdade perdeu, não ganhou.
Quando
me lembra tudo isto; quando vejo os conventos em ruínas, os egressos
a pedir esmola e os barões de berlinda, tenho saudades dos frades –
não dos frades que foram, mas do que poderiam ser. O frade que é
patriota e liberal na Irlanda, na Polónia, no Brasil poderia e
deveria sê-lo entre nós e nós ficávamos muito melhor do que
estamos, com meia dúzia de clérigos de requiem
para nos dizer missa e com duas grosas de barões, não para tal
oposição salutar, mas para exercer toda a influência moral e
intelectual da sociedade porque não há outra cá.
Se
exceptuarmos o débil clamor da imprensa liberal, já muito esganada
pela polícia, não se ouve no vasto silêncio deste ermo senão a
voz dos barões gritando contos de réis!
Dez
mil réis por um eleitor!
Mais
duzentos contos pelo tabaco!
Cinco
mil contos para as estradas dos aeronautas!
Seis
mil contos para isto, dez mil contos para aquilo!
Não
tardam a contar por centenas de milhares.
Contar
a eles não lhes custa nada.
A
quem custa é a quem paga para todos esses balões de papel: a terra
e a indústria .................................
II
Pegue
qualquer na bela crónica de el-rei D. Fernando; obedeça à lei
concorrendo com o seu cruzado (moeda) novo para o aumento e glória
da benemérita companhia que tem o exclusivo desses caranguejos de
vapor que andam e desandam no rio; entre nos referidos caranguejos em
que além da porcaria e do mau cheiro, não há perigo nenhum senão
o de rebentar toda aquela câmara óptica que anda por arames e que
em qualquer país civilizado onde a polícia fizesse alguma coisa
mais do que imaginar conspirações, há muito estaria condenada a ir
ali caranguejar para as Lamas, à sua vontade. Mas enfim, cá não há
doutros nem haverá tão cedo, graças ao muito que agora diz que se
cuida dos interesses materiais do país e, portanto tome o seu lugar,
passe o mesmo que eu passei; chegue-me a Santarém; descanse e
ponha-se-me a ler a crónica. Verá se não é outra coisa; verá se
diante daquelas preciosas relíquias ainda mutiladas, deformadas como
elas estão por tantos e tão sucessivos bárbaros, estragadas, enfim
pelos piores e mais vândalos de todos os vândalos, as autoridades
administrativas e municipais do feliz sistema que nos rege ainda
assim mesmo não vê erguer-se diante de seus olhos os homens, as
cenas dos tempos que foram; se não ouve falar as pedras, bradar as
inscrições, levantar-se as estátuas dos túmulos e reviver-lhe a
pintura toda, reverdecer-lhe toda a poesia daquelas idades
maravilhosas!
...
cansou-se-me a cabeça, peguei no Camões e fui para a janela. Era
uma destas manhãs de inverno como as não há senão em Lisboa. Abri
os Lusíadas à ventura, deparei com o canto IV e pus-me a ler
aquelas belíssimas estâncias:
E
já no porto da ínclita Ulisseia ...
Pouco
a pouco amotinou-se-me o sangue, senti baterem-me as artérias da
fronte ... as letras fugiam-me do livro, levantei os olhos, dei com
eles na pobre nau Vasco da Gama que aí está em monumento-caricatura
da nossa glória naval ... E eu não vi nada disso: vi o Tejo, vi a
bandeira portuguesa flutuando com a brisa da manhã, a Torre de Belém
ao longe ... e sonhei, sonhei que era português, que Portugal era
outra vez Portugal.
Eram
as últimas horas do dia, quando chegámos ao princípio da calçada
que leva ao alto de Santarém. A pouca frequência do povo, as hortas
e pomares mal cultivados, as casas de campo arruinadas, tudo indicava
as vizinhanças de uma grande povoação, descaída e desamparada. O
mais belo dos seus ornatos e glórias suburbanas ainda o possui a
nobre vila; não lho destruíram de todo; são os seus olivais.
Reconheceu-o o meu coração e alegrou-se de os ver; saudei neles o
símbolo patriarcal da nossa antiga existência e no murmúrio das
folhas que o vento agitava a espaços, ouvir o triste suspirar de
seus lamentos pela vergonhosa degeneração dos netos ...
Chegámos
enfim ao alto; a majestosa entrada da grande vila está diante de
mim.
Fora
da Vila
é um largo vasto, irregular e caprichoso como um poema romântico.
Palácios, conventos, igrejas ocupam gravemente e tristemente os seus
antigos lugares, enfileirados sem ordem aos lados daquela imensa
praça em que a vista dos olhos não acha simetria alguma, mas
sente-se na alma.
À
esquerda, o imenso Convento do Sítio ou de Jesus, logo o das Donas,
depois o de S. Domingos, célebre pelo jazigo de S. Frei Gil.
Defronte o antiquíssimo Mosteiro das Claras e ao pé as baixas
arcadas góticas de S. Francisco. À direita, o grandioso edifício
filipino, perfeito exemplar da maciça e pedante arquitectura
reaccionária do século XVII, o Colégio, tipo largo e belo no seu
género, das construções jesuíticas ...
Mais
abaixo e no fundo desse declive, aquela massa negra é o resto, ainda
soberbo, do já imenso palácio dos condes de Unhão.
Entrámos
a porta da antiga cidadela. Que espantosa e desgraciosa confusão de
entulhos, de pedras, de montes de terra e caliça! Não há ruas, não
há caminhos: é um labirinto de ruínas feias e torpes.
Depois
de muito procurar entre pardieiros e entulhos achámos a Igreja de
Santa Maria de Alcáçova. A real colegiada de Afonso Henriques, a
quase catedral da primeira vila do reino, um dos principais, dos mais
antigos, dos mais históricos templos de Portugal, isto? ...
mesquinha e ridícula massa de alvenaria, sem nenhuma arquitectura,
sem nenhum gosto! Risco, execução e trabalho de um mestre pedreiro
de aldeia e do seu aprendiz! É impossível. Mas era, era essa. A
antiga capela real, a veneranda Igreja da Alcáçova foi passando por
sucessivos reparos e transformações até que chegou a esta miséria.
Perverteu-se
por tal arte, o gosto entre nós, desde o meio do século passado
especialmente; os estragos do terramoto grande quebraram por tal modo
o fio de todas as tradições da arquitectura nacional que, na
Europa, no mundo todo, talvez se não ache um país onde, a par de
tão belos monumentos antigos como os nossos, se encontrem tão
vilãs, tão ridículas e absurdas construções públicas como essas
quase todas que há um século se fazem em Portugal.
Nos
reparos e reconstruções dos templos antigos é que este péssimo
estilo, esta ausência de todo o estilo, de toda a arte mais ofende e
escandaliza.
Olhem
aquela empena clássica, posta de remate ao frontispício todo
renascença da Conceição Velha, em Lisboa. Vejam a emplastagem de
gesso com que estão mascarados os elegantes feixes de colunas
góticas da nossa Sé.
Não
se pode cair mais baixo em arquitectura do que nós caímos quando,
depois que o marquês de Pombal nos traduziu
em vulgar e arrastada prosa, os rococós de Luís XV que no original,
pelo menos eram floridos, recortados, caprichosos e galantes como um
madrigal, esse estilo bastardo, híbrido, degenerando
progressivamente e tomando presunções de clássico, chegou nos
nossos dias até ao chafariz do Passeio Público!
Aqui
pegado ao pardieiro rebocado da capela entra-se por esta portinhola
estreita e baixa, rasgada, bem se vê que há poucos anos, no que
parece muro de um quintal ou de um pátio. Recebeu-nos o actual
possuidor e habitante do régio alcácer, ilustre e venerado chefe do
Partido Progressista em Portugal que veio fixar aqui a sua residência
no alcácer do nosso primeiro rei. Entrámos na pequena horta em
forma de claustro que une a antiga casa dos reis com a sua capela.
Assim foi, sem dúvida, noutro tempo: a parede oriental da igreja é
o muro do quintal de um lado, mas as comunicações foram vedadas,
provavelmente quando a Coroa alienou o palácio e o separou assim
perpetuamente do templo. Plantada de laranjeiras antigas, os muros
forrados de limoeiros e parreiras, aquela pequena cerca, apesar de
muitos canteiros e alegretes de alvenaria com que está moirescamente
entulhada, é amena e graciosa à vista.
Santarém
é um livro de pedra em que a mais interessante e mais poética parte
das nossas crónicas está escrita. Rico de iluminuras, de
recortados, de florões, de imagens, de arabescos e arrendados
primorosos, o livro era o mais belo e o mais precioso de Portugal.
Encadernado em esmalte verde e prata pelo Tejo e por suas ribeiras,
fechado a broches de bronze por suas fortes muralhas góticas, o
magnífico livro deveria durar sempre enquanto a mão do Criador se
não estendesse para apagar as memórias da criatura. O povo de cuja
história ela é o livro ainda existe; mas esse povo caiu em
infância; deram-lhe o livro para brincar; rasgou-o, mutilou-o,
arrancou-lhe folha a folha e fez papagaios e bonecas, fez carapuços
com elas.
Não
se descreve por outro modo o que esta gente, chamada governo, chamada
administração, está fazendo e deixando fazer há mais de um século
em Santarém.
As
ruínas do tempo são tristes, mas belas; as que as revoluções
trazem, ficam marcadas com o cunho solene da história; mas as brutas
degradações e as mais brutas reparações da ignorância, os
mesquinhos consertos da arte parasita; esses profanam, tiram todo o
prestígio.
A
vida palpitante e actual acabou em Santarém inteiramente; hoje é um
livro que só recorda o que foi.
No
caminho encontrámos o barão de P. – barão de outro género e que
não pertence à família lineada que nesta obra procurámos
classificar para ilustração do século.
Os
ilustrados municipais santarenos têm tido por vezes o nobre e
generoso pensamento de demolir a porta de Atamarma por onde entrou D.
Afonso Henriques para reconquistar Santarém; o arco de triunfo de
Afonso Henriques, o mais nobre monumento de Portugal! A ideia é
digna da época. Felizmente parece que tem faltado o dinheiro para a
demolição. Por cima da porta de Atamarma está uma capelinha de
Nossa Senhora da Vitória. Quer a tradição que primeira erguida e
consagrada à Virgem pelo heróico fundador da monarquia e da
independência portuguesa. Este é um dos muitos pontos em que a
religião das tradições deve ser respeitada e criada sem grandes
exames porque nada ganha a crítica em pôr dúvidas e o espírito
nacional perde muito em as aceitar.
Eu
creio na Senhora da Vitória de Santarém e em muitos outros santos e
santas que a religião do povo tem por esses nichos e por essas
capelas e por esses cruzeiros de Portugal a recordar memórias de que
se não lavrou outro auto, não se escreveu outra escritura; de que
não há outro documento e que os frades croniqueiros não julgaram
dever escrever por melhor escrito e mais bem guardado nos livros de
pedra em que estava. Coitados! Não contaram com os aperfeiçoadores,
reparadores e demolidores das futuras civilizações que para pôr as
coisas em ordem, tiram primeiro tudo do seu lugar.
A
Câmara de Santarém, não podendo demolir o arco, tomou um
meio-termo que aposto que ninguém é capaz de adivinhar. Aforou
a capela por cima da porta, com altar, com santos e tudo e assim
esteve aforada alguns anos, não sei para quê nem porquê; o caso é
que esteve.
O
ano passado (1842), porém, começou a manifestar-se esta reacção
religiosa que os especuladores quiseram logo converter em ganância
pessoal, descontando-a no mercado das agiotagens facciosas, mas
perdem o seu tempo, ainda bem! Veio logo esta reacção nas ideias
das gentes e a capela da Senhora da Vitória sobre o arco, não sei
também como nem porquê, foi desforada
e restituída ao culto popular. A capela é um refacimento ridículo
e miserável, sem nenhuma da solenidade do antigo, nem elegância
moderna alguma.
Ai!
Santarém, Santarém! Abandonaram-te, mataram-te; agora cospem-te no
cadáver.
Santarém,
Santarém, levanta a tua cabeça coroada de torres e de mosteiros, de
palácios e de templos!
Mira-te
no Tejo, princesa das nossas vilas e verás como eras bela e grande,
rica e poderosa entre todas as terras portuguesas.
Ergue-te,
esqueleto colossal da nossa grandeza e mira-te no Tejo. Verás como
ainda são grandes e fortes esses ossos desconjuntados que te restam.
Ergue-te, esqueleto de morte; levanta a tua face; sacode os vermes
que te poluem; esmaga os répteis que te corroem, as osgas torpes que
te babam, as lagartixas peçonhentas que se passeiam atrevidas por
teu sepulcro desonrado.
Ergue-te,
Santarém, e diz ao ingrato Portugal que te deixe em paz, ao menos
nas tuas ruínas, mirrar tranquilamente os teus ossos gloriosos; que
te deixe em seus cofres de mármore, sagrados pelos anos e pela
veneração antiga, as cinzas dos teus capitães, dos teus letrados e
grandes homens.
Diz-lhe
que te não vendam as pedras de teus templos, que não façam
palheiros e estrebarias de tuas igrejas; que não mandem os soldados
jogar a pêla com as caveiras dos teus reis e a bilharda com as
canelas dos seus santos.
Tiraram-te
os teus magistrados, os teus mestres, os teus seminários ... tudo,
menos o entulho e a caliça, as imundícies e os monturos que
deixaram acumular em tuas ruas que espalharam por tuas praças.
Santarém,
nobre Santarém, a Liberdade não é inimiga da religião do Céu nem
da religião da Terra. Sem ambas, não se vive, degenera-se,
corrompe-se e em seus próprios desvarios se suicida.
A
religião de Jesus Cristo é a mãe da Liberdade; a religião do
Patriotismo a sua companheira. O que não respeita os templos, os
monumentos de uma e outra, é mau amigo da Liberdade, desonra-a,
deixa-a em desamparo, entrega-a à irrisão e ao ódio do povo
........
A
igreja da Graça, pequena e do pior gosto moderno, notável não tem
nada, senão quatro medalhões de pedra lavrada com bustos de homens
e de mulheres em relevo que visivelmente pertenceram à edificação
antiga e que actualmente estão incrustados na tosca alvenaria do
cruzeiro. São talvez relíquias da primitiva Igreja do Santo Milagre
que nas sucessivas edificações se têm conservado. Abençoado seja
o escrupuloso que as salvou deste último melhoramento
que houve no desgraçado e desgracioso templo.
Nela
se conservaram, por espaço de cinco ou seis anos, os restos mortais
da senhora infanta D. Maria da Assunção que falecera em Santarém
nos últimos meses da ocupação daquela vila pelas forças liberais.
O cadáver mal embalsamado e com más drogas, foi metido num caixão
de folha de Flandres. Em pouco tempo a corrupção estragou e rompeu
a folha e uma infecção terrível apestava a igreja. Sofreu-se isto
anos; apresentou-se ao governo várias vezes, mas nenhuma solução
se pôde obter até que o prior, declarando que, se não mandavam
tomar conta daqueles restos da pobre princesa, ele se via obrigado a
metê-los na terra, foi-lhe respondido que fizesse como entendesse e
ele entendeu que os devia sepultar no cruzeiro da igreja, como fez. E
aí jaz, em sepultura rasa, sem mais distinção nem epitáfio, a mui
alta e poderosa princesa D. Maria, filha do mui alto e poderoso
príncipe D. João VI, Rei de Portugal, imperador do Brasil e da
conquista e navegação, etc.
Assim
é o mundo, as suas grandezas e as suas glórias!
A
casa onde se operou o Santo Milagre conservou-se por alguns séculos
em grande veneração, em mil seiscentos e tantos converteu-se por
fim em capela. Hoje está abandonada, chove em toda ela e apenas tem
uma má porta que a defende das incursões dos animais. Pena e
desleixo grande porque é elegante e graciosa a capelinha, lavrada de
bons mármores no melhor gosto
do século XVI. De renascença já muito adiantada no clássico, é
um verdadeiro tipo de estilo filipino que tanto predomina nesta época
em toda a península.
Pela
invasão de Massena, o grande palácio escalabitano foi mandado
recolher a Lisboa e aí se conservou alguns anos até muito depois da
completa retirada dos franceses. Passado todo o perigo de que o
exército invasor roubasse ou profanasse a santa relíquia, começou
a reclamá-la o senado e povo santareno e a mostrar muito pouca
vontade de a restituir o senado e o povo ulissiponense que foi
necessário um estratagema de um humor inqualificável para que a
relíquia regressasse a Santarém.
Em
Santarém, há poucas casas particulares que se possam dizer
verdadeiramente antigas; na Ribeira, nenhuma. As emplastagens e
replastagens sucessivas têm anacronizado tudo; mas na vila alta ou
Marvila há os templos, os conventos, a cerca das muralhas que
todavia conservam a fisionomia histórica da terra.
Lá
encontrámos o Colégio, edifício grandioso, vasto, magnífico,
própria habitação da Companhia-rei que o mandou construir para
educar os infantes, seus filhos. Creio que esta e a de Coimbra eram
as duas principais casas que para isso tinham os Jesuítas em
Portugal. Foram os Templários dos séculos modernos, os Jesuítas. A
potência formidável e quase régia que aqueles levantaram com a
espada tinham estes fundado com a doutrina. Riquezas, poder,
influência, uns e outros as tiveram, com aplauso e aquiescência
geral; uns e outros as perderam do mesmo modo. Aqui esteve depois de
muitos anos o seminário patriarcal, cujas aulas frequentava a
mocidade do distrito. Hoje lêem-se ali outras palestras da cátedra
administrativa. É a sede do governo civil.
Santarém
é das terras de Portugal a mais bem situada e qualificada para um
grande estabelecimento de instrução e de educação pública.
Porque não há-de estar aqui o Colégio Militar ou a Casa Pia ou
outra grande escola, seja qual for? Porque há-de ser esta
centralização de ensino em Lisboa? Em que se funda um privilégio
dado à capital, em prejuízo e à custa das províncias?
Visitámos
S. Domingos, um dos mais antigos estabelecimentos monásticos do
reino. Não sei descrever o que senti quando a enferrujada chave deu
a volta na porta da igreja e o velho templo se patenteou aos nossos
olhos. Acabara de servir de palheiro! A derradeira camada de palha
que apodrecera aderia ainda ao lajedo húmido e exalava um forte
vapor mefítico que nos sufocava. Podemos ver os túmulos dos d’Ocens
e tantos outros interessantes monumentos que abundam na parte
superior do templo. A inferior ou corpo da igreja é de um miserável
e moderno anacronismo.
Respirando
a custo aquele ar infecto, todo o tempo que lhe pudesse resistir quis
aproveitá-lo em examinar a principal e mais interessante relíquia
da profanada igreja - a capela e jazigo de S. Frei Gil. A capela de
S. Frei Gil é um mesquinho rifacimento
moderno do lado esquerdo da igreja sem nenhum vestígio de
antiguidade, nenhum ornato característico, pesada, grosseira, velha
sem ser antiga, um verdadeiro non-descriptum
de mau gosto e sensaboria. O túmulo do santo está elevado no altar
numa espécie de mau trono. Subi acima da degradada e profanada
credência para o examinar de perto. É de pedra o jazigo, mas
ultimamente vê-se que tinham pintado a pedra; não tem lavor algum.
E estava vazio, a loisa levantada e quebrada!...
Quem
me roubou o meu santo?
Quem
foi o anátema que se atreveu a tal sacrilégio?
Era
o ano de 1834.
Entremos
no convento das pobres Claras, tão aflitas e desconsoladas, agora
que as ameaçam de dissolução como aos frades.
Não
será assim: aquelas instituições não metem medo aos verdadeiros
liberais e os outros lá têm o espólio dos frades para devorar;
estão entretidos; as freiras salvam-se por ora.
Chegadas
junto à capela onde estava o cofre, as freiras pararam conservando
as duas alas da procissão e continuando no acentuado murmúrio do
seu salmo. Findo o salmo, seguiu-se breve intervalo de silêncio.
Depois os três homens levantaram-se e deixando cair as suas capas,
viu-se que o do meio era um frade velho, magro, curvado e seco,
trajando ainda, apesar
da lei,
o burel preto dos franciscanos e cingido com a sua corda. Os outros
dois eram domínicos e vestiam de preto e branco, segundo as cores do
seu proscrito instituto.
O
velho franciscano subiu com passo trémulo os degraus do altar,
beijou o cofre que estava sobre ele e evoltando-se para a comunidade
que o contemplava em religioso silêncio disse com uma voz cava que
parecia vir do sepulcro, mas acentuada e forte:
-
Irmãs, vimos entregar-vos este depósito precioso. Deus não quer
que os cadáveres dos seus santos fiquem expostos às aves do Céu e
às alimárias da Terra. Este é o santo corpo de um dos maiores
santos que produziu esta terra de Portugal quando era abençoada.
Hoje é maldita e não devia conservar as suas relíquias. Os filhos
de S. Domingos foram expulsos de sua casa assim como nós fomos;
nós, filhos de Francisco; encontrámo-nos sem tecto nem abrigo uns e
outros e juntámos as nossas misérias para as chorarmos como irmãos
que somos, como filhos de pais que tanto se amaram e ajudaram.
Peregrinaremos juntos por essas solidões da terra e juntos iremos
bater por essas portas que cerrou a impiedade e a indiferença, a
pedir o pão de cada dia porque temos fome. Que importa! Não
professamos nós, não nos honramos nós de ser mendigos? De que
vivemos nós sempre, senão de esmola? Não choreis, irmãs, não
choreis sobre nós. Deus que o permitiu, bem sabe o que fez. Louvado
seja Ele sempre! Nós tínhamos pecados para mais! Ainda foi
misericordioso connosco o Senhor da justiça e do castigo. A nós
tiraram-nos tudo, tudo! Até estas mortalhas que tínhamos escolhido
em vida e que nem a morte ousava roubar-nos. A furto e como quem se
esconde para um acto criminoso, nós a vestimos esta noite para
cometer o que eles chamarão um furto e que era uma obrigação
sagrada nossa. Fomos à antiga casa de nossos irmãos e roubámos o
corpo do bem-aventurado S. Frei Gil. Aqui vo-lo entregamos:
guardai-o. Enquanto estes muros estiverem em pé que o abriguem dos
desacatos dessa gente sem Deus nem lei. A vós não ousarão
expulsar-vos daqui; talvez vos matem à fome ... não pode ser: Deus
não há-de permiti-lo; mas qualquer que seja a Sua vontade,
resignai-vos a ela, minhas irmãs. Só Ele sabe como nos ama e como
nos castiga. Louvemo-l’O por tudo.
Assim
desapareceu do túmulo o corpo de S. Frei Gil de Santarém.
Os
tempos são outros hoje: os liberais já conhecem que devem ser
tolerantes e que precisam de ser religiosos.
Quando
houver em Portugal um governo que saiba ser governo; há-de regular e
consolidar a existência das freiras; há-de aproveitá-las para as
piedosas instituições do ensino da mocidade, da cura dos enfermos e
do amparo dos inválidos.
Os
barões andam-lhe com o cheiro nos poucos bens que lhes restam às
pobres freiras.
Mal
do governo que deixar comer mais, aos barões!
Aproximei-me
do convento de S. Francisco de Santarém. Tem um belo adro e uma
vista solene. Plantaram ali acácias depois de extinto o convento. As
baixas e aguçadas arcadas do claustro, as altas naves do templo,
todos esses túmulos e inscrições que por aí estão e que tanto
caracterizam este, um dos mais antigos e mais históricos edifícios
do reino. Quero partir de Santarém. Já me cansam estas perpétuas
ruínas, estes pardieiros intermináveis, o aspecto desgracioso
destes entulhos, a tristeza destas ruas desertas. Da bela igreja
gótica fizeram uma arrecadação militar; andou a mão destruidora
do soldado quebrando e abolando esses monumentos preciosos, riscando
com a baioneta pelo verniz mais polido e mais respeitado desses
jazigos antiquíssimos; os lavores mais delicados esmoucou-os,
degradou-os. Levantaram as lajes dos sepulcros e, ao som da corneta
militar, acordaram os mortos de séculos, cuidando ouvir a trombeta
final ...
Malditas
sejam as mãos que te profanaram, Santarém; que te desonraram,
Portugal; que te envileceram e degradaram, nação que tudo perdeste
até os padrões da tua história! ...
Nos
pardeiros deste convento velho, consertado pelas Obras Públicas,
fizeram quartel de soldados! ...
O
belo jazigo do rei D. Fernando I, formoso e frívolo, tão dado às
delícias do prazer, em que estado ele está!
Ó
nação de bárbaros! Ó maldito povo de iconoclastas que é este!
O
túmulo do segundo marido de D. Leonor Teles é um sarcófago de
pedra branca, fina e friável, elegante e simplesmente cortada, com
mais sobriedade de ornatos do que têm de ordinário os monumentos do
século XIV. A brutalidade da soldadesca deturpou-o a um ponto
incrível. Imaginou a estúpida cobiça destes alanos modernos que
devia estar ali dentro algum grande haver de riquezas encantadas;
talvez cuidaram achar sobre a caveira do rei a coroa real, marchetada
de pérolas e rubis com que fosse enterrado; talvez pensaram
encontrar, apertado ainda, entre as secas falanges dos dedos
mirrados, aquele globo de oiro maciço que lhes figura o rei de
espadas do sujo baralho de sua tarimba e que eles têm pela
indisputável e infalível insígnia do supremo império; talvez
supuseram que, mesmo depois de morto, um rei devia ser de oiro ...
enfim, quem sabe porque se vê, é que quiseram abrir e arrombar o
túmulo. Tentaram, primeiro, levantar a campa; não puderam, tão
solidamente está soldada a pedra de cima ao corpo ou caixão do
jazigo que o todo parece maciço e inconsútil. Mas nesse engenho,
quebraram e estalaram os lavores finos dos cantos, os cairés
delicados das orlas e a campa não cedeu; parece chumbada pelo anjo
dos últimos julgamentos com o selo tremendo que só se há-de
quebrar no dia derradeiro do mundo.
A
cobiça estólida dos soldados não se aterrou com a religião do
sepulcro, nem lhe causou atrição, ao menos, esta resistência quase
sobrenatural das pedras do movimento. Vê-se que trabalhou ali, de
alavanca e de ariete, algum possante e poderoso pé-de-cabra, mas que
trabalhou em vão muito tempo.
Desenganaram-se
enfim com a tampa e resolveram atacar mais brutalmente, mas com mais
vantagem, as paredes do sarcófago que justamente suspeitaram de
menos espessa. Assim era e conseguiram na parede da frente abrir um
rombo grosseiro por onde entra facilmente um braço todo e pode
explorar o interior do túmulo à vontade.
Assim
o fiz eu, que meti o meu braço por essa abertura bárbara e achei
terra, pó, alguns ossos de vértebras e duas caveiras, uma de homem,
outra de criança.
Não
me lembro que haja memória alguma de infante que aí fosse sepultado
também, segundo faziam os antigos muitas vezes, que punham os
cadáveres das crianças nos jazigos dos pais, dos parentes até de
meros amigos de suas famílias.
Tive,
confesso, uma espécie de prazer maligno em imaginar a estúpida
compridez de cara com que deviam ficar os brutais profanadores quando
achassem no túmulo do rei o que só têm os túmulos de reis ou de
mendigos: ossos, terra, cinza, nada!
Por
mim, estive tentado a furtar a caveira de el-rei D. Fernando. Se
acreditasse na frenologia parece-me que não tinha resistido. Não
creio nessa ciência, felizmente para a minha consciência. Também
não sei o que faria, se a caveira fosse de outro homem. Mas o fraco
rei que fez fraca a forte gente,
não são relíquias as suas, que se guardem.
O´quem
sabe? Esta profanação, este abandono, este desacato do túmulo de
um rei, ali na sua terra predilecta. D. Fernando era santareno de
afeição. Não será ele o juízo severo da posteridade, a vindicta
pública dos séculos que tarda, mas ultrajante cai enfim sobre a
memória reprovada do mau príncipe e lhe desonra as cinzas como já
lhe desonrara o nome?
Quero
acreditar que tal não podia suceder aos túmulos de D. Dinis, de D.
Pedro I, dos Joanes I e II, de ...
Sim
e aonde está o de Camões? O de Duarte Pacheco onde esteve?
Que ainda é mais vergonhosa pergunta, esta última ...
Em
Portugal, não há religião de nenhuma espécie. Até a sua falsa
sombra, que é a hipocrisia, desapareceu. Ficou o materialismo
estúpido, alvar, ignorante, devasso e desfaçado a fazer gala de sua
hedionda nudez cínica no meio das ruínas profanadas de tudo o que
elevava o espírito.
Uma
nação grande ainda poderá ir vivendo e esperar por melhor tempo,
apesar desta paralisia que lhe pasma a vida da alma na mais nobre
parte do seu corpo. Mas uma nação pequena é impossível; há-de
morrer.
Mais
dez anos de barões e de regimen da matéria e infalivelmente nos
foge deste corpo agonizante de Portugal o derradeiro suspiro do
espírito.
Creio
nisto firmemente.
Mas
ainda espero melhor, todavia, porque o povo, o povo está são; os
corruptos somos nós, os que cuidamos do saber e ignoramos tudo.
Nós,
que somos a prosa vil da nação, nós não entendemos a poesia do
povo; nós, que só compreendemos o tangível dos sentidos, nós
somos estranhos às aspirações sublimes do senso íntimo que
despreza as nossas teorias presunçosas porque todas vêm de uma
acanhada análise que procede, curta e mesquinha, dos dados materiais
insignificantes e imperfeitos enquanto ele, aquele senso íntimo do
povo, vem da Razão divina e procede da síntese transcendente,
superior e inspirada pelas grandes e eternas verdades que se
demonstram porque se sentem.
E
eu, que descrevo isto, serei eu demagogo? Não sou.
Serei
fanático, jesuíta, hipócrita? Não sou.
Que
sou eu então?
Quem
não entender o que eu sou, não vale a pena que lho diga ...
Perdoai-me,
leitor amigo, uma reflexão última no fim deste capítulo, já tão
secante e prometo não reflectir nunca mais.
Jesus
Cristo que foi o modelo da paciência, da tolerância, o verdadeiro e
único fundador da liberdade e da igualdade entre os homens. Jesus
Cristo sofreu com resignação e humildade quantas injustiças,
quantos insultos lhe fizeram a Ele e à sua missão divina; perdoou
ao matador, à adúltera, ao blasfemo, ao ímpio, mas quando viu os
barões a agiotar dentro do templo, não se pôde conter: pegou num
azorrague e zurziu-os sem dor. ❐
Biografia
de Almeida Garrett
Da
biografia de Almeida Garrett gostaria de salientar que nasceu no dia
04 de Fevereiro de 1799, no Porto.
No
dia 30 de Junho de 1820, toma o grau académico de bacharel em Leis e
em 19 de Novembro de 1821 termina a formatura em Leis fixando
residência em Lisboa.
A
4 de Outubro de 1822, é acusado, perante os tribunais, de abuso de
liberdade de imprensa, sendo absolvido.
A
11 de Novembro de 1822, casa na igreja de S. Nicolau em Lisboa com
Luísa Cândida Midosi que conheceu no dia 29 de Setembro de 1821.
A
10 de Junho de 1823, parte para viver em Inglaterra, imediatamente
após o regresso de D. Miguel a Portugal – Vila Franca de Xira e a
Vilafrancada.
Em Agosto regressa a Lisboa, mas é logo preso, passando três dias
no Limoeiro, após o que é deportado e proscrito.
A 04 de
Agosto de 1824, está a trabalhar em França, no Havre, como
empregado da casa bancária Laffitre.
A 14 de
Junho de 1826, é autorizado a regressar a Portugal.
Em
1827, funda o jornal Português
e depois O
Cronista.
Em Junho
de 1828, com o regresso de D. Miguel a Lisboa, Almeida Garrett parte
novamente para ir viver para a Inglaterra.
Em Janeiro
de 1832, Almeida Garrett assenta praça no batalhão de caçadores em
Paris e parte para Belle Isle a juntar-se ao exército de D. Pedro.
A
29 de Fevereiro de 1832, Almeida Garrett larga de Belle Isle a bordo
da corveta Juno
e dezassete dias depois desembarca na ilha Terceira.
A 8 de
Julho de 1832, desembarca no Mindelo e dias depois instala-se no
Convento dos Grilos, no Porto, onde está aquartelado o corpo de
voluntários académicos.
Em 1834, é
nomeado encarregado de negócios junto do governo belga e
cônsul-geral de Portugal na Bélgica.
Em 1836, é
demitido desse lugar e separa-se da esposa.
A 28 de
Setembro de 1836, é incumbido de propor um plano para a fundação e
organização de um teatro nacional. Cria-se por sua iniciativa, a
Inspecção Geral dos Espectáculos, o Conservatório Real e o Teatro
Nacional de D. Maria II. Conhece Adelaide Pastor ou Deville que se
apaixona por ele, consagrando-lhe a sua vida.
A 14 de
Janeiro de 1841, nasce-lhe Maria Adelaide, única filha que lhe
sobrevive.
A 26 de
Julho de 1841, morre Adelaide Pastor.
Em Janeiro
de 1846, conhece em Lisboa, num baile de beneficência, Rosa Montufar
Barreiros, viscondessa da Luz, sua derradeira paixão.
A 04 de
Março de 1852, é nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros e a 17
de Agosto é demitido desse cargo.
A
09 de Dezembro de 1854, Almeida Garrett morre em Lisboa, na sua casa
da antiga rua de Santa Isabel; casa que, em 2006, se preparam para
demolir, fazer desaparecer assim como o património e o nome deste
homem que foi protagonista da nossa história e foi da elite daqueles
conturbados anos que vivemos. Só barões
o podem fazer!
É muito
extensa a obra literária de Almeida Garrett.
Lagos, 31
de Março de 2006
BIBLIOGRAFIA
AMADO,
José Carlos; História de Portugal; Vol II; Verbo Juvenil; Editorial
Verbo; Lisboa, Outubro de 1966;
MEDINA,
João; História de Portugal; Vol.s VII – VIII; Ediclube; Madrid,
1994;
GARRETT,
Almeida; Obras completas de Almeida Garrett; nº de edição: 1433;
Vol I; Lisboa; Círculo de Leitores; Maio de 1984.❐
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